Inexoravelmente
Tudo era uma questão de tempo. – Paciência, homem! Paciência... ela há de aparecer! – Dizia-se. E ela não aparecia.
Todo dia, ficava lá, sentado. Ia sempre que terminava o café, urgente e necessário.
Estalava dedo a dedo. Enfiava a mão na jaqueta. Conferia...
Não conseguia deter-se em mais nada. Levava o jornal, assim mesmo. Abria. Folheava. Não atinava. Os tipos dançavam. Fechava o jornal.
– Que horas são?
– Hum?... Ah! Faltam dois para as nove.
– Obrigado!
– Hein?... Ah! Por nada, não.
Levanta-se, atento. Olhos em roda.
– Me dá um café preto!
Volta a sentar-se. Acende um cigarro. Três tragos.
– Vai uma graxa, patrão?
– Olha aí!... Tapioca quentinha! Vai?!
– Sô Zé! Dá uma ajuda pro dicumê dessa criança?...
Podia ouvir, do outro lado, o grande relógio do saguão. Marcava nove e quarenta e cinco. Devia ter uns cinqüenta anos. Lágrimas, encontros e despedidas se marcavam à marcha daquele velho carrilhão, inexoravelmente.
Ouve. Confere.
– Malditos relógios modernos! Atrasado três minutos! Sempre atrasado...
– Me dá um café, aí!
Três tragos.
Calor.
Carrilhão.
Às dez e doze, desalento.
Levanta-se. Retornava pelo mesmo itinerário por que chegava.
Bate o portão. Dez e quarenta e dois.
O vizinho, em cinco anos, já se habituara. Põe fora a cabeça. Pergunta, como de costume, sorrisinho debochado: – Nada?
– Nada! Nada!
E, costumeiro, senta-se no velho sofá puído.
Segura o telegrama amarelecido. A tinta esmaecia, já. Detém-se.
"QUERIDO vg SINTO SAUDADES pt QUERO VOLTAR pt ERREI pt PERDAO int AMANHA vg 9H ESTACAO pt AMOR pt"
Enfia a mão na jaqueta. Acaricia a velha vinte-e-dois. Gira o tambor, duas vezes. Confere.
– Malditos relógios modernos! Um minuto, só, e escapou-me!
Ajusta o maldito. Confere.
– Paciência, homem! Ela há de aparecer, amanhã! Isso! Amanhã...
Assim ficara desde que a mulher o deixara por um outro, operador de máquinas duma manufatureira local.
E pela manhã, urgente e necessário, faltando dois para as nove, chegava, inexoravelmente.
2007, 9 Jan