Mais do que um livro.
"O ar estava demasiado frio. Será que alguma janela havia sido deixada aberta por descuido?", eu li o trecho pela vigésima quinta vez. Reli bem devagar cada palavra. Eu sabia de cor cada sílaba das 734 páginas, e por vezes me via no lugar de André, outras vezes como Cecília, e raramente como o carteiro Severino.
Poucos sabem como é poder entrar de cabeça num livro. Ora ajudar Poirot a desvendar o caso das latas de batatas, ou consolar o Selvagem a não tomar as porções de soma como Bernard recomendara. Ser como Antônio José Bolivar, o velho que lia romances de amor no meio da Amazônia, sonhando como seriam as gôndolas de Veneza. Ser leitor, personagem. Sumir em cada vírgula só para não chegar ao fim. O trágico ponto final do FIM.
Dessa vez eu era André. Então eu abri a porta do quarto de Cecília. De modo que um pouco de luz adentrou ao recinto, dando à vista os seus ursos de pelúcia, dois que ganhei para ela no parque de diversões.
Eu não a acordei. Como diria "adeus"? E se Cecília chorasse? Eu não suportaria!
Rapidamente saí de seu quarto, fechei a porta e desci as escadas. Mal senti o chão debaixo dos pés.
Peguei as malas, mas vacilei quando ouvi um baque. Virei-me.
- Papai? - Cecília me chamou, segurando o corrimão e de cabelos desgrenhados.
- Volta a dormir, meu amor...
Eu não disse adeus, mas no fundo ela sabia que eu não voltaria.
[ Fechei o livro, mas ainda não era o fim].