Alem da Tenda
Por muito tempo meu mundo se resumiu ao limite da tenda onde minha família morava, meus passos eram dados na medida que minha mãe caminhava e nunca ousei sair do alcance de sua visão. Durante toda a vida eu me satisfiz com este limite, parte imposto pelos velhos e parte auto-imposto, estava tudo correndo muito bem, eu tinha meu refugio, meu grupo, meus amigos...
O tempo passou para todos e não pareceu passar pra mim, embora minha família começasse a querer abrir as asas para que eu desse o primeiro vôo, eu me mantia agarrado as suas penas. Tinha boa justificativa, dizia que eu aproveitava a vida daquela forma e não necessariamente correndo descalço com os outros da minha idade.
Eu estava errado. Eu não aproveitava a vida e nem aqueles da minha idade estavam correndo descalços, estavam construindo relações. Eu estava estabilizado em um pensamento que também construía minhas relações, tinha uma moça em uma terra distante, longa demais para se caminhar sempre. Em minha cabeça ela era a mulher reservada para meu futuro e, por isso, não havia mais o que procurar La fora.
Anos passaram e eu neste estado de espera, espera pela nova caminhada para encontra-la, espera pelo futuro que deveria simplesmente se desdobrar na minha frente. Mas a decepção veio fácil, bastou uma pequena revelação que eu julguei inofensiva para que a santa que prestei culto tanto tempo, caísse. Até hoje não sei se eu amei um personagem ou se este erro foi dela.
Na noite seguinte a este episodio, a sensação era que tinha tomado uma surra, acordei tarde, talvez anos mais tarde, e percebi o debito que eu tinha com a vida e sabia que a partir daquele momento, ela começaria a me cobrar. Comecei devagar seguindo os passos dos meus amigos e, muitas vezes, achei que estava tendo sucesso.
Mas não estava, meus atos apenas pareciam substituir as pegadas seguras de minha mãe pelas pegadas dos meus amigos, cada passo sem eles era carregado de grande aflição. Eles diziam que eu estava melhorando muito, eu me sentia assim também, mas o abismo de distancia que via entre nós me parecia intransponível, essa era a grande nota promissória que a vida me enviava sempre que podia.
Demorei muito para acordar novamente, agora estou disposto a dar meus passos sem eles, não por me isolar ou não confiar em meus amigos, confio muito, a ponto de abrir certos pontos fracos que possuo, mas trata-se agora de uma caminhada rumo ao amadurecimento. Todas as caras que eu não quebrei no passado, terão de ser quebradas agora, rápido.
Porem, é parte da minha personalidade não caminhar por caminhar, preciso de um objetivo, uma meta (outra coisa que custei a perceber) e eu possuo. Caminho em direção ao amadurecimento e a uma mulher, outra, sem personagem, sem culto, cheia de defeitos, posso enumerar mais defeitos dela do que meus próprios. Mas eu relevo. Meu coração esta aflito pelos primeiros passos sem apoio e no desconhecido, mas esta cheio de coragem. Ainda que, lá na frente, ela não me de sua mão, não venha comigo, o que está me ensinando, mesmo sem saber, eu carregarei para toda a vida.
Um passo ou dois, relutantes, mas não demoro a começar a correr, agora com um brinco novo, dourado, saio da aldeia e meu mundo passará a ser maior do que os limites da minha tenda.