O HOMEM TRANCADO
A secretária passou a ligação para o diretor.
Empresa Tal, bom dia. O diretor empalideceu ao ouvir o homem no outro lado da linha. E suou. E tremeu. Ele era um homenzarrão forte, largo, sisudo, nada querido pelos funcionários. Era aquele tipo de homem que parecia invencível, infalível, e por isso era admirado por uns, mas lá na Empresa Tal, odiado pela maioria. Por isso a expressão do diretor ao telefone era surpreendente. Quem poderia falar algo que derrubasse aquele homem?
Dois dias antes, um cliente foi à loja comprar um produto e aproveitou para falar com o diretor. Ele queria um desconto. Eram raras as pessoas que entravam na sala do diretor se não fosse para pedir um desconto. Ele até concedia, mas antes fazia com que o cliente se sentisse inferior por estar pedindo. O diretor queria o controle, queria decidir, mesmo que desse o desconto, mesmo que abdicasse às vezes do seu próprio lucro, mas o que importava era a decisão: tinha que ser dele. Conversaram trivialidades e riram, mas o diretor parecia tenso. Então o cliente, achando-se no direito da intimidade, perguntou o que havia.
Dois dias antes, o diretor e a esposa, depois de tanto tempo às turras por causa da descoberta do envolvimento do diretor com outra mulher, saíram para jantar. Ele escolheu um restaurante caro, cujo nome ele não sabia se sabia pronunciar. Roupa nova, carro novo, mais de cem mil tinha custado aquela máquina. Pagamento a vista, ele estava no controle. Jantou com a esposa, que parecia decidida a esquecer a traição e, resignada, retomar o casamento. Ela até sorriu. Até ele sorriu. E voltaram para casa bobamente distraídos, como se fossem namorados.
Pararam em frente ao condomínio onde moravam e, antes de pegar o controle do portão, o diretor beijou a esposa, um beijo maduro, sem muita emoção (para ele, pois para ela era um recomeço), e foram interrompidos por um barulho. Alguém batia no vidro do carro do lado do diretor. E o alguém era um homem armado de revólver. A voz do homem armado entrava opaca no carro. Embora não se ouvisse assim, o diretor sabia que o homem gritava ordenando que o diretor abrisse a porta traseira. Pela porta traseira do lado do diretor o homem armado entrou e, pela porta traseira do lado da esposa (em choque, sem dar um pio), entrou o comparsa, este sim, muito nervoso dizendo mata, mata, mata logo!
Mas não, o homem armado apenas disse para o diretor seguir as instruções e todos sairiam vivos. E assim foi feito. Uma hora depois, a cidade já muito para trás, a estrada escura, o homem armado disse para e sai do carro. O diretor parou, saiu do carro e disse para a esposa fazer o mesmo. Mas o homem armado quem manda aqui sou eu, fica no carro, dona. O comparsa desceu, abriu a porta do lado da esposa e a arrancou do carro pelos cabelos. Ela caiu, chorando, agora sim transtornada. Os assaltantes levaram os telefones das vítimas, cartões, dinheiro e tudo de valor material que possuíam.
Dois dias depois, o cliente, entre os rodeios costumeiros que faziam todos eles antes de definitivamente pedirem o desconto, soltou que era policial. O diretor contou o que acontecera, irreconhecivelmente frágil. Deu o desconto como se em troca da promessa de o cliente policial averiguar o acontecido. Aquilo era uma derrota. O diretor não era de pedir. E, embora não tivesse pedido, o generoso desconto dado foi um pedido involuntário.
Dois dias depois, a secretária passou a ligação.
Empresa Tal, bom dia.
Do outro lado da linha uma voz de homem, ironicamente, soava eu deixei você vivo, pra que mexer com essa história?
E o diretor trancou, como dizem.