Olhos De Cachorro
Duas e meia da tarde, em frente da casa de um amigo eu estava parado apenas jogando conversa fora. Observando o movimento da rua percebo algumas pessoas enfrente a calçada bebendo todas sentadas em frente a uma casa, o som que saia da mala do carro de algum zé ruela estrondava nos meus ouvidos, era aquela musica infernal. Não tão infernal quanto ouvir funk dentro de um ônibus lutado. Estávamos esperando uns amigos para sair da cidade em direção a uma pedra em cima de uma colina fora da cidade, lá poderíamos fugir de todo o frenesi das festas do final do ano.
Há muitos anos eu aboli festas de fim de ano de minha vida, isso tem sido uma coisa boa para mim. Ficar longe da hipocrisia do fim de ano seria maravilhoso. Mas enquanto esperávamos esses amigos, recebi a notícia que um camarada do meu desafeto subiria a colina também. Puta que pariu, eu não gosto de certos tipos de gente, mas me sociabilizo até bem. Hoje seria a minha prova de fogo. Ficar perto de um safado que detesto até o ultimo fio de cabelo seria foda. Meus pensamentos foram interrompidos pelas risadas do meu amigo que aponta para um cachorro deitado na calçada tentando desviar a minha atenção do momento desagradável que eu teria.
- Olha ali bicho, tu num é escritor? Faz um conto sobre aquele cachorro deitado na calçada!
Apenas dou uma risada de meia boca para ele e continuamos a conversar, mas minha cabeça estava fervendo, é fim de ano caralho, o som do carro está alto, aquele desgraçado está vindo pra cá. Escrever sobre um cachorro era a ultima das minhas preocupações.
Nesse meio tempo vejo a galera caminhando em direção à casa do meu amigo, e no meio deles estava aquele patife. Meu sangue ferveu, será que não vou segurar a onda e sapecar um soco na cara desse miserável? Calma, só preciso respirar, tirar a minha mente desse lugar, tenho que pensar em alguma coisa. O cachorro!
Vou escrever sobre o cachorro, escrever sobre a sorte desse vira lata. Que cachorro de sorte! Ele não tem um pingo de preocupação com festas de final de ano, confraternizações, a falsidade da humanidade, enfermeira que espanca York Shire ou com o especial de natal do Roberto Carlos que passa todo ano na TV.
Qual será o nome desse cachorro? Pode ser pingo, piaba, tupã, leão, baleia, marrom, duque, sei lá! Mas vou chamar ele de fuleiro. Afinal de contas é um vira lata sarnento. Coitado do fuleiro, dormindo tranquilo na calçada tranquilamente e eu o menosprezando chamando ele de sarnento. Sarnento é esse filho da puta que insiste em está em qualquer lugar em que eu esteja.
Quer saber, vou desistir desse programa, vou para casa escrever sobre um cachorro qualquer deitado dormindo numa sombra. Que inveja eu sinto desse cachorro, como eu queria ser como esse cachorro. Esse meu novo amigo de quatro patas me fez lembrar dos elogios da minha mãe ela olhava para mim sorrindo e dizia.
- Você de gente só tem os olhos de cachorro!
Eu achava aquilo muito engraçado, olhos de cachorro, não sei por que eu achava tanta graça no que a minha velha me dizia. Mas hoje eu queria ter mais do que olhos de cachorro, eu queria ser aquele cachorro. Queria ter dentes para morder, dilacerar a carne daquele filho da puta.
Mas eu não sou aquele cachorro, sou a porra de um homem irritado com tudo e todos. Já que não sou o cachorro tenho que encarar meus demônios.
Eu vou subir a colina com a galera, mais essa subida não vai ser nada agradável para esse camarada que tanto detesto.
Já em cima da colina nos preparamos para assar um pedaço de carne para forrar o estomago enquanto conversamos. Nesse meio tempo eu fico maquinando na minha cabeça como infernizar a vida do desgraçado. Acabei lembrando que ele detesta cigarro e para minha sorte eu estava com um charuto no bolso. Sem perder tempo acendo o danado do charuto e procuro a direção do vento, pra minha sorte o vento estava na direção do otário, ele começa a tossir e ficar enjoado. Alguns pingos de chuva começam a cair e começa a espantar parte da galera, o safado é o primeiro a se levantar para ir embora. Quando ele começa a caminha os pingos de chuva param. Alguém começa a dar graças a Deus pela chuva ter parado. Eu com a cara mais cínica do mundo começo a dar graças a Deus a plenos pulmões, não pela chuva ter parado, mas sim por ele ter ido embora. Com os meus gritos de graças a Deus ele entende o meu recado, ele sacou que não era bem vindo não só por mim, mas por toda galera, com exceção de duas ou três pessoas presentes ali.
Acho que no fim das contas eu não sou um cachorro. Cachorro não é um bicho vingativo, cachorro não bola planos maquiavélicos. Talvez eu tenha apenas os olhos de cachorro.