ACONTECEU COMIGO

- Pra onde vão? - Perguntou aborrecido e bastante estressado o meu tio Raimundo, ao sair na janela de sua casa, naquela tarde de domingo de verão de sol causticante, quando meu irmão Aluízio e eu, descíamos pela rua com destino à lagoa na intenção de tomarmos banho; horário em que, logicamente, encontrava-se um bom número de pessoas que, aproveitavam à tarde de domingo, para refrescar o corpo por ser uma região muito quente.

Respondemos simplesmente, que iríamos tomar um banho na lagoa. Após nos ouvir, esbravejou furiosamente, determinando o retorno imediato à nossa casa, interrompendo assim, aquele nosso momento de lazer.

Não era muito comum para nós, meu irmão e eu, sairmos para tomar banho na lagoa, visto que, o domingo era também um dia de trabalho, pois estávamos sempre na rua, aproveitando os aglomerados de pessoas para vendermos alfinim, um produto que mamãe fazia de açúcar, para ajudar na renda familiar. Mas nesse dia, fomos liberados por mamãe, para tomar um banho. O que não aconteceu.

A lagoa era um imenso lago coberto de capim, porém existiam algumas áreas limpas de água fria. Um desses locais era conhecido por nós como poço dos homens, uma espécie de balneário, de recreação e lazer, era uma diversão sem contas nas tardes de domingo, e lá também, as pessoas tomavam seus banhos ao retornarem das roças no final de cada dia de trabalho.

Nessa época, eu já tinha meus doze anos de idade e, juntamente com meu irmão e minha irmã, morávamos apenas com nossa mãe, papai estava ausente, lá pra bandas do Ceará, onde moravam seus dois filhos da primeira esposa e demais familiares, voltando ao nosso convívio, algum tempo depois.

Apesar de meu tio, ser irmão de minha mãe, não poderia exercer duras ordens sobre nós, não precisando, portanto, está monitorando nossa vida, pois mamãe tinha maturidade suficiente para cuidar dos filhos. Por outro lado, tínhamos o maior respeito por mamãe e obedecíamos as suas ordens, mesmo que ela não estivesse presente.

Saímos de casa naquele dia pra tomamos banho na lagoa, com permissão de nossa mãe, significando dizer que, estávamos credenciados por ela para aquele lazer. A verdade é que, meu tio vivia muito estressado com sua própria família, sua esposa, duas filhas ainda crianças e um enteado adolescente. Por conta disso, por sermos ainda crianças e papai não está morando com a gente, descarregava sua fúria em nós. As razões de seu estresse, não sabíamos com precisão, mas tudo levava a crer, que era em função de sua esposa ter tomado a decisão de tornar-se evangélica, levando consigo, suas duas filhas.

Quando meu tio nos mandou voltar, não hesitamos, pois, da forma que ele nos tratou não tínhamos coragem de responder palavra alguma. Meu irmão tomou a decisão de apressadamente, ir diretamente para casa, eu saí pelas sombras das casas, caminhando lentamente, sem perceber que meu tio, da janela de sua casa, estava me observando.

Ao chegar em frente a casa de seu Raimundo Bernardo, olhei pela porta meio aberta daquela casa e percebi que algumas pessoas estavam em volta de uma mesa jogando baralho. Prática essa, que sempre faziam sem qualquer aposta, apenas por esporte. Entrei e, a exemplos de outras pessoas que ali se encontravam, (apelidadas de perus), fiquei também observando aquele jogo. Surpreendentemente, meu tio chegou aquela casa e, de forma ignorante arrastou-me pelo braço e sem atender os apelos daquelas pessoas que ali se encontravam, passou a me chicotear brutalmente sem que eu pudesse me defender ou escapar de suas mãos.

Foi uma ação muito violenta, cada lapada que eu recebia, era uma lapa de couro que saia de minhas costas, afinal de contas, ele usava um relho, uma espécie de chicote feito de couro cru. Até que finalmente, desprendi-me dele e saí correndo pela rua, rumo à nossa casa, lavado de sangue. As pessoas que presenciaram aquilo ficaram chocadas com a cena, mas nada podiam fazer, apenas lamentavam. Até hoje, não consegui entender, a razão de meu tio ter sido tão violento para comigo naquele dia!

Nossos vizinhos eram verdadeiros amigos, se condoeram profundamente com a situação, procuraram repassar para mamãe o consolo no momento que mais ela precisava, e repassaram mesmo, confesso que foi muito importante para nós a empatia que recebemos daquele pessoal.

O lugarejo onde morávamos era constituído de pessoas pobres, sua maioria vivia da roça. Poucos eram os moradores que possuíam suas condições, os quais controlavam a economia do lugar comprando os produtos da lavoura ali produzidos e vendendo suas mercadorias para aqueles camponeses. Exploravam os pobres como podiam, pois a cidade mais próxima, que oferecia mais opção, ficava cerca de 60 quilômetros, cuja estrada de acesso era carroçável, com poucas opções de transportes.

Nesse povoado, moramos por cerca de cinco anos, lá enfrentamos os ardis de uma situação difícil, nossas fracas condições nos obrigavam a execução de trabalho forçado da roça, entretanto, antes mesmo de qualquer coisa, éramos obrigados a abastecer de água potável nossa casa, conduzindo o precioso produto em latas, sendo necessárias várias viagens até ao poço, que não ficava muito perto, para concluir nossa tarefa, enchendo os potes e os reservatórios para a luta do dia.

Essa tarefa estava sob os meus cuidados, com meu irmão ficava a responsabilidade de pilar o arroz, para o consumo da família. Após esses trabalhos concluídos, que por sinal, começávamos muito cedo do dia, ainda escuro, nos aprontávamos e íamos para a escola, depois da escola, por volta do meio dia, íamos para a roça levando o almoço de papai e trabalharmos por lá, o resto da tarde, retornando para casa ao final do dia, trazendo porções dos produtos da lavoura, arroz, milho, feijão, abóbora e outros, bem como, a lenha para cozinhar a comida. Trazíamos tudo isso, nas costas, pois não possuíamos um jumento, se quer, para transportar esses produtos. Era uma vida de lutas e de muitas dificuldades, mas vencemos.

Luís Gonçalves
Enviado por Luís Gonçalves em 19/01/2012
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