Em memória a minha memória
Doce é o sabor da divina lembrança, a qual guardo para sempre, não em meu paladar, mas sim no coração. Um sabor que se esvai, dando lugar ao azedo gosto da saudade.
Neste fim de tarde, eu e meu pai, lembrávamos esses sabores todos advindos de outras tardes antigas, nas quais compartilhava, com meu avô, risos e açúcares.
A imagem que me vem é de um avô diferente de todos quantos vi ou conheci. Debruçado na sacada do prédio que morava, tomava solitário algumas biritas e fumava seus muitos cigarros. Os olhos avermelhados pela fumaça do tabaco, fixavam-se sem fim na obscura penitenciária onde trabalhava havia alguns anos.
Em todas as vezes que o visitava, gritava meu nome depois de tossir roucamente as impurezas do cigarro e me abraçava, forte, até eu quase sufocar. Nas vezes em que não me abraçava, urrava a palavra “Jotalhão” e me dava um soco carinhoso que quase arrancava meu, ainda pequeno, braço.
Ele ainda principiou um hábito que se tornou corriqueiro na minha e na vida de meus primos: entregava-nos saquinhos contendo guloseimas engordativas, as chamadas “surpresinhas”, que sobreviveram à sua morte, com minha avó, até o dia em que ela própria resolveu ir ao encontro de meu avô Julião.
Não sei se nos veremos novamente, mas se o encontrar, estarei forte o suficiente para agüentar os fortes socos dele, mas nunca velho demais para ganhar mais uma surpresinha.