Memórias

A tarde morria para abrigar a noite, o céu alaranjado fogo dizia que a madrugada seria fria. Sentada na varanda ela olhava tudo aquilo saudosa, não sentia o cheiro de terra recém-molhada, a brisa não acariciava sua face e nem mesmo o cheiro de roça invadia suas narinas, mas mesmo assim ela sentia tudo isto bem próximo. Não sabia explicar bem o porquê.

A saia até os joelhos fazia conjunto com a blusa branca de botões, os óculos na ponta do nariz em forma de batatinha estavam embaçados, mas ela ainda conseguia enxergar muito bem. Acariciava a foto com muito carinho, como era bom saber que um dia ele existiu. Respirou profundamente e tornou a olhar o horizonte. Ali da sacada do décimo quinto andar era fácil enxergar ao longe. O céu já estava negro, mas nenhuma estrela era vista, forçou um pouco o olhar e vislumbrou muitas delas, milhares que jamais poderiam ser relatadas e sorriu. Acomodou-se na cadeira e devagar fechou os olhos.

O vento lhe tocou os cabelos brancos, os lábios enrugados e as mãos. Não sentia frio, mas involuntariamente puxou o xale para mais próximo do corpo, encolheu um pouco as pernas se protegendo. A fotografia em seus dedos insistia em ir embora, mas ela a segurava com firmeza. Mantinha-se quieta e além do assobio do vento mais nada era ouvido.

Devagar ele veio e tocou-lhe a face delicadamente, subiu com o dedo e acariciou seus cabelos. A saudade que sentia não poderia ser expressa em palavras. Curvou o corpo sobre ela e devagar a ergueu da cadeira. Por instinto ela aninhou-se em seu pescoço dizendo baixo:

— Ansiei tanto por este dia, que bom que ele chegou.

— Não diga nada querida, poupe-se a viagem será cansativa.

Ao dizer isto uma luz se abriu e ele caminhou devagar, ela voltara a dormir e seu semblante era sereno. A passagem foi tranquila. A foto desvencilhou-se dos dedos cansados e voou até pousar no chão frio. O corpo que guardava aquela alma permaneceu encolhido na cadeira. O vento despenteava os cabelos metodicamente presos no coque, arrancava o xale e levava a saudade para longe.

FIM

Valéria Oliveira
Enviado por Valéria Oliveira em 07/01/2012
Reeditado em 11/01/2012
Código do texto: T3428016
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