Ele não gosta de trabalhar
Nunca gostou de trabalhar, meu pai era assim, um vagabundo, assim meu tio falava na cara de minha mãe. Só não encarava meu pai com esse tipo de palavra, porque nunca vi uma pessoa ignorante estúpida como meu pai quando era contrariado. Criava um desconforto na gente, não era bom ver alguém falar assim de nosso pai.
A cidade toda falava. A gente já vivia triste com isso. Só andava de cabeça baixa humilhado com tanta gente se metendo. Todos mandavam minha mãe separar dele, principalmente meu tio Dete, que era quem fazia as compras da semana e acabava tudo antes da quarta feira. E meu pai levava toda culpa. Cada vez que meu pai entrava na cozinha e pegava uma coisa pra comer, meu tio assobiava igual um bem-te-vi. Eu já me constrangia todo com isso. Meu pai que não era besta nem nada, já sabia que ele estava reclamando e só pra pirraçar comia igual um porco, não tinha comida que chegava pra ele. E quando não estava em casa ficava no bar seu Ananias enchendo o rabo de cachaça. Um dia meu tio arrumou um trabalho pra ele de ajudante numa lanchonete. Deu até briga, disse que não precisava de ninguém cuidando da vida dele. E que isso não era respeito. Que nunca se rebaixaria servindo essa gente besta daqui da cidade que pensa que é melhor do que ele. Ele usava sempre esse argumento quando sua vida boa estava em risco. Quem ninguém era melhor do que ele.
Minha mãe ficou orgulhosa de meu pai, de saber defender tanto seus pontos de vista. Foi lá e ainda falou outras poucas e boas pra meu tio Dete e pela primeira vez jogou na cara que os tijolos da casa quem comprou foi ela com dinheiro que trouxe de salvador e que tinha todo direito do homem dela ficar lá sem pagar nada. O tio enfiou o rabo entre as penas. Mesmo assim não parou de falar do desaforo que era sustenta um tipinho que não queria nada da vida, um pilantra aproveitador, que não tinha idade pra ter filho daquele tamanho...
E minha mãe não suportava esse assunto de separação. Quem queria ver ela braba era falar desse assunto. Dizia que não dava pra fazer isso, onde que é que ela ia achar outro homem, ainda mais um bonito? Pensa que não vejo o sofrimento dessas mulheres daqui da rua. Quando consegue uma coisinha é escondido porque é feio demais. Quem quiser falar que fale, se eu to ligando, o que importa é que quando chega a noite eu tenho o que fazer. Não vou virar a cara pra parede me encobrindo do mundo. Minha vó, que já não precisava mais homem dizia e homem era igual capim, todo lugar tinha, ainda mais igual aquele dela que só dava trabalho envergonhava toda família. Você tão bonita, Zelita e não se valoriza, minha filha. Porque não larga ele. Tenho certeza que Carlos Tatu vai te querer na hora que saber. É só contar e ele vem bater aqui. Ele nunca te esqueceu. Vive me perguntando de você. Agora até carro ele tem, ainda o sitio tem cheio de vaca leiteira. Não um pé rapado como seu, pode te dar um conforto. Entrava num ouvido e saia no outro. Mãe, acha que vou trocar meu marido pelo Carlos Tatu, um frangalho de homem daquele? Naquele tempo eu não sabia o que era um homem.
Isso não abalava em nada meu pai, que desde de moço sempre gostou de vida boa, dizia que até tinha vontade de procurar algo pra fazer, mas quando pensava melhor não via vantagem alguma. Que só ia desgastar seus sentimentos. Aqui não paga bem, essa merreca não serve pra nada. Prefiro assim cuidando de minhas coisas. A gente ouvia aquilo e achava até bonito um homem falar assim. A maioria dava graças a deus quando aparecia algum serviço pra fazer. Você é muito é do metido isso sim, já emendava alguém que não gostava dessa folga dele.
Pra compensar essa lerdeza de meu pai, minha mãe trabalhava igual uma doida, acordava cedo, fazia cocada pra vender, depois ia pro rio lavar roupa e noite dormia muito tarde passando e engomando.
Enquanto ela trabalhava ele não parava de dar cheiro na orelha dela, que fingia incomodada e empurrava dizendo pra dar um tempo, que assim me atrapalha. Minha tia Nice ficava espiando de rabo de olho, desaprovando o jeito deles. “Pouca vergonha, nem respeita a criança”. Muito baixinho de um jeito que só quem estava perto escutava.
Quando ele não fazia esse chamego ela danava a bater o ferro na mesa de raiva, dizendo que estava cansada e que não agüentava mais essa vida. Que era pra ela ter uma vida boa. Não faltava quem queria dar isso pra ela. Que precisava de paz e descanso. Nem ligava, sabia que tudo era dá boca pra fora. Fica quieto um tempo, levantava e ia pra cozinha mexer na geladeira e quando voltava já vinha de beiço estufado, cheirando e dizendo coisinhas no ouvida dela. Daqui a pouco, ela toda molinha sumia junto com ele. Era só um bater de cama. Eu era obrigado a aumentar a televisão pra não escutar nada. E minha tia coitada, ia pra janela, bufando de raiva. Já fazia muitos anos que não chegava um homem perto dela. e minha mãe não deixava ela esquecer disso. Toda briga lembrava isso pra ela. Minha mãe até comprou e deu de amigo secreto uma imagem de santo Antonio só pra fazer graça. Mas que causou muita dor, porque logo ficamos sabendo que dessas imagens ela já estava muito da abastecida. Uma baú com mais de dez de todos os tamanhos. Sem falar nas velas e promessas que povoava sem quarto sempre fechado.