De Sucevita ao Vaticano.
A caixa chegou do monastério de Snagov de modo discreto, coube a uma figura extremamente reservada a tarefa de acompanhar o volume bem embalado e transportado com cuidado de remessa diplomática. A orientação pessoal do Cardeal Albino Luciani, o Patriarca de Veneza, era que tudo fosse entregue diretamente ao Padre Lorenzi num modesto prédio na Via della Conziliazone. Logo após o recebimento Padre Lorenzi abriu a caixa que continha um antigo baú de viagem feito em madeira nobre, certamente muito antiga, possivelmente uma relíquia.
As instruções do Cardeal eram claras, que tudo fosse examinado e toda a documentação autenticada pelos registros disponíveis na Biblioteca da Cúria e que fossem apresentadas, ao término dos trabalhos, conclusões sobre o envolvimento da autoridade do Papa em tudo que pudesse estar relacionado a pessoas ou eventos e o conteúdo do misterioso baú.
O primeiro documento, cuja data de origem precisava o inverno de mil quatrocentos e cinqüenta e cinco, tratava de compromissos assumidos pelo soberano de Valáquia com o Papa Calisto III sobre a disposição de construir e manter determinados monastérios, tal como seus antecessores servir a Ordem dos Dragões, fundada por Sigismundo I.
Em contrapartida contaria com o apoio e a proteção da Igreja, fosse por influencia política ou mesmo por mobilização de recursos nas campanhas militares a que o nobre cristão se lançava.
O segundo documento confirmava a transferência de vultosa soma para a construção de dois monastérios estratégicos para Vlad III, a doação de terras e propriedades mediante interveniência junto ao soberano da Hungria.
O terceiro documento teve uma transcrição trabalhosa, pois era correspondência cifrada registrada de forma peculiar, onde o representante da Cúria atesta a compreensão do Papa ao tratamento dado por Vlad III aos que se opunham ao seu governo ou caiam prisioneiros de seu exército.
O emissário em determinado momento chega a repreender o empalamento imposto aos seus inimigos como castigo demasiado cruel, porém aceitável sob situações extraordinárias.
A seguir foi examinado um conjunto de documentos que enviava para a ilha-monastério de Snagov algumas famílias e artesãos com a incumbência de construir dentro das instalações do monastério uma ala de celas de clausura que seria mantida desocupada e destinada ao uso de Vlad III e seus familiares.
Havia um conjunto de correspondência tratando de recursos para a manutenção das famílias responsáveis pelo claustro. Alguns detalhes sobressaíam nas recomendações do Soberano de Valáquia, quanto à idade dos jovens que serviriam aos eventuais ocupantes do claustro, designação de membros da guarda pessoal responsáveis pela ordem nos limites do monastério, determinando inclusive casamentos e a inclusão de novos membros na reservada comunidade. Estranhamente um auxiliar direto de Pio II, o Papa na ocasião permitia estas ações dentro dos limites que se supunha sob a autoridade do Papa.
Um último documento com material decrépito que necessitou do auxílio de alguns especialistas húngaros e historiadores alemães referia-se a um conjunto de instruções relacionadas ao sepultamento dos restos de Vlad III em Snagov, determinava a selagem do claustro além do desterro de todos os servos que ainda vivessem na ilha após sua morte.
Restava no baú uma pasta conservada e moderna, com documentos em papel de boa qualidade e alguns contendo a insígnia papal, lacres e marcações restritas as autoridades destacadas na hierarquia católica.
Em mil novecentos e dois um membro da Congregação dos Assuntos Eclesiásticos Extraordinários, Padre Pacelli, é designado para estudar o conteúdo do baú e ir a Snagov estudar alguns documentos do monastério relacionados a outros documentos sigilosos encontrados no arquivo da Biblioteca do Vaticano.
Eis algumas conclusões do Padre Pacelli após examinar documentos e ouvir relatos remanescentes na cultura local sobre o personagem em questão:
“Não é correto afirmar que Vlad III tenha morrido e sido sepultado em Snagov;”
“O claustro construído em Snagov, na primeira incursão após o rompimento da selagem, revelou restos de aproximadamente quinhentos servos que trabalhavam nas terras do mosteiro sob as ordens de um membro da guarda pessoal de Vlad III;”
“Somando-se as partes coincidentes de tudo que fora relatado em dezembro de mil quatrocentos e setenta e seis concluo que todos os servos de Vlad III foram assassinados e tiveram seus restos selados no claustro pela milícia comandada pelo guardião do seu túmulo logo após o seu sepultamento;”
“Coube ao chefe da milícia remover os restos do soberano para lugar desconhecido, colocando em seu lugar os despojos de um lobo;”
“A última aparição do chefe da milícia atesta a sua presença acompanhando um padre ao mosteiro de Sucevita e posterior desaparecimento em seguida, sem qualquer vestígio;”
“Estranhamente, Sua Santidade, o Papa Sisto IV, pontífice daquele período, anota em dezembro deste ano a chegada do Padre Mircea a Sucevita;”
“Nos quinze anos que se seguiram, durante os pontificados de Inocêncio VIII e Alexandre VI a região tornou-se sombria com relatos de desaparecimentos e crimes ligados a satanismo, vampirismo e canibalismo;”
“O Papa Inocêncio VIII foi o autor da Bula contra os Bruxos que deu plenos poderes a Inquisição;”
“O Papa Alexandre VI, Rodrigo Bórgia, morreu envenenado em conseqüência de um pontificado corrupto e imoral, era sobrinho do Papa Calisto III;”
“No ano de mil novecentos e trinta e um arqueólogos escavaram a tumba destinada a Vlad III encontrando apenas restos de animais e vestígios de sangue, o que serviu para alimentar o mito.”
“O Padre Pacelli contando com a influencia de algumas autoridades eclesiásticas tornou-se cardeal em mil novecentos e vinte nove, o ano da quebra da Bolsa de Nova Iorque; em dois de março de mil novecentos e trinta e nove é eleito o ducentésimo sexagésimo Papa; começa a segunda guerra mundial e o pontificado daquele que será conhecido como o Papa de Hitler; o Papa Pio XII.”
Na noite do dia vinte e cinco de agosto de mil novecentos e setenta e oito o Padre Lorenzi entrega seu relatório ao Cardeal Luciani que no dia seguinte será eleito Papa em terceiro escrutínio, viverá por mais trinta e três dias num dos pontificados mais curtos da história.
Ficará conhecido pelos católicos como “O Papa Sorriso”, mas os vaticanistas o tratarão por João Paulo I, o breve.
Após o sepultamento do Cardeal Luciani o Padre Lorenzi retirou-se para Sucevita, onde estranhamente voltaram a desaparecer pessoas e a acontecer crimes brutais.