UM DEDO DE PROSA – Parte 1/3
Rapaz, eu ainda num sei dizê se essa tal de aposentadoria pode fazê bem ou mal prum home de verdade. Espie só, Teobaldo, seu, Olímpio Barbosa, nortista, filho de Dionísio Barbosa, acostumado desde menino a ta na lida, de repente, ficá sem fazê nada. É o fim do mundo. Se por causa desse ferimento no pé, eu já to três dias enfiado dentro de casa e to a ponto de ficá doido, imagine só eu aposentado! É uma gastura que dá, uma sonolência, e esse mormaço... não, num sei se ia agüenta. Num guento mais ficá quieto não, sô! Ficá em casa o dia inteiro, só serve pra gente brigá com a muié. Olhe só Teobaldo: só pórque eu comecei a capiná o quintal aqui no fundo de casa, já tive que ouvir um falatório danado da mulhé, que num acabava mais, só parou quando deixei a empreitada de lado. Na hora eu fiquei foi nervoso e quase que dei umas bifa nela. O que seria uma judiação, pois bem que ela tinha razão. Vai que eu zango o pé de novo e complica ainda mais. Pois sim, eu tenho é sorte de tê uma muié danada de boa assim, rapaz. Já te contei, Teobaldo, que pouco antes da gente se casá, peguei uma maleita, um diabo de uma terçã maldita, que quase passo dessa pra melhó? Pois é, nessa época a danada enfrentou pai e mãe pra ficá do meu lado, ali na beira da cama, cuidando de mim. Danada de muié, rapaz! Só arredou pé, quando melhorei de vez. Ô Cumpadre, ‘cê já vai? É cedo, hoje é domingo, é dia mesmo de descanso. Eu é que to de proibição de doutô de trabalhá e fico enchendo sua cachola por causa da minha agonia... Tá bom cumpadre, eu sei que ocê tem lá suas coisas pra fazê, mas antes d’ocê ir, vamo tomá mais um cafezinho. Ô Etelvina... traz aí um cafezinho pro cumpadre que ele já tá querendo ir embora. E arruma um pouco daquele doce de manga pr’ele levá pros menino dele, que ta uma gostosura. Ah, eu quando menino, não tinha coisa melhó que um doce de manga bem feito. A gente saía aí pr’esses matos e pomar dos outros, lá pros lados do Seu Joaquim, pegando manga escondido. De vez em quando, a gente era descoberto, e era uma carreira só, com a cachorrada em cima, acompanhada de tiro de sal grosso nos de trás. A gente ficava todo arranhado do capim-navalha, com os pé todo furado de espinho. Outras veis, a gente tinha sucesso em nossa empreitada. Chegava em casa carregado de manga e minha mãe que se virasse em transformá aquilo tudo em doce... Apesar dos tiros de sal grosso nos fundilhos de vez em quando, a gente não desistia. Acho até que a gente fazia tudo aquilo, tudo mais pela farra de moleque do que pelo doce... bons tempos, cumpadre; que não vão voltá jamais. Quem viveu, viveu, quem não viveu, que chore por nunca ter roubado uma fruta no pomar vizinho... também a gente abusava. Não deixava passá oportunidade de fazê daninheza. Me lembro uma vez, ainda molecote, de dez, onze anos, juntamos eu e a turminha de miolo mole, entremo num quintal duns vizinho que tavam viajando, entremo na casa, e olhe, num faltou aprontá nada dentro daquela casa. A gente espalhou tudo pela casa, pintô e bordô. Até merda a gente assou no fogão, às custas de querosene que a gente tirou de uma lamparina. Por pouco num pusemos fogo na casa. Mais tarde, quando a arte veio à tona, a culpa caiu nus ciganos que haviam passado a poucos dias pela vila. Nem minha mãe ligo o fato a mim, que naquele dia cheguei em casa com as sombrancelha e pestana chamuscado por haver soprado o fogo do querozene dentro de uma latinha de massa de tomate. Por isso é que eu digo: menino sadio faz arte mesmo. É da natureza do bichinho. Ô cumpadre, ‘cê vai mesmo? Então dê lembranças à comadre e aos afilhados. Apareça semana que vem, compadre, mas venham todos pra gente prozear.
Etelvina... Ô Etelvina... Que diacho, mulhé, onde é que ‘cê tava que eu to aqui me esgoelando de tanto te chamá e ocê num vem. Se eu tivesse tendo um troço aqui já tinha morrido, sozinho aqui sem ninguém... E ta reclamando de quê, num precisa fazê essa cara... ‘Telvina, ‘Telvina!... Tu toma tipo muié! Vamo, pega de lá nessa banco, vamo pô lá fora que eu quero vê o movimento na rua. Assim pelo menos eu me distraio, e o tempo passa logo.
Rapaz, eu ainda num sei dizê se essa tal de aposentadoria pode fazê bem ou mal prum home de verdade. Espie só, Teobaldo, seu, Olímpio Barbosa, nortista, filho de Dionísio Barbosa, acostumado desde menino a ta na lida, de repente, ficá sem fazê nada. É o fim do mundo. Se por causa desse ferimento no pé, eu já to três dias enfiado dentro de casa e to a ponto de ficá doido, imagine só eu aposentado! É uma gastura que dá, uma sonolência, e esse mormaço... não, num sei se ia agüenta. Num guento mais ficá quieto não, sô! Ficá em casa o dia inteiro, só serve pra gente brigá com a muié. Olhe só Teobaldo: só pórque eu comecei a capiná o quintal aqui no fundo de casa, já tive que ouvir um falatório danado da mulhé, que num acabava mais, só parou quando deixei a empreitada de lado. Na hora eu fiquei foi nervoso e quase que dei umas bifa nela. O que seria uma judiação, pois bem que ela tinha razão. Vai que eu zango o pé de novo e complica ainda mais. Pois sim, eu tenho é sorte de tê uma muié danada de boa assim, rapaz. Já te contei, Teobaldo, que pouco antes da gente se casá, peguei uma maleita, um diabo de uma terçã maldita, que quase passo dessa pra melhó? Pois é, nessa época a danada enfrentou pai e mãe pra ficá do meu lado, ali na beira da cama, cuidando de mim. Danada de muié, rapaz! Só arredou pé, quando melhorei de vez. Ô Cumpadre, ‘cê já vai? É cedo, hoje é domingo, é dia mesmo de descanso. Eu é que to de proibição de doutô de trabalhá e fico enchendo sua cachola por causa da minha agonia... Tá bom cumpadre, eu sei que ocê tem lá suas coisas pra fazê, mas antes d’ocê ir, vamo tomá mais um cafezinho. Ô Etelvina... traz aí um cafezinho pro cumpadre que ele já tá querendo ir embora. E arruma um pouco daquele doce de manga pr’ele levá pros menino dele, que ta uma gostosura. Ah, eu quando menino, não tinha coisa melhó que um doce de manga bem feito. A gente saía aí pr’esses matos e pomar dos outros, lá pros lados do Seu Joaquim, pegando manga escondido. De vez em quando, a gente era descoberto, e era uma carreira só, com a cachorrada em cima, acompanhada de tiro de sal grosso nos de trás. A gente ficava todo arranhado do capim-navalha, com os pé todo furado de espinho. Outras veis, a gente tinha sucesso em nossa empreitada. Chegava em casa carregado de manga e minha mãe que se virasse em transformá aquilo tudo em doce... Apesar dos tiros de sal grosso nos fundilhos de vez em quando, a gente não desistia. Acho até que a gente fazia tudo aquilo, tudo mais pela farra de moleque do que pelo doce... bons tempos, cumpadre; que não vão voltá jamais. Quem viveu, viveu, quem não viveu, que chore por nunca ter roubado uma fruta no pomar vizinho... também a gente abusava. Não deixava passá oportunidade de fazê daninheza. Me lembro uma vez, ainda molecote, de dez, onze anos, juntamos eu e a turminha de miolo mole, entremo num quintal duns vizinho que tavam viajando, entremo na casa, e olhe, num faltou aprontá nada dentro daquela casa. A gente espalhou tudo pela casa, pintô e bordô. Até merda a gente assou no fogão, às custas de querosene que a gente tirou de uma lamparina. Por pouco num pusemos fogo na casa. Mais tarde, quando a arte veio à tona, a culpa caiu nus ciganos que haviam passado a poucos dias pela vila. Nem minha mãe ligo o fato a mim, que naquele dia cheguei em casa com as sombrancelha e pestana chamuscado por haver soprado o fogo do querozene dentro de uma latinha de massa de tomate. Por isso é que eu digo: menino sadio faz arte mesmo. É da natureza do bichinho. Ô cumpadre, ‘cê vai mesmo? Então dê lembranças à comadre e aos afilhados. Apareça semana que vem, compadre, mas venham todos pra gente prozear.
Etelvina... Ô Etelvina... Que diacho, mulhé, onde é que ‘cê tava que eu to aqui me esgoelando de tanto te chamá e ocê num vem. Se eu tivesse tendo um troço aqui já tinha morrido, sozinho aqui sem ninguém... E ta reclamando de quê, num precisa fazê essa cara... ‘Telvina, ‘Telvina!... Tu toma tipo muié! Vamo, pega de lá nessa banco, vamo pô lá fora que eu quero vê o movimento na rua. Assim pelo menos eu me distraio, e o tempo passa logo.