SOLIDÃO
Mario chegou do trabalho, exausto e pensativo, pegou uma taça e encheu-a de vinho. Tirou o paletó e a gravata, sentou-se no sofá de sua linda sala, olhou à sua volta e pensou: “Para que tudo isso se dentro de mim existe um enorme vazio?” E começou a devanear enquanto sorvia aquele líquido que parecia libertar a sua alma.
O tempo passou, todos se foram. Lembrou-se do jardim de sua meninice, onde corria com as outras crianças de sua família. Que fim levaram essas pessoas? Alguns, ele sabia, haviam morrido, mas os outros simplesmente evaporaram, sumiram de sua vida. O rancor encheu seus olhos de lágrimas. Por que? Eram tão amigos, tão unidos. Ele não sabia explicar, mas tinha conhecimento de que sua personalidade forte e seu sucesso haviam levado embora os que outrora amara. A inveja, essa era a grande culpada de tudo. Ou a culpa não seria dela e sim dos que se deixaram possuir por tão vil sentimento.
Mas havia aquele primo que o procurara certa vez alegando sentir saudades. Mas em pouco tempo ficou patente que ele só queria tirar dinheiro de Mario. Uma decepção que o marcara de forma tão contundente que ele decidira que, a partir daquele dia, enterraria todos os demais. Se ele não servia para ser amigo, serviria muito menos para sustentar aquele bando de fracassados morais que não souberam aproveitar as muitas chances que a vida lhes dera.
Mas a solidão pesava. As mulheres que passaram em sua vida eram fúteis e ambicionavam o conforto que ele podia proporcionar. Ângela. Com ela fora diferente. Ela era uma mulher inteligente, sem grandes ambições materiais, mas prezava demais a cultura, os estudos, os bons livros, as conversas com os amigos, os grandes do jazz. Mas menosprezava o mundo em que Mario era obrigado, por força do cargo que ocupava na multinacional onde trabalhava, a frequentar. Ah, como Ângela estava certa! Aquelas mulheres vazias, fúteis, usando grifes famosas, perfumadas em excesso e loucas para arrumarem amantes para suprir o mundo vazio em que viviam. E os homens? Esses somente sabiam falar de negócios, lucros, carros do ano, etc. Por que não aceitara a sugestão de Ângela e largara aquele emprego para viver uma vida acadêmica que lhe daria ainda mais prazer. “Será que eu me tornara igual aos meus pares e só visava o conforto dos bens materiais, por medo de passar por privações?”.
Ele só sabia que perdera a única mulher capaz de preencher a imensa solidão em que estava imerso. O cansaço da vida tomara conta dele. Mas sabia que agora era tarde para um recomeço. Aos 45 anos ele recebera a notícia de que estava com um câncer terrível que não era passível de tratamento e que logo o levaria embora dessa vida.
Mario sorveu o último gole, levantou-se e encheu novamente a taça. Sentiu saudades da mãe e do pai. Anita era uma mulher de fibra que levara o casamento nas costas e o educou se baseando na ética e no caráter. Ele aprendeu tudo o que a mãe ensinara. Nunca aceitou propinas, jamais sonegara impostos, odiava falar da vida alheia. Mas estava só. Um homem bonito e de alta posição social, mas que trocaria tudo pelo amor verdadeiro de uma mulher.
Seu pai, quanta saudade sentia desse homem que dedicava todo o tempo livre para passear, levar Mario aos estádios de futebol, jogar bola com ele, levar a família ao cinema semanalmente. Ah, que saudades do senhor Emílio, homem de ascendência estrangeira, mas que tão bem se adaptara à vida no Brasil.
As tias, os tios, todos mortos. Com a morte deles se viu só, pois os primos, amigos de infância e de folguedos, abandonaram-no assim que perceberam que Mario, devido à educação esmerada nos melhores colégios, se tornaria um homem de futuro promissor.
Agora o câncer. Será mesmo verdade que essa doença provem de mágoas e rancores, ou será dos agrotóxicos, ou ainda da poluição? Agora não mais importava a origem do mal. Era chegada a hora! Como tudo o mais em sua vida, também aquela noite fora muito bem pensada e planejada.
Foi ao seu quarto, tomou um banho, vestiu um robe e abriu a mesinha de cabeceira onde pegou dois objetos. Um era uma caderneta de onde retirou uma folha e escreveu nela: SOLIDÃO. O outro era uma pistola automática que imediatamente apontou para sua cabeça e, sem mais delongas, atirou.
Agora não haveria mais dores, nem sofrimentos, nem mágoas, nem solidão, nem saudades. O que estava ali era um corpo inerte sem sentimentos que talvez tivesse em seu funeral a presença dos colegas de trabalho e nenhuma lágrima de pesar!
05 de janeiro de 2012, 00:52 horas