Mitempo

MITEMPO

Não havia manhãs. Também não havia noites, nem ventos, nem chuva. Sem o rubror do céu, tudo era cinzento como num entardecer perpétuo. E tampouco havia sombras, porque a sonolenta luz vinha de todos, e de nenhum lugar.

Uma estagnação completa pairava em todos os recantos, em todos os horizontes. Nem as folhas nos milharais balançavam, o mínimo que fosse. As folhagens não faziam ruídos, os passarinhos não cantavam. Não se ouvia nada, porque nada havia para ser ouvido. O silêncio era total e reinava absoluto como em nenhum outro lugar do universo.

Também as cores, de tão apagadas, quase não existiam. Não eram realmente verdes as árvores e as montanhas. Nem o céu e a plumagem dos pássaros eram azuis. O sangue não era vermelho, como também não era amarelo a cor das bananas maduras e das flores. E nenhuma cor era de verdade, diferente de outra cor. Porque todas eram acinzentadas. Até o arco-íris parecia empoeirado.

As águas deitadas nos córregos, dormiam em seus leitos, não deslizavam pelas pedras, não desfilavam para os bambuais imóveis às suas margens. Nem a água do mar fazia onda e espuma.

Nenhum peixe nadava, pois todos os bichos, desde a minhoca até o condor, da baleia à corruira, estavam profundamente adormecidos.

Também as plantas, como o trigo, a cana e a avenca, dormiam o sono das pedras. Nenhuma delas crescia ou morria. E não exalavam cheiro algum, nem flor, nem folha, porque nada tinha cheiro.

Todos os seres dormiam pesadamente, longe de qualquer movimento. E tudo, tudo, permanecia assim, sem passado, sem futuro. E nada, nada, se movia, porque não existia o Tempo.

Até que vindo das entranhas da terra, abrindo uma fenda no colo de uma montanha, nasceu sozinho, por si próprio, o Tempo.

Não tinha corpo, nem nunca teve. Só um par de olhos atentos como os da coruja e uma boca igual à do leão.

O Tempo nunca teve tamanho certo. Podia ser enorme, como as cordilheiras, ou pequeno como um cisco, ou uma pulga . Quando surgiu, muito estranhou o mundo. Não achava graça nem entendia nada. Ninguém festejou sua chegada, nem lhe sentiram a presença.

Começou a notar que sempre, tudo era igual a sempre. Foi ficando triste, e seus grandes olhos começaram a doer. Doeram tanto, dores tão intensas e agudas, que não suportando mais, precipitou em copioso choro de altos gritos e soluços. Chorou, chorou, chorou...

Quase de imediato, e com tamanha surpresa, percebeu, ali onde se encontrava no sopé do morro, que seu intenso choro e as lágrimas que caiam, movimentou à sua frente o ar, que em ondas, chacoalharam as folhas de uns pequenos arbustos nas proximidades, que exalaram um suave perfume, que despertou, insetos, gafanhotos, passarinhos, que começaram a cantar, acordando bichos que uivaram tão alto, que movimentaram as nuvens, que pintaram de azul o céu, e fizeram cair águas , que despertaram os rios, que correram até o mar, que bateu nas pedras formando ondas, espuma e barulho, fazendo acordar os peixes, as aves longínquas e os grandes animais, que começaram a caçar, e a fugir, e a cheirar o cheiro forte e erótico da terra molhada pela chuva, que lhes excitou o desejo onde se reproduzirem. E a união desses corpos criou o calor, que acendeu o Sol, que fez o dia, que fez as cores. Que fez a vida, que fez a morte, que fez a vida, que fez a mor...

leo colosso
Enviado por leo colosso em 21/12/2011
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