EU SÓ PRECISO SABER, COMO VAI VOCÊ?...

Ao folhear o álbum um retrato em especial palpitou o meu peito.

A foto de Dona Zika!

Por onde andaria minha madrinha?

Ouvi dizer que a velha adoecera, empalidecida com o sumiço da filha e corroída pela petulância de um carcinoma.

Era autora de uma biografia ímpar!

A bendita foi a fundadora do nosso time e idealizadora da Vila. Responsável pelos partos das pestes do bairro, Dona Zika abrigava-nos sob suas asas e vigiava o ninho.

A Vila era sua família!

Reuni meus pares do Ruindver FC e planejamos retribuir, com uma balada surpresa, toda a presteza da nossa parteira.

Os fatos, em forma de boatos, atestavam que ela se exilara e tinha a cegueira como fiel companheira.

Decidimos presenteá-la com o regresso da filha, porém não obtivemos êxito no garimpo.

A solução seria contratar uma periguete para encenar o papel.

-Eu cobro por hora!-impôs a Istéphani.

-Só temos grana pra cinco minutos!!-propus.

A donzela desistiu.

E aí???

-Vai você Bolacha...ou não vai provar o bolo!!!-intimamos.

-Tão malucos? Tô fora!!!

Após muita pressão o pagão pegou os apetrechos da irmã e se ornamentou. Afinal o sacrifício seria por uma boa causa...com cobertura de chocolate!

Ao chegar no casebre, repleto de cicatrizes nas paredes, ratos e baratas se acotovelavam sobre a louça malcheirosa.

Espiamos pela janela.

Dona Zika estava estirada, as íris inválidas, o rosto talhado, a cabeça raspada...

A mulher combativa, que regara com suor cada canto da Vila, agora parecia perecer.

-Dona Ziiiiiika!-gritei.

O rádio rouco abafou minha voz, um bico de luz iluminava a protagonista da nossa infância.

Foram incontáveis as proezas realizadas por Dona Zika em prol dos desassistidos e, infelizmente, contávamos nos dedos os poucos que se preocupavam com a coitada.

Quanta ingratidão!

-Sua filha está aqui!!!

Levantou-se com lerdeza, tateou os móveis imóveis e abriu a porta.

-Quem é!!!

-É a turma do Ruindver FC, viemos trazer sua cria!!!

O Bolacha, que até então era só risos, sensibilizou-se com a cena e, travestido, bambaleou o corpo paramentado na direção da mártir.

-Tô aqui mãe!!!-teatralizou, emocionado.

-Que saudade filha...por que me abandonou?

Nossos corações choraram!

Dona Zika, trêmula, lavou a lama da alma.

O tempo, carrasco do seu corpo, violentou o vigor da eterna guerreira que, mesmo caída, não se dava por vencida.

-Filha, cê tá grávida?-arguiu, apalpando a barriga do bonachão.

-Eu...tô...de quadrigêmeos.-balbuciou o Bolacha, encolhendo a protuberância abdominal.

Permanecemos o resto da tarde relembrando os áureos tempos e as saudosas travessuras.

Vez em quando o Bolacha cruzava as pernas ou retocava o batom para dar maior veracidade ao personagem.

Saindo dali, emocionados com o lecionado da nossa líder, encontramos o Xaveco que, piscando para o Bolacha, me indagou:

-Cara, quem é essa mina...sou tarado por uma fofinha!!!

Fiu...Fiu!!!

Após a visita me senti leve, regenerado com o aprendizado, pagara com juros uma dívida incalculável.

Sempre passo defronte ao cômodo da Dona Zika para me assegurar que ela ainda insiste em trocar socos com a morte.

Enquanto aquela lâmpada estiver acesa meu memorial estará seguro.

Acredita que ela arribou?

Na última vez que falou comigo foi categórica:

-Deus só vai me levar depois que eu fizer o parto dos meus netinhos!!!

Xiiii.... Bolacha !!!