UM DEDO DE PROSA – Parte 2/3

 
     Óia só, Etelvina. Num tem um só mosquito na rua. Tá d’ocê andá pelado no meio da rua e ninguém te vê. Eita currutela de merda, sô! Também ‘cê dá dois passos e atravessa a vila de ponta a ponta! Tirando as duas ruas que cruzam com essa daqui, só sobra ela mesmo, com um minguado de casa dum lado e doutro. Sem contá o poeirão quando venta ou quando passa um caminhão. Aliás ta no tempo deles passá mais amiúde. É época de pesca. Ocê vai vê só o furdunço que vai virá isso aqui! Os “boyzinho” que passam por aqui, param no Bar do Tonho e começam a fazê arruaça, como se fossem os dono da vila. São uns mofina que mal se aguentam em pé e vêm fazê arruaça por aqui. Lembra daquela vez, Etelvina, que um desses rapazolas tava arrotando valentia, disse que fazia e desfazia. Abusou tanto que eu dei um tapa no pé do ouvido dele que ele desabou igualzinho uma jaca que cai do pé. Na hora até eu fiquei cismado. Pronto, pensei eu, matei o sujeito sem necessidade. Voltei a mim quando dois amigo dele resolveram puxar da pexeira pra tirar satisfação comigo, foi quando eu saquei o trêis-oitão e esfreguei na cara dos merdinhas. Eles ficaram tão fininho que quase sumiram. Tremiam mais que vara verde. Recolheram o amigo, ainda tonto da bordoada que dei, porque quando eu bato, bato com gosto, e olha que havia sido uma chapada muito bem dada no ouvido que deve de ta zunindo até hoje... Pegaram esse amigo deles meio que trocando as pernas e sumiram na braqueara, que nunca mais apareceram por aqui. Eita diacho de gente mais froxa, sô! Basta falá um pouquinho mais alto que eles tremem todo na base... Que é Etelvina? Eu sei que já contei esse história umas par de vez, mas quis contá de novo, ora essa. O que é que tem? E vamo parando com a mangação que ‘cê já vai vê quem é que ta gagá... ‘Telvina, ‘Telvina!... toma tipo... Mas... aquele que ta vindo ali, não é Seu João das melancia? Pois é ele sim e acho que tá vindo pra cá. Vai sê bom dá um dedo de prosa com ele. Vamo vê que novidade ele tem pra me contá. Anda Etelvina, prepara uma daquelas merenda com café, que só você sabe fazê e traz aqui pra nóis.

            Pois é, Seu João, então o senhor teve na cidade grande tratando da saúde. Sorte que num teve nada grave, hein? Agora, eu é que num faço esses tais de exames aí não. E queria vê um desses doutô vir com esse papo de exame de toque de não-sei-o-quê, com luvinha, se engraçando pro meu lado... Ele ia era receber uma bordoada muito que bem dada no escutado de novela, que ia aprender que com homem de verdade num se brinca. Calma, Seu João. Num quis dizê que o Senhor num é homem. Só quis mostrá qu’esse pessoal é um pouco abusado. E tem mais: além de abusado, uns frouxos. Olhe, Seu João, homem assim como nóis, hoje em dia... ta difícil. Quanto mais gente vai nascendo, mais mole vão ficando. Parece que a valentia vai se esgotado, se dividindo entre as crias. Daqui a pouco, ta todo mundo escamoteando a mão, cheios de não-me-toque, com gosto duvidoso... sei não! Talvez se a gente desse uma surra de sarrafo em cada um deles salvasse o homem de sumir da face da terra. Eita seu João, que cabra macho mesmo, desde Lampião, esse mundo tem visto poucos... e igual a esse, só mesmo Sargento Getúlio... esse sim, um sergipano cabra macho que só a peste. Escute só, Seu João, pro senhor tê uma idéia de quantas anda a macheza do mundo, estur’dia em viagem de visita a cumpadre Dantas, pro sul do Estado, já fazia bem uns dez dias que tava por lá, caçando, pescando... Óia, Seu João, que lá dá cada piau... Peixe lá, que a gente tira d’água e dá menos de palmo e meio, a gene devolve pro rio. Êh, vida boa, ele me mostrando as roças, os gados dele... bons dias aqueles. Entrementes isso, vez ou outra, aquela fugidinha pro bordel da Cidinha. E cá entre nóis, e que Etelvina não escute, que piteuzinho tinha por lá. Era d’ocê chegar e num querê  mais sair... mas o que eu tava dizendo mesmo? Ah, sim... A gente foi convidado pra ir a festa de Seu Onofre, um vizinho de compadre Dantas. Lá fomos nós, com Comadre Orozina levando Jandira, uma criada, pra ajudar a olhar os menino que armaram o maior berreiro porque também queriam ir. Como não era muito longo, era costume as pessoas irem a essas festas a pé mesmo. E ficamos por ali festejando, conheci Seu Onofre, cabra bom de papo, e ora ou outra tirava uma dama pra dançá. Lá pelas tantas, quando a festa tava ficando boa, Comadre Orozina, veio chamá pra ir embora. Como eu era convidado e estava posando na casa deles, num quis fazê desfeita e meio que a contra-gosto aceitei a convocação de retirada. Aproveitando a viagem pra fazer companhia um pro outro, vinha com a gente mais duas outras família, também vizinhas. O agrupamento vinha naquele passo marcado, com as mulheres naquele falatório, pá-pá-pá pá-pá-pá pá-pá-pá, um menino chora dali, outro grita dacolá, eu e Dantas um pouco mais atrás proseando e fumando um cigarrinho de palha. A certa altura, a meio caminho andado, de repente o pessoal da frente estancô, as mulherada parô de falá e os menino ficaram tudo de olho arregalado. Por um momento, eu e cumpadre Dantas ficamo sem entendê o que é que tava acontecendo. Dali a pouco, a cerca de bem uns trinta metros da estrada começa a se erguer um vulto branco no meio de uns arbustos e vindo daquela visage um gemido lamurioso: uuuh!; e aquela alma penada balançando ali na nossa frente... rapaz, foi como se desse um tiro no meio duma boiada. Foi aquele estouro com gente gritando e correndo pra tudo que é lado, umas correndo pelas estrada de volta, outras pelo mato mesmo, arrebentando embira no peito, que nem espinho capa-bode rasgando as carne conseguia segurá. Compadre Dantas fez menção de correr, eu segurei ele pelo braço: ô cumpadre, ‘ce tá com medo de uma assombraçãozinha de nada. Seja homem sô! Com muito custo consegui segurar o danado. Saquei do treis-oitão e disse: “Ora diacho, se tu ainda num foi pros inferno, ‘cê achou um cabra que vai te mandar direto pra lá”. Descarreguei o cuspidô de fogo enriba da visage, que foi na horinha que aquilo sumiu. “Já vai tarde sobra do capeta”. Pegamo a lanterna e fomo vê de perto. Chegamo lá, só tava o lençol que a assombração deixô pra trás. A alma penada já devia de ta nos quintos dos infernos. Queria pegar os restos do danado, mas Dantas ponderou que com coisa do outro mundo era melhor não abusar. Olhando ao de redor, perto do tronco de uma árvore, vi vestígio de sangue. E ainda dizem que assombração num tem sangue, pois sim... Tava lá a prova! Sei que no dia seguinte, só se falava na tal assombração e de como eu, Olímpio Barbosa, havia lidado com a dita cuja. Só que não tive muito tempo pra saboreá a minha glória. Logo depois do almoço eu já tava de viagem de volta pra cá. Mas foi bom ter passado uns tempos em companhia de compadre Dantas... Mas e essa merenda de Etelvina que num chega. Ô Etelvina... esse café sai ou não sai?! Mas, continuando Seu João, o senhor não acha que antigamente, no nosso tempo, as coisas era melhó resolvida. Hoje ‘cê faz acordo com sujeito aqui, ele dá um sorrisinho besta, ‘cê pensa que ta tudo bem, quando é fé ‘cê ta recebendo carta de doutor juiz chamando pra dar explicação, passando por cima de palavra dada por sujeito de honra. É o fim do mundo. É por isso que eu digo, Seu João, esse mundo ta virado de cabeça pra baixo... Ôôô... Olha aí, Seu João, demorou mas chegou o cafezinho. Ma rapaz, que cheirinho bom de café feito na hora... Experimente também esses biscoitos que é uma gostosura. Etelvina faz uns biscoitinho de dá inveja a muitas cozinheira por aí.
 

Walter Peixoto
Enviado por Walter Peixoto em 10/12/2011
Reeditado em 25/04/2017
Código do texto: T3382097
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