A GRANDE LUTA DE MOURÃO
O nome do nosso herói era José De Assis Moura – que ele sempre pronunciava completo quando se apresentava a alguém, com um sufixo: “um seu criado”! Mas, pelo seu porte físico avantajado e por seu temperamento destemido era chamado por todos de Mourão. Meu avô dizia que ele veio para o sítio ainda jovem em uma carga de algodão para ser desfiado na bulandeira. Não se sabia de onde ele era e nem se tinha familiares, aliás, ele não gostava de falar nisto. Mourão era para tudo: vaqueiro, lavrador, mestre na moagem de cana, entre tantas outras atribuições da vida do campo. Bom laçador, não havia uma lida de gado para ele não estar pelo meio. Chamava a atenção da gurizada, pois sempre que uma rês dava trabalho ele entrava em cena pegando bicho à mão.
Era sempre muito respeitoso, mas quando tomava umas cachaças – o que acontecia invariavelmente nos finais de semana – ninguém ousava tirá-lo a ‘pagode’. Por muitas vezes acabou samba com brigas que sempre terminavam muito mal, para quem se metesse com ele. Logo ganhou fama de valente.
Quando havia festas na cidade a gente se sentia protegido, pois todos sabiam que Mourão estava conosco e quem era besta para se meter com os protegidos dele.
Certa vez, houve uma cantoria de viola lá para as bandas de Várzea de Dentro e Mourão foi sozinho – ele era apaixonado por este tipo de diversão.
Meu avô deixava sempre a sua rede armada no alpendre, pois era lá que ele dormia, apesar de que as suas roupas e os poucos pertences que tinha ficavam em um armazém ao lado da casa de farinha.
Já era madrugada quando fomos acordados por um alvoroço dos cães no terreiro. Meu avô se levantou, foi até lá fora para ver do que se tratava e nós - quatro netos da cidade - também o seguimos. Segurando o candeeiro com uma mão, com a outra o meu avô segurava uma espinguarda que sempre estava munida e ficava num suporte, preso na parede da sala principal – que era onde dormíamos quando pernoitávamos na fazenda.
O que vimos sob a luz daquele candeeiro naquela madrugada escura como breu de tempo chuvoso, me deixou assustado. Já bem próximo ao batente estava estendido no chão o corpo daquele homenzarrão, em farrapos. A roupa rasgada e ensanguentada, marcas de arranhões por todo o seu corpo e de tão bêbado mal podia falar:
- Seu Andrade, eu briguei com o cão hoje!... Foi lá no Alto da Cruz!
Na estrada da cidade até o sítio havia uma ladeira que todos chamavam de Alto da Cruz. Alí foi encontrado há muitos anos um corpo sem vida, cuja procedência ninguém sabia. No local foi erguido um cruzeiro e era tido como mal assombrado.
Meu avô lhe perguntou:
- Que história é essa, homem de Deus?
Mourão:
- Verdade Mestre. Não pode ser desse mundo não. Eu nunca vi brigar daquele jeito. Primeiro me deu uma rasteira e mal eu cai o demônio já estava por cima de mim. A criatura briga com os pés e com as mãos. Nós rolamos de ladeira abaixo lutando e acho que matei o safado de pexeirada.
Meu avô que não acreditava nessas histórias de outro mundo, determinou:
- Arrea os cavalos. Vamos lá ver o que houve!
Mesmo com medo fui de garupa com um primo mais velho. A curiosidade era maior. Chegando próximo – já clareando o dia – a gente pode ver de longe que havia sangue nos pedregulhos e os arbustes destroçados indicavam que de fato houve uma luta por ali. Chegando ao local descemos quase todos ao mesmo tempo e nos espantamos com o que vimos. Dentro do velame, no pé de ladeira, encontrava-se sem vida uma grande porca preta, toda perfurada de pexeira. Aquele suíno era o único vestígio da grande luta de Mourão.