Caffe Bordeaux - Parte 1
21 de Janeiro de 2008, três da tarde. Acordo com a minha barriga roncando, berrando, clamando por comida. Mas o sono ainda quer me dominar, me envolver e tragar para o mundo das idéias imaginárias, das situações imaginárias. Travo uma batalha de meia hora contra essa força bio-gravitacional que tenta me fazer cair no sonho, mas no final eu venço. Levanto e abro a janela. Mais uma vez o tempo tá uma merda. Chovendo em pleno verão. Depois de abrir a janela, vou para a cozinha e peço pra Bernadete, a empregada, que faça um hamburger. Esses antidepressivos me deixam com uma fome... Engordei 13kg desde que comecei a tomar. Mas não é disso que eu vim falar. Quero falar é a causa de eu estar tomando esses antidepressivos. Vamos direto ao ponto.
21 de Dezembro de 2005. Faltava um mês para o meu aniversário. Naquela época a cidade estava toda iluminada, do Palácio Iguaçu até o Palácio Avenida. Era o Natal que estava vindo. O Natal era uma data em que o meu coração fica sempre mais apertado. Sentia a falta da minha mãe, que tinha morrido num acidente na BR-101 quando eu tinha dois anos e um mês, quando nós íamos pra Floripa. Por sorte, meu pai e eu tínhamos sobrevivido. Mas não era disso que eu ia falar. Era sobre o meu aniversário, que estava prestes a chegar. Naquele dia, estávamos eu e meu pai jantando em casa. Isso era coisa rara de se ver, já que a gente jantava fora a maioria das vezes, na maioria das vezes em churrascarias. Meu pai deve estar com o colesterol no Everest por causa disso.
- Rodrigo, Rodrigo... Falta um mês pra você chegar a maioridade!
- É mesmo, pai, tá chegando o dia...
- Pois bem, filho, se prepare, pois você vai ter um presente muito bom!
- Qual, pai...
- Caffe Bordeaux, filho, Caffe Bordeaux!
- Pai, cê tá louco... Me levar no Caffe Bordeaux...
- Filho, é o teu presente de aniversário! Você não vai querer recusar, hein...
- Pai, lá no Caffe Bordeaux só vai tiozinho cheio da grana e a velharada broxa da Assembléia que não tem o que fazer de noite!
- Rodrigo, não pense assim... Vai ser bem legal... Pelo menos vai ter um monte de putas siliconadas pra você perder a virgindade! Seja macho uma vez na vida, filho!
- Tá bom... afff...
Tive que aceitar o “presente”, ainda que a contragosto. O Caffe Bordeaux era o melhor prostíbulo de Curitiba. Lá só iam os grandões da Assembléia, da Câmara de Vereadores e os executivos das multinacionais. Lá só ia quem tivesse o poder, o dinheiro. Tomava-se uísque Johnny Walker e fumava-se charutos cubanos carissímos. Era, como se dizia antigamente, um cabaré.
Pra falar a verdade, eu era um piá bem “sussi”, na minha mesmo. Tinha amigos, é claro, saía com eles, mas eles nunca foram de ir em prostíbulos. Até porque nós éramos menores de idade. Tínhamos dinheiro, mas não podíamos aproveitar. Eu moro no Champagnat, numa daquelas mansões gigantes, com muros gigantes e seguranças por todo o lado. Naquela época, estava cursando Direito na UFPR. Tinha acabado o meu primeiro ano. Era um aluno dedicado, esforçado, CDF. Eu era ávido pelo conteúdo e pelas aulas. Queria fazer carreira como advogado. Ganhar dinheiro, prestígio. O que viesse depois era conseqüência.
Mas alguma coisa de ruim estava acontecendo. Minha vida amorosa estava um marasmo. Tinha terminado com a minha namorada há cinco meses. Depois disso, não peguei ninguém, nem na balada. Terminei com ela para evitar o pior. Melhor dizendo, o pior já tinha acontecido. Ela estava me traindo, mas não contava. O cara era lutador de muay thai, todo batatudo, mas ela não queria terminar comigo. Daí, tive que jogar ela contra a parede. E ela confessou tudo. Mas, traição à parte, tenho que confessar que ela é linda... Cabelos castanhos, lisos, sedosos... olhos verdes, clarinhos, olhos de Capitu... altura mediana, 1m65, sempre andando de salto para aparentar mais... corpo esbelto, robusto, destaque para as coxas, lindas, bem torneadas, e para a bunda, empinada e um pouco maior que o normal... Mas fazer o quê, ela preferiu um cara que toma bomba... Atualmente, ela engravidou do cara, que não quer nem saber dela. Que idiota.
Eu e meu pai preferimos passar o natal com o resto da família aqui em casa. A minha família, os Barros Araújo, são uma das famílias da alta sociedade curitibana. Os que se mais destacam na família são o meu pai, que é dono de uma das maiores fábricas de fogões do Brasil, e três tios meus. Um desses tios é executivo da Heineken, e mora lá na Alemanha. Tinha vindo passar o Natal conosco. Mas eu sempre fui o pobre menino rico, o garotinho mimado da família. Diferentemente dos meus primos, que se divertiam, eu não podia fazer nada, tinha que ficar encastelado dentro de casa. Meu pai colocava limites demais. Não pude aproveitar a minha adolescência, ir nas festas, baladas. Nada, nada. Tinha que ficar restrito ao meu PC. Eu era o contrário da Lolita Pille; se ela era a pobre menina rica porque não tinha limites, eu era o pobre menino rico porque tinha limites demais.
Voltando ao assunto. Os dias foram se passando, passando, passando... Passando monotonamente, bucolicamente, como nas paisagens campestres dos quadros de Van Gogh... Até que chega o dia 21. O dia do meu aniversário. Meu pai não faria nenhuma festa. Era o dia do Caffe Bordeaux.
Naquele dia, eu tinha acordado cedo, não lembro em que horas da manhã. Acordei com o rádio da Bernadete ligado na cozinha, sintonizado na Banda B, que informava: “Nessa madrugada, no bairro Tanguá, em Almirante Tamandaré, um jovem de 20 anos chamado Gladson Tavares foi morto com três tiros. O motivo, segundo a polícia, pode ter sido queima de arquivo, pois ele pode ter sido o cúmplice do assassinato de Keyla Soares, que foi morta no último dia 5. A polícia ainda investiga se o crime pode ter sido por vingança...”. Levantei e não pensei em nenhuma coisa ou mau pressentimento que pudesse ocorrer naquele dia. Tomei um bom café. Depois, fui direto para o PC, para rodar e rodar em busca de informações e conhecimentos que pudessem aprimorar o meu conhecimento. Como ainda estava cedo, ninguém tinha mandado um scrap no meu orkut. Entrei no MSN e uns gatos-pingados estavam online. Todo mundo me desejou um feliz aniversário. Sorte que a minha ex, a Marcela(aquela mesma...) não estava on. Depois fui escutar um pouco de música, de preferência metal, e um bom metal. Fiquei escutando Tristania até eu ficar com fome, quando eram onze e meia da manhã. O Tristania, além de me deixar triste, me deixa com uma fome... Ficar triste é comum, até porque o Tristania é uma banda de gothic metal, mas ficar com fome não. Era totalmente incomum.
Mas, tudo bem. Almocei tranqüilamente com o meu pai.
- Parabéns, filho!
- Muito obrigado, pai! – disse, dando um abraço no meu pai.
- Filho, você sabe muito bem o que você vai fazer hoje...
- Eu sei... é um saco, mas eu sei, eu tenho que ir nessa porra do Caffe Bordeaux... Digo mais uma vez: lá só tem velho broxa da Assembléia e da Câmara de Vereadores...
- Filho! Você vai gostar! Lá tem bastante gente da tua idade!
- Pai, se tivesse gente da minha idade por lá, com certeza já teria ido. Portanto, não me venha com mentiras.
- Filho, confie em mim, você vai gostar... é pra provar a tua masculinidade... Você é homem ou não é...
- Claro que sou! Só vou lá por causa disso: pra provar que eu sou homem!
- Muito bem filho!
Depois do almoço, tirei uma sesta no meu quarto. Não sonhei com nada, nem tive algum pesadelo ou pressentimento. A carne havia me pesado no estômago. Acordei as quatro, com uma vontade alucinada de sentar no trono. Fiquei no troninho por meia hora.
Logo após fui dar uma passeada pela casa, pra ver se eu esquecia um pouco esse “presente” que o meu pai ia dar de noite. Fazia um sol, um belo sol naquele dia. Fiquei sentado na cadeira de praia por meia hora, a bebericar um pouco de Red Bull. Escutava os carros passarem a toda velocidade pela Pe.Agostinho. Carros, carros e mais carros. A civilização ocidental depende deles. O tempo foi se passando, o sol se pondo, e eu saí de lá. Meu pai chegou eram sete da noite.
- Tá pronto pra hoje, filho...
- Tô, pai... – disse, com aquela cara de aborrecido, sem esperança.