ESCOLHAS
OBS: Estou me atrevendo a chamar de CONTO o que é apenas uma simples redação.
Ela estava feliz, contando suas joias e seu dinheiro. Sorria como criança ao ganhar um brinquedo novo e desejado. Estava fechada no seu luxuoso quarto, entre seus finos lençois e suas caras almofadas. A porta cuidadosamente trancada após ter recebido a encomenda naquela maleta preta com um segredo. Ela enfim conseguira o que tanto desejava.
Senhorita Viegas, como gostava de ser chamada havia se separado do marido há algum tempo e os dois filhos estudam na Europa. Ligam raramente para a mãe, que na verdade nunca se preocupara de verdade com amá-los. Desde o parto, tinha um responsável para cada função dentro daquela casa interminavelmente grande. São inúmeros quartos distribuídos nos dois pavimentos daquela casa que ocupa quase toda uma quadra, com jardins imensos, cheios de estátuas e fontes, um alto muro cercando a propriedade e uma coleção de funcionários para dar conta da manutenção de tantos afazeres.
O marido nunca mais pôs os pés ali desde que se separaram. Mesmo quando estavam ainda juntos, senhorita Viegas não dormia com ele no mesmo quarto. Reclamava do barulho, reclamava de luzes acesas pela manhã quando o marido saía para trabalhar nas empresas deixadas pelo seu pai no setor da construção civil. Ela estava ficando antipática, apática e agressiva. Tudo deveria girar em torno de si mesma e deveria ser feito conforme sua vontade assim o determinasse.
Mônica e Célio, os filhos, ligavam na mansão todas as semanas para falar com Olga, a governanta. Como a madame nunca se aproxima do território do trabalho, ali ela conversava durante bom tempo com os meninos, como ela carinhosamente os chamava. Foi Olga que curou o umbigo, oferecia o leite, preparava o café e colo, e ainda cantava para os dois dormirem. Vez ou outra os meninos perguntavam se a mãe estava bem. Também mandavam sempre um abraço ao Álvaro, motorista que os deixava na escola. Olga ainda trabalhava na casa por sobrevivência, pois era órfã e não tinha ainda uma residência, promessa que os meninos fizeram a ela assim que terminarem os estudos e começassem a trabalhar. Ela os amava como mãe e eles se sentiam amados como filhos.
Senhorita Viegas acordava tarde e tomava café em sua cama. Saía depois de um banho, todos os dias para um passeio nos jardins e para admirar sua riqueza, que não possuía antes do casamento com o milionário senhor Rômulo. À tarde gostava de frequentar clubes e academias de luxo, fazer compras para estocar em seus armários e aumentar sua coleção de sapatos. Não era dada a festas, raramente promovia jantares em sua residência para não ser esquecida pela sociedade e dificilmente era convidada para outros. Vivia uma vida vazia. Nunca fizera nenhum tipo de doação ou prestou solidariedade a alguém. Gostava de teatros, óperas e restaurantes refinados. Ultimamente não tem conseguido frequentar tais lugares por falta de companhia.
Enquanto a vida acontece ela continua dentro de seu quarto, abrindo a mala preta, distribuindo sorrisos ao nada e jogando ao ar as cédulas que recebera afinal do divórcio, além de ter ficado com a mansão. Espalhou por sobre a cama o dinheiro e suas joias, várias. E sorria de contentamento para si mesma.
O tempo se passou nessa rotina extremante sem emoção alguma. Chegou o fim do ano e com ele, os filhos. Iriam passar o natal com a família, e como não viam o pai, convidaram-no para uma ceia. Tudo pronto, preparado por Olga com o carinho de uma verdadeira mãe. Os filhos convidaram também os funcionários da casa, mas apenas Olga que residia num pequeno quarto daquela casa e Álvaro, solteiro, compareceram. Na sala de jantar, os meninos riam e abraçavam-se uns aos outros com imensa alegria. Foi quando, minutos antes da meia noite, desce Senhorita Viegas nas escadas da casa, como se desfilasse em uma passarela. Um vestido vermelho, imponente, joias por todo o corpo, sapatos de salto alto, completando o extremo luxo. A cabeça sempre erguida em sinal de superioridade. Quando desce, sorri forçadamente para as pessoas no ambiente. Assenta-se à mesa e diz, solenemente:
__ Querida Olga e querido Álvaro, obrigado pelos serviços. Já vamos começar nossa ceia, então podem se retirar, por favor.
Os filhos e Rômulo se espantaram e Mônica indagou:
__ Mas como assim? Eles são como membros da família, estão conosco há anos. São nossos convidados mãe.
__ Mas nunca! Exclamou Viegas. Um empregado jamais se assentará em minha mesa.
Enquanto eles se retiravam, obedientes, pai e filhos também se retiraram do ambiente e dirigiram-se à cozinha. Enxugaram uma envergonhada lágrima nos olhos de Olga, recolheram os alimentos que ainda estavam por serem servidos e entraram no carro. Álvaro fez questão de dirigir em direção à sua casa. Foi o natal mais feliz daquela família.
Senhorita Viegas continuava solenemente assentada à sua mesa chamando por Olga que nunca mais voltou àquela casa. Quando os sinos do velho relógio badalaram a meia noite, ela ouviu gritos na rua, foguetes e barulhos de festa. Estava só naquela imensa mansão, sendo servida apenas pelo garçom que havia sido contratado para aquele dia. Ele serviu-lhe vinho para acompanhar o prato principal da ceia. Imóvel, depois de alguns minutos ela experimentou-o, que desceu amargo sobre sua alma, ao olhar os quadros na parede, o luxo de suas joias e o silêncio de sua solidão, fruto de suas escolhas. Ela não se levantou da mesa antes do amanhecer. Não ficou só. Suas joias a acompanhavam.