As óbvias lições do candelabro – uma crítica ao fim da privacidade

O candelabro era um lugar escuro. Chamava-se candelabro pelo fato de inflamar as labaredas com aqueles que decidiam pensar. De verdade, quase ninguém decidia isso porque era bastante natural que os frequentadores dali, por destino, já estavam de alguma forma, comprometidos com o quadrado do fogo.

Gevlod era o mais velho. Sobre suas ligações mentais, neurônio torrava e de sua cabeça emanava labaredas de idéias colossais. Era o mais experiente, cuidadoso e perdia-se nos devaneios mais engenhosos dos seus descomunais dias. Às vezes, sofria dizendo algo que esquecera o autor: “é loucura querer ser sábio quando se é feliz ignorante”. Mas ali, ninguém tinha o livre arbítrio, pois neurotransmissor é sagaz e independente.

Pensar demais dói e a racionalidade não tem nada a ver com sentimento, com dores, prazer e gostosura. Gevlod, por vezes, continuava conhecer as coisas imaginando que as verdades não são eternas e que existem mais de setenta maravilhas científicas que destituiram crenças antes inquebrantáveis. A cabeça dura de todos ali era como as rochas do mito da caverna e alguns queriam mesmo descansar.

Lardier era frequentador assíduo. Tão perturbado que não queria mais voltar para casa. O candelabro era o lugar de todos que fugiam da televisão e dos falsos ambientalistas que ligaram para um jornalista para denunciar a poda de uma árvore enquanto comiam carne de gambá. Lardier odiava quase tudo. Seu lema predileto e conhecido era o famoso jargão: “a unanimidade é burra”. E sua fuga era de todas as inutilidades que faziam muito sucesso na atualidade. Sua comida era macrobiótica e seu maior inimigo o desaparecimento da privacidade.

Para ele o preço de uma descoberta é a renúncia e abandono de seu desejo. O grande prazer não está no final do ato ou efeito de descobrir e sim no seu caminho. Em outras palavras: tudo que é fácil demais não tem a menor graça. Talvez, eu penso, que não sejam mais como as conquistas antigas, as dificuldades, os desafios e, ainda, o anonimato do que cada um faz da sua vida, o que está debaixo da roupa. Lardier sabe – não existe nem tanta roupa assim, e nenhum achado importante nas relações sociais, uma vez que foi perdido o controle de imagem, da surpresa para um choque emocional coletivo – exemplo: 'feicebuque'* – onde “eu tenho, logo existo”. Dá para temer o fim do pensamento já que ele dói mesmo.

Santini era mais um frequentador interessante. Ele sempre perguntava por que a escuridão consumia tanto. E ordenado pelos princípios de parcimônia entre os presentes sabia que, comumente, é preciso fechar os olhos para ter opinião. A imprudência não é cega e o retiro do candelabro fazia com que todos pudessem ouvir, tocar, conversar e redescobrir o grande significado do olhar vivo para contemplar a razão, para fitar o surgimento da luz, quando um pensamento novo surgia. Ninguém fotografava não. Para que? Seria um registro em vão ou, então, mais uma síndrome do narcisismo enrustido das pessoas que utilizam seus computadores para servir a necessidade de fotografar, mostrar, fotografar, mostrar. “Gente, o povo perdeu a noção!” Santini se alimentava de palavras e de decisão. Era comum que seus registros fossem, de fato, importantes para que o excesso de representação e de oferta não tirassem toda sua atenção e lógico matasse seu desejo.

Mas, desejo mesmo tinha Pandeão, um sujeito calmo, também muito crítico, que gostava da escuridão. Morria de preguiça da repetição e, na verdade, não tinha nenhum interesse no óbvio pelo fato de ser indiscutível. E tudo que é indiscutível, naturalmente, não gera assunto para pensar. Pandeão examina o exagero de claridade, de exposição, de fácil espionagem - aliás, é o fim da profissão de espião. Com o exibicionismo na 'hinternete'* todos já sabem mesmo o que todo mundo faz. Pandeão é o encarregado de dar sentido ao sentido oculto, às confidências, aquilo que não deve ser dito ou mostrado para que continuem existindo as descobertas.

Campo inimigo agora ficou domesticado, como domesticamos gatinhos e cães, mas não domesticamos mais nossos belos e saudáveis segredos, seja ele, o simples jantar que você foi ontem à noite. Chega. Apaguem as luzes, controlem o transtorno obsessivo compulsivo de fotografar e mostrar. Fiquemos um pouco na escuridão para que as chamas do candelabro retirem da privacidade, da introspecção e da nossa intimidade o retorno ao desejo de pensar.

* As expressões foram alteradas para tornarem-se fictícias.

Fábio Alvino
Enviado por Fábio Alvino em 30/01/2012
Reeditado em 06/02/2012
Código do texto: T3469702
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