Pai e Filho

O tempo estava muito abafado naquele dia e mesmo chovendo o clima estava quente. Álvaro dirigia seu carro às presas para chegar ao hospital, pois haviam ligado dizendo que sua esposa estava internada para dar a luz. Ele ficou desesperado porque ela ainda não havia completado os nove meses. Alguma coisa estava errada.

Ele quase bateu o carro algumas vezes no caminho para o hospital, mas por fim, conseguiu chegar e seguiu correndo até a recepção onde uma enfermeira o guiou até onde estavam os pais dela e o médico.

- Como ela está? – perguntou Álvaro desesperado, olhando para o médico e para os pais dela que estavam sentados em um sofá de mãos dadas e com lagrimas nos olhos. Antes que o médico respondesse seus próprios olhos também se encheram de lagrimas.

- Ela esta bem. – disse o médico – foi um parto difícil devido ao fato do bebê ser prematuro, mas a mãe esta bem.

Álvaro respirou fundo e conseguiu controlar as lagrimas, porém instintivamente ele sabia que alguma coisa ainda estava errada.

- E meu filho doutor? Como ele esta?

O médico pôs uma das mãos no ombro de Álvaro e com o maior cuidado que podia disse: - Seu filho além de nascer prematuro tem um defeito congênito no coração que não havia sido diagnosticado. Nós estamos fazendo tudo que podemos por ele, porém ele esta em coma na UTI neonatal e nós não sabemos se ele irá sobreviver. Sinto muito.

Álvaro não conseguiu erguer a cabeça para encarar o médico. Ele ficou olhando para o chão enquanto as lagrimas saiam de seus olhos.

Algum tempo depois Álvaro foi ver sua esposa. Os dois choraram juntos e se confortaram um ao outro. Ela acreditava em um milagre e ele também queria acreditar, mas era difícil. Depois de um tempo a esposa adormeceu por causa dos anestésicos e ele pediu ao médico para ver seu filho.

Depois de colocar as roupas esterilizadas e a mascara, ele foi levado para a UTI neonatal. O bebê estava dentro de uma incubadora ligado a vários fios e tubos. Ver aquela cena fez Álvaro começar a chorar novamente. Desde o momento em que o médico havia lhe falado sobre o filho, ele ficava se perguntando por que aquilo estava acontecendo com eles. Não era justo. Ele não se conformava com aquilo.

Uma enfermeira lhe mostrou o lugar na incubadora por onde ele poderia tocar o bebê. Ela disse que ele deveria ser breve e ele pediu para ficar um pouco a sós com o filho.

Álvaro colocou a mão com a luva, através do buraco na incubadora e pela primeira vez pode tocar seu filho. Ele sentia a respiração fraca e sofrida do bebê e seus olhos se encheram de lagrimas novamente. Eles as secou com a outra mão e ficou por alguns instantes apenas olhando. Sua mente de repente ficou vazia. Ele não sentia mais nada daquilo que estava sentindo antes de chegar até ali. Sua raiva pela situação, seu sentimento de injustiça, tudo havia desaparecido e dado lugar a um sentimento muito maior, muito mais forte e que ele nunca havia sentido antes daquela maneira. Amor. Sua mente e seu corpo foram tocados por um amor incomensurável. Indescritível. Ao ver e sentir o filho ali na sua frente, saber que aquela pequena pessoa dependia única e exclusivamente dele. Ele deixou todas as angustias de lado e se colocou da forma mais humilde possível a pedir a Deus que levasse ele ao invés do filho, ou que trocasse o coração dele pelo coração com defeito do filho. Tudo que ele poderia oferecer em troca a Deus era seu amor por aquela criança e esperava que isso bastasse para Ele. Álvaro abaixou a cabeça e pediu com toda força que tinha para que seu filho sobrevivesse, era só o que ele queria. Nesse momento Álvaro que estava de olhos fechados sentiu um toque em sua mão e começou a ouvir algo como se fosse um choro, mas era muito fraco. Ele levantou a cabeça e viu que o toque que ele havia sentido na mão era a pequena mãozinha de seu filho que estava agora em cima da sua e sua pequena boquinha fazendo um esforço tremendo para chorar. Álvaro começou a chorar e a gritar pelos médicos.

Já haviam se passado 20 anos desde que Álvaro havia visto seu filho pela primeira vez.

Um milagre disseram os médicos. O problema no coração da criança havia simplesmente desaparecido. Não havia explicação para aquilo.

O tempo passou e nesse período pai e filho sempre foram mais do que pai e filho. Eles eram amigos e muitas vezes pareciam-se mais com irmãos. Torciam pelo mesmo time, assistiam filmes sempre juntos, jogavam vídeo game juntos o pai sempre ia ver as partidas de futebol do filho, eles estavam sempre juntos.

Álvaro não havia ido trabalhar naquele dia, ele ia tirar o dia de folga para sair com a esposa na parte da manhã e eles iriam se encontrar com o filho no final da tarde quando ele saísse da faculdade para irem ao cinema.

Álvaro sempre acordava por volta da 06h30 da manhã, mas naquela manhã ele resolveu acordar um pouco mais tarde e sendo assim, não tomaram o café da manhã todos juntos como era de costume.

Era quase 08h00 quando Álvaro se levantou da cama para ir ao banheiro. Sua esposa já estava acordada e o viu passar pelo corredor. Alguns minutos depois ela ouviu um barulho alto de alguma coisa caindo no banheiro. Ela chamou pelo marido, mas ele não respondia então ela correu até lá e viu que ele estava desmaiado ao chão com uma das mãos no peito.

A ambulância chegou em poucos minutos e levaram Álvaro para o hospital. A mãe estava tentando falar com o filho desde quando encontrou o marido desmaiado, mas não conseguia, o telefone só chamava.

Assim que chegou ao hospital Álvaro foi levado para a UTI e enquanto a mãe esperava seu telefone tocou. Era o numero do filho.

- Filho o que aconteceu com você, eu estou tentando te ligar e o seu telefone só chama. Onde você esta?

- Me desculpe senhora . – disse uma voz que não lembrava em nada a voz do filho – meu nome é doutor Antônio e estou ligando para dizer que hoje cedo houve um acidente e seu filho esta internado no hospital. A senhora esta me ouvindo?

A mulher teve uma queda de pressão e quase desmaiou, porém ela juntou forças para se manter de pé.

O filho havia saído para ir para a faculdade naquele dia e tudo estava bem até que em certo ponto de uma avenida um carro que vinha na pista contraria perdeu a direção, atravessou o canteiro central e acertou em cheio o carro do rapaz deixando ele muito ferido, o que ele não imaginava e que no mesmo momento que isso estava acontecendo com ele, a mais de dez km dali, o pai sentiu a mesma dor e assim como o garoto ele teve uma parada cardíaca.

Depois de alguns dias no hospital os dois se recuperaram e o pai se lembrou daquele momento muitos anos atrás, no qual ele havia pedido para que Deus trocasse seu coração pelo do filho para que o menino sobrevivesse. Ele entendeu que seu coração também era o coração do filho e que se acontecesse alguma coisa ao rapaz ele também seria afetado. Depois de recuperados do susto eles voltaram para casa e seguiram com suas vidas.

O menino se tornou um homem. Ele se formou na faculdade, conseguiu um bom emprego e alguns anos depois se casou e teve seus próprios filhos. Agora ele entendia o amor que seu pai sentia por ele, pois agora era o mesmo amor que ele sentia por seus filhos.

E agora o pai era avô, e ele ficou muito feliz com isso. Ele amava os netos como amava o filho e todos eram muito felizes.

Muitos anos depois em uma noite estrelada e sem nuvens, o avô se deitou para dormir e antes de fechar os olhos ele ficou pensando em como a vida havia sido boa com ele. Que apesar de todas as dificuldades que passaram no decorrer da vida eles haviam conseguido superar todas e permanecer como uma família unida. Ele não tinha arrependimentos e sabia que seu filho seria um pai de família responsável e amável. Ele estava feliz. Deu boa noite para a esposa e fechou os olhos. Na manhã seguinte, em seu rosto havia um sorriso sereno. Ele partiu em paz.

Igor Martins
Enviado por Igor Martins em 13/12/2011
Código do texto: T3387582
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