Contos do eremita: Gravidade de espírito
O tempo é algo que não existe para mim. Nem para esta exótica fogueira azul na minha frente. Talvez o grande regente - em um pequeno deslize - tenha se esquecido de nós por algumas eternidades, e assim surgem os imortais de corpo e espírito. Curiosa é a magia dos imortais de espírito, que quando vivos brincam insconscientemente de ser lâmpadas atraindo infinitudes de vaga-lumes mortais. Mais curioso ainda foi um filhote de humano que aqueceu-se por aqui em um dia de chuva como todos os outros desse mundo cinza.
- Ancião, é você que responde as perguntas, não é?
- Talvez sim. É algo que acabei de fazer, não é?
- É...
- Talvez não, pois agora foste tu que o fizeste.
- Posso perguntar algo?
- Já estás tão autorizado que estás fazendo isso desde que chegastes, filhote de humano.
- Existem pessoas que nos atraem de uma forma esquisita...não sei dizer como...
- De forma inevitável, como a atração dos vagalumes pela luz?
- Sim, de certa forma...
- E lembra que eles não param mesmo que seja esta a luz da morte?
- É...mas acho que eles não conseguem parar.
- Sim, não conseguiriam nem que quisessem. Poderíamos dizer que é uma poderosa força de atração...poderíamos dizer, talvez, que é uma espécie de gravidade de espírito. E essa gravidade espiritual talvez funciona espelhada na dos astros, ou talvez seja ela a primordial...talvez nem o grande regente saiba qual é a imagem real. O fato é que indivíduos com espíritos grandes, densos e poderosos tem uma certa tendência a atrair outros menores, iguais ou parecidos para perto.
- Sim, eu sei...mas por que isso? Por que não conseguimos nos afastar?
- Os humanos são cegos andando na escuridão da noite, filhote de humano. Mas alguns, de espíritos grandes e densos são poderosos o suficiente para criar uma magia esquisita: eles criam luz dentro de si. E a luz interessa a todos, mas é um vício terrível. Terrível, mas muitas vezes necessário, principalmente para aquelas criaturas que usam a magia da lua. Elas precisam da magia de um sol para refletir sua luz, eles precisam entender e entrar no ciclo de suas fazes, e isso é um trabalho tremendo. Os humanos sobrevivem a escuridão, mas ao ver a luz não conseguem desviar-se dela. Arriscam-se a deixar que a luz os consuma em troca de algum tempo a mais com ela. Os humanos, ao verem as luzes e serem puxados pela gravidade de um espírito denso, criam dentro de si um medo terrível da escuridão, e esvaziam as mentes, e não sabem viver de outra maneira. A luz é um tipo de felicidade e salvação eterna, mas tem seu preço, como tudo. Existem também muitos outros tipos de atrações, as gravidades de espírito são tantas quanto são as diferenças do mundo. Algumas parecem com os buracos negros, e são algo que suga tudo, cujo fim é desconhecido. Outros espíritos poderosos usam um tipo de gravidade reversa, e criam uma luz negra que poucos entendem/enxergam. Essa luz afasta muitos, e poucos são os que a procuram, mas este tipo de luz é no fim das contas tão poderosa quanto as outras. A atração gravitacional de um espírito pelo outro parece ser inevitável, desde que os humanos e seus filhotes desejem não querer ficar sozinhos.
Após alguns instantes de silêncio, o filhote de humano se levantou.
- Já vais, filhote?
- Sim...preciso me suicidar em uma luz...ela está me puxando a algum tempo, e a força contrária de resistência acabou de ceder.