EXCEÇÃO QUE DEVERIA SER REGRA

Zé Trindade era um sujeito desses que ninguém dispensa prosa. É muito querido nas redondezas e sempre que tem uma festa, Zé Trindade é logo chamado. Não tem má querência com ninguém. É dessas pessoas que está pronta para ajudar, e não precisa ser conhecido não. Basta ele saber que estão precisando, logo ia oferecer ajuda. Dizem que se fosse político, seria logo escolhido. Mas ele dizia que político é coisa muito complicada, além do mais, a fama dos politico não é lá das melhor. Ele mesmo cansou de ver político prometer escola, hospital, estrada e, depois de eleito, nada que as promessas eram cumpridas. E o povo, ele falava, o povo, coitado, é feito de besta. De modo que quando falavam que ele poda ser político, Zé Trindade ficava tão bravo, mas tão bravo, que saia sem falar com ninguém, e sumia por três ou quatro dias e só aparecia quando iam procurar. De modo que Zé, igualzinho seu pai, era bem aceito nas casas da vizinhança. Com ele não tinha nada de “não dá essa hora”, tudo que pediam, ele fazia. Já trabalhou de plantador de soja, de algodão, de feijão. Depois, foi criar galinha e porco. Mas não hora de vende ficava com dó e não vendia, de modo que toda a criação foi morrendo de velhice. Desanimado com as perdas, foi trabalhar de contratador de gente, apontador, nome que eram chamados os boias frias. Também não ficou não. Tinha tanta dó de vê aquela gente trabalhando de sol a sol, sem comida boa, sem cama boa, de modo que não só saiu, como chamou uns homens do ministério. O patrão teve registar, dá moradia digna, comida digna e também cesta básica. Por isso, a fama de homem bom, correu e Zé Trindade, que já era querido, passou a ser tratado como um artista, uma celebridade. Tinha até seis moças que queria casar com ele! Mas, Zé, que não tinha nada de apegado a fama, foi dizendo que “não fiz o que fiz porque sou bom, fiz porque não era certo tratar trabalhador daquele jeito, só isso” E depois daquele dia, Zé, passou a chamar a atenção de gente de outras paragens. Políticos, amigos de fazendeiros, resolveram visitar Zé. Ele que não era mal educado, recebeu cada um, mas a todos dizia que “esse negócio de política, o senhor me desculpe, mas não é pra mim não. O senhor acha que eu tenho coragem de prometer que vou dar hospital, escola, saúde e muitas outras coisas, e depois não cumprir? O senhor acha, me responde com sua sinceridade, que vou falar que vou dar mais segurança, e não cumprir? O senhor, acredita mesmo, que vou mentir dizendo que aquele hospital custou 500 quando, na verdade, custaram 100. Olha, o senhor me desculpe, mas não sei fazer isso não. Meu pai sempre me ensinou que quem pega do outro é ladrão, e eu não sou isso não”. E assim Zé Trindade conduziu sua vida. De ninguém nunca nada quis além da prosa e da companhia. Dizia que o homem mais rico do planeta nada tem se não pode andar de cabeça erguida. Nas questões de religião, falava que a melhor religião é aquela que tem o homem como senhor de si. E que do céu, outra lindeza da natureza, falava que recebíamos o sol, que nos aquecia, a chuva, que dava vida à terra e à lavoura e as estrelas, para que sonhássemos com nossos amores. Vários anos se passou, Zé Trindade já não vive, e na praça da cidade, a pedido do povo, o prefeito, que é filho do Zé, que casara com Mariquinha, mandou construir uma estátua, bem no meio da praça. Então, quem chega àquela pacata cidadezinha, é recebido de braços abertos, por um homem que um dia recusou ser rico para não trair seus princípios e seu povo.