Uma noite qualquer...
A música tocava incessantemente nas rádios nos últimos dias, o torturando a cada vez que seus acordes iniciais soavam.
Aquela sequência de sons cuidadosamente escolhidos para causar emoção em seu ouvinte o atordoava, fazendo até mesmo com que ele se distraísse dirigindo seu carro, o que por muito pouco não causou um acidente.
Enquanto parava seu carro no estacionamento do Mcdonalds Gabriel cantarolava a letra da música, uma inundação de pensamentos dispersos tomando sua mente.
Belas tardes de outono, nos momentos mais frios que precedem o inverno, seu coração leve como uma pena, o vento em seus cabelos enquanto ele dirigia tranquilamente pela orla, como se nada no mundo pudesse incomodá-lo.
Ao desligar seu carro e com ele o rádio Gabriel percebeu o quão alto era o barulho das gotas d’água no teto e vidros de seu carro. A tempestade que caía lá fora era típica do verão no Rio de Janeiro, forte, repentina e, se tudo corresse como o esperado, rápida.
O pequeno caminho entre seu carro e a porta do Mcdonalds foi o suficiente para encharcar Gabriel, fazendo parecer que ele decidira mergulhar vestido logo antes de ir à lanchonete.
A fila para compra era relativamente pequena, havia poucas pessoas comendo ali àquela hora tardia. Um menino de boné virado para trás abraçava por trás, encoxando descaradamente, uma jovem loira que aparentava no máximo quinze anos.
Contrastando com os jovens uma senhora de aparência carola comia calmamente seu sanduíche, observando a chuva caindo lá fora. Entre as muitas situações nas quais Gabriel poderia imaginar uma pessoa comendo no Mcdonalds ás quatro da manhã nenhuma envolvia uma senhora de aparência carola, mas quem era ele para julgar o comportamento estranho dos outros? Logo ele que saíra de casa somente para isso, comer um cheeseburguer com batatas fritas extremamente gordurosas.
Diretamente à sua frente, para comprar comida, havia três pessoas, todas aparentando seus vinte e poucos anos, como Gabriel, e aparentemente saídas de alguma festa nas redondezas.
A atendente batia na tela de seu computador e gritava os pedidos para os cozinheiros, fritadores e outros possíveis trabalhadores daquela área misteriosa que é uma cozinha de fast food. Ao seu lado havia um pequeno rádio de pilha, não muito maior do que o celular de Gabriel.
- Senhor, seu pedido.
Disse a atendente, assustando Gabriel, que se perdia em pensamentos.
- Um BigMac com batata e coca-cola grande, por favor.
Pediu ele entregando uma nota de vinte reais na mão da moça, que rapidamente lhe deu seu troco.
- Só aguardar aqui ao lado.
Disse ela, apontando para uma área vazia no balcão.
Gabriel esperou por alguns minutos, pegou sua comida e sentou-se em uma mesa próxima.
Enquanto comia ele observava o jovem casal, que agora estava sentado de mãos dadas sem nem tocar na comida à sua frente, como se o menos importante ali fosse a comida. “A verdadeira comida”, pensou Gabriel sorrindo, “vai ser mais tarde, se tudo der certo pro garoto”.
A batata estava especialmente gordurosa naquela noite, mas gostosa como sempre.
Seduzido pelo sabor das batatas Gabriel se concentrou em sua comida e bebida, e, ao terminar de comer, ficara simplesmente sentado encarando o nada, capaz de dormir ali, até que sentiu uma repentina vontade de ir ao banheiro.
As placas indicavam que o banheiro ficava no andar de cima, então Gabriel subiu as escadas e virou a esquerda, sempre seguindo a sinalização.
Entre os banheiros masculino e feminino havia um pequeno espelho. À frente dele uma moça se observava.
Ao ouvir os passos de Gabriel se aproximando ela se virou e então ele a reconheceu: Os cabelos cor de mogno, a pele extremamente branca e as bochechas levemente proeminentes. Era Ananda.
- Oi – ela disse um pouco envergonhada. Fazia alguns meses que eles não se falavam – Tudo... tudo bem?
- Tudo certinho – respondeu ele, se lembrando daquela música – E você?
- Bem, você vai usar o banheiro, certo?
Perguntou ela saindo do caminho entre Gabriel e a porta. Este era a deixa para que ele se retirasse e seguisse seu caminho.
- É. Hm... tchau.
Encerrou ele acenando com as mãos antes de entrar no banheiro.
Havia gelo no mictório. Como todo homem que se preze, Gabriel começou a brincar de derreter o gelo com a própria urina, naquilo que lhe pareceu sua mijada mais prazerosa em séculos.
Ele pensaria em Ananda depois. “Depois quando?”, falou a pequena voz em sua mente. “A noite toda”, a própria voz respondeu em tom, imaginado por ele, de triste resignação.
Ao sair do banheiro algo estava diferente. Gabriel lavou as mãos ainda tentando perceber o que era.
Ao descer as escadas ele só sentia aumentar a sensação de que algo ali estava fora de seu lugar. E ao chegar ao salão da lanchonete percebeu o que estava errado.
Estava tudo silencioso. Silencioso por que simplesmente não havia ninguém lá.
- Oi?
Chamou Gabriel, esperando alguma resposta de dentro da cozinha. O lanche praticamente intocado dos jovens namorados (ficantes?) ainda estava ali, assim como a bengala da velha apoiada em um canto próximo à mesa onde ela estava sentada.
Nenhuma voz respondeu ao chamado de Gabriel. Ele então se dirigiu ao balcão e gritou mais uma vez, ‘mirando’ as pessoas que possivelmente estariam fundo na cozinha e não ouviram seu chamado anterior:
- Oi? Alguém aí?
Novamente ninguém respondeu. Gabriel entrou na cozinha, passando pela portinhola do lado esquerdo do balcão.
As batatas ainda estavam embebidas em óleo quente, mas todos os possíveis escapamentos de gás e bocas dos fogões estavam fechados e/ou desligados.
Não havia ninguém na cozinha tampouco.
Lá fora caía uma chuva torrencial, ainda pior do que a que caía quando ele havia chegado lá.
Pensando em sua chegada, Gabriel se lembrava de ouvir uma música que o lembrava de Ananda, e da chuva. Muita, muita chuva.
Gabriel, voltando, se reaproximou do balcão. O radinho de pilha da atendente ainda estava ali.
- Gabriel?
Gabriel se virou assustado, mas era apenas Ananda, que acabara de descer as escadas e agora se encontrava com ele ali embaixo.
- Cadê todo mundo?
Perguntou ela, tão surpresa por não encontrar ninguém quanto Gabriel fora surpreendido por sua voz.
- Não sei – respondeu ele – eu saí do banheiro e, quando desci, não tinha ninguém aqui.
O olhar incrédulo porém pensativo no rosto de Ananda dizia tudo: ela também estava no banheiro, descera, e encontrara apenas Gabriel.
- Vem, vamos embora daqui.
Disse Gabriel indo em direção á porta, cujo letreiro dizia “PUXE”. Ao tentar puxar a porta esta simplesmente não saiu do lugar.
- Que porra?!
Gabriel tentou mais algumas vezes abrir a porta, mas esta não mexeu nem mesmo um fio de cabelo.
- Você olhou na cozinha?
Perguntou Ananda.
- Claro que eu olhei a porra da cozinha – respondeu Gabriel irritado – Você acha que eu sou idiota?
- Eu... eu...
Balbuciou Ananda em resposta enquanto Gabriel corria os olhos pelo salão da lanchonete.
- É claro que acha.
Disse ele baixinho, mais pra si mesmo do que para ela.
Ela continuou o encarando, sem deixar saber se havia ouvido ou não o que ele dissera.
Gabriel então viu a bengala da velha carola em um canto e a pegou, andando resoluto em direção á vidraça da porta.
- O que você vai fazer?
Perguntou Ananda.
Em um movimento rápido Gabriel bateu com a bengala na vidraça usando toda a sua força, mas esta simplesmente continuou lá, só emitindo um barulho surdo.
Mais uma pancada, mais duas pancadas, três pancadas e o vidro continuava ali, intacto.
Gabriel então se dirigiu à janela perto de uma das mesas e bateu nela também, novamente com resultados nulos.
Um cigarro, ele precisava de um cigarro. Procurou em seus bolsos, mas tinha deixado o maço de Marlboro em casa.
Tentando não pensar no fato de estar preso em um McDonalds com a última pessoa que ele gostaria de estar preso em qualquer lugar no mundo ele caminhou até o balcão e olhou embaixo dele, onde deveriam ficar os pertencer dos atendentes.
Ali havia três bolsas, todas femininas, e uma mochila Adidas. Gabriel começou pela mochila, mas não encontrou lada ali além de uma carteira, um molho de chaves e um exemplar de “O Guia Do Mochileiro das Galáxias”, de Douglas Adams.
Nas duas bolsas femininas também não havia nada além do normal.
- Será que ninguém fuma nessa porra!?
Gritou ele sozinho.
Na última bolsa ele encontrou um maço amassado de Derby e um isqueiro. Era uma merda de cigarro, mas dava pro gasto. Gabriel botou o maço inteiro no bolso e dele sacou um exemplar e o acendeu.
A primeira baforada foi como um alívio, o deixando mais calmo e centrado na situação.
Ele voltou ao salão, sentou-se em uma mesa de costas para Ananda e fumou o cigarro.
Os momentos de silêncio posteriores foram como um oásis no deserto. “Só faltava uma cerveja”.
- Eu não sabia que você fumava.
Disse Ananda encerrando o período silencioso.
- Engraçado, não é? - respondeu Gabriel se virando para ela. Ele olhou para o cigarro como se este tivesse acabado de surgir em suas mãos – Quando o motivo pelo qual eu não fumava é justamente o que me faz fumar agora.
Ananda observou Gabriel, seus olhos detidos no cigarro. A fumaça subindo da ponta cinzenta era quase hipnótica.
- E então... – iniciou ela lentamente, medindo cada sílaba dita – Como vai a vida?
- Indo. E a sua?
- É, indo também.
E novamente o silêncio imperava entre eles. Eram meses de mágoas, ligações não retornadas e recados não respondidos. Eles eram estranhos novamente.
Gabriel continuou fumando seu cigarro, saboreando cada trago. Quando por fim o cigarro acabou, ele jogou a guimba no chão, pisou para apagar e ficou de pé novamente.
Dirigiu-se novamente à parte de trás do balcão e procurou por um daqueles copos nos quais eles serviam coca-cola por ali.
Quando finalmente encontrou e caminhou em direção à máquina de refrigerantes Ananda quebrou o silêncio:
- Você vai pegar o cigarro, a coca e o que mais? Mesmo que ninguém esteja aqui, ainda é roubo.
Novamente lá, Ananda e suas maneiras politicamente corretas. “Ela não gostava nem de bebida”, pensou Gabriel, um sorriso sarcástico surgindo em seu rosto, “imagina o choque quando me viu fumando”.
- Olha a minha cara de quem se importa com o que vão achar do que eu estou fazendo aqui?
Disse Gabriel para ela, exagerando no sorriso surgido ao pensar sobre cigarros.
- Será que você pode ser um pouquinho mais escroto? – perguntou Ananda, também apelando para a ironia – Acho que você tá sendo legal demais?
Gabriel fingiu não ouvir e continuou enchendo seu copo de coca-cola.
Mesmo tanto tempo depois uma crítica dela ainda o abalava de certa forma, então ele resolveu ir até o caixa e depositar algum dinheiro para compensar o fato de estar simplesmente se servindo de refrigerante.
Ao tentar abrir a caixa registradora esbarrou no rádio de pilha da atendente, que caiu ao chão, ligando com o impacto.
E lá estava ela, aquela música, tocando novamente entre eles, em um momento perfeitamente oposto ao que ela tocara a primeira vez.
“I’d shut down the stars
To be wherever you are
But then how would I see your lights
I’d knock at your door
And hold you forevermore
Just to make sure you’re in my life”
Foi inevitável para ambos não olhar um para o outro quando soaram estes versos, num volume impressionantemente alto para o pequeno auto-falante do radinho de pilha.
Gabriel voltou então a todos os momentos que passaram juntos, mas sua reflexão durou pouco, pois logo olhou novamente para a porta e sua vidraça.
Deste vez ele arremessou uma cadeira contra a porta, que novamente não se moveu nada.
Então se dirigiu ao radinho de pilha e o desligou, parando a música.
- Deixa a música rolar, eu gosto dela.
Disse Ananda. Ela se levantou e estendeu a mão até o radinho.
Acidentalmente sua mão encostou na mão de Gabriel, que também se dirigia ao rádio para religá-lo.
Ao simples toque da pele dela a mão de Gabriel se retraiu, como se aquilo pudesse lhe causar algum tipo de dano.
O movimento não passou despercebido, e Ananda o encarou como se aquilo tivesse dito todas as palavras não ditas entre eles.
Seus olhos encararam o chão e Ananda teve que segurar uma lágrima ao encarar Gabriel novamente. Lentamente ela levou sua mão à dele e a segurou, sentindo o calafrio que espalhou pelo corpo dele.
Olharam-se nos olhos, os meses de separação quase como uma força entre eles que os atraía e, ao mesmo tempo, afastava.
- Você me odeia, não odeia?
Perguntou Ananda falando baixo e olhando para o chão.
- Não. - Respondeu Gabriel friamente. – Eu não te odeio, Ananda.
- Diz isso olhando nos meus olhos.
- Eu não te odeio – As lágrimas, involuntárias, brotaram em seus olhos – Eu só não entendo como você pôde fazer o que fez. Só isso. Indo embora quando eu mais precisava de você.
- Você me perdoaria por isso?
- Não tem pelo que eu te perdoar, Ananda. Você fez o que você achava certo e isso não é algo que se perdoe ou deixe de perdoar.
- Você não acha realmente isso?
- Desde quando o que eu acho faz diferença?
- Gabriel...
- Chega.
Gabriel sentou-se novamente com o refrigerante em mãos e acendeu outro cigarro.
- Você poderia pelo menos não fumar na minha frente? Você sabe que eu não gosto nem de ver você bebendo.
- Como eu disse: A razão de eu ter parado de beber e fumar é a mesma pela qual eu encho meu copo e acendo meu cigarro.
- Cadê o Gabriel que eu um dia conheci? O daquela música – ela apontou para o radinho – que, como é, apagaria as estrelas.
- É melhor queimar que desaparecer*, amor.
- E qual dos dois você fez?
- Depende do seu ponto de vista.
- Então você desapareceu, por que o cara que eu conheci não existe mais.
- Não é problema meu.
E Gabriel acendeu outro cigarro.
- Como não é problema seu? – gritou Ananda, se levantando – Não é problema seu se você está matando o cara que eu conheci todo esse tempo atrás, não é problema seu se você tá matando memórias ótimas, não é problema seu se você tá destruindo o cara que um dia eu amei?
Ao perceber o peso de suas palavras Ananda imediatamente encarou o chão, como se subitamente houvesse algo muito interessante no piso imaculadamente limpo do McDonalds.
- O cara que você o quê?
Perguntou Gabriel incrédulo.
- Às vezes eu penso... – continuou Ananda, como se Gabriel não tivesse dito nada e ainda encarando o piso – Se houvesse, assim, somente a possibilidade de nós tentarmos de novo, começando do zero, o que você faria.
Gabriel se levantou, caminhou até a máquina de refrigerante, encheu seu copo até a metade e bebeu. Ele então entrou na cozinha, longe dos olhares de Ananda.
Ananda sentiu sua face queimar vermelha de vergonha e as lágrimas surgirem em seus olhos.
Gabriel então surgiu de trás do balcão, caminhando em sua direção, um sorriso presunçoso no rosto.
Ele parou á sua frente, olhou fixamente em seus olhos, estendeu a mão e disse:
- Prazer, eu sou Gabriel.
As lágrimas tímidas de antes agora caíram como uma cachoeira, enquanto um sorriso se abria no rosto de Ananda, que subitamente abraçou Gabriel.
Quando Gabriel enfim colocou os braços em volta do corpo de Ananda, consumando o abraço que dizia mais do qualquer palavra poderia dizer, ouviram um pequeno clique.
A porta da lanchonete se abriu, revelando o exterior chuvoso.
- Irônico, não? - Disse Gabriel – Vamos?
- Não, eu não posso ir com você.
Respondeu Ananda.
- Como não? Vamos, deve haver um guarda chuva em algum lugar por aqui.
- Gabriel... Eu te amo, tá?
- Por que você tá dizendo isso?
Gabriel sentiu-se tonto e caiu, inconsciente, no chão.
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Seduzido pelo sabor das batatas Gabriel se concentrou em sua comida e bebida, e, ao terminar de comer, ficara simplesmente sentado encarando o nada, capaz de dormir ali... dormir ali.
Gabriel acordou assustado. Olhando em volta percebeu o casalzinho ainda ali e a senhora carola apoiada em sua bengala.
No balcão a moça do caixa atendia as pessoas, seu radinho de pilha ao seu lado.
“Puta merda, será que eu dormi aqui?”, pensou Gabriel.
Ele se levantou rapidamente e se dirigiu á saída.
Ao passar pela fila do caixa esbarrou numa moça, que por sua vez esbarrou no radinho de pilha, que, ao cair no chão, ligou-se.
“I’d shut down the stars
To be wherever you are
But then how would I see your lights
I’d knock at your door
And hold you forevermore
Just to make sure you’re in my life”
Era aquela musica de novo, o assombrando.
Gabriel entrou em seu carro, ligou o limpador de pára-brisa e dirigiu para casa evitando correr muito, caso ele resolvesse dormir do nada de novo.
Entrou em casa e foi direto para a cama. Quando ele estava deitado, coberto, ouviu o toque do telefone.
Lentamente, como um zumbi, Gabriel se levantou, caminhou até a sala e atendeu o telefone:
- Gabriel?
Disse uma voz feminina do outro lado da linha.
- Sim, quem é?
- É a Joana, amiga da Ananda.
Gabriel demorou alguns segundos para lembrar-se de quem era essa tal de Joana, mas por fim lembrou-se, mesmo que vagamente, de conhecê-la.
- Oi. Tudo bem?
- A Ananda, ela... Sofreu um acidente. Só achei que você deveria saber.
- Ela tá bem?
Perguntou Gabriel tentando disfarçar a preocupação em sua voz.
- Mais ou menos. – respondeu Joana, sua voz falhando um pouco – Só achei que você devia saber, caso queira visitá-la.
- Eu quero.
- Você t em ande anotar o endereço do hospital?
Uma hora depois Gabriel chegava ao Hospital. Na recepção, após dar seu nome e saber o quarto em que Ananda estava, viu Joana, de cuja fisionomia ele lembrara no carro, sentada em um pequeno banco perto dos elevadores.
- O que houve?
Perguntou ele antes de qualquer outra coisa.
- Ela desmaiou em casa. Nós tínhamos combinado de sair e, quando eu cheguei, ela não atendia. Eu telefonei algumas vezes, ouvi o celular dela tocando dentro de casa mas ela não atendia. Quando eu comecei a sentir cheiro de gás pedi ajuda, arrombei a porta e a encontrei caída no chão da sala.
- E os médicos já sabem o que aconteceu?
- Ninguém me disse nada, mas disseram que ela deve acordar a qualquer momento. Eu só vim aqui fora esperar você chegar, pra te explicar o que houve.
- Posso subir e ver ela?
- Acho que sim, sabe qual é o quarto?
- Sei.
Gabriel então se dirigiu aos elevadores, e, então, para o segundo andar.
Andou até o quarto 213 e, tentando fazer o mínimo de barulho possível, abriu a porta.
E lá estava ela, deitada, imóvel. As mesmas feições, mas a palidez acentuada pelo que quer que tenha acontecido.
Gabriel sentou-se ao lado da cama e segurou a mão de Ananda. Ele não percebeu quanto tempo se passou. Podiam ter sido segundos, minutos ou horas. Quem diria que seria daquela forma que eles se reencontrariam, tanto tempo depois.
- Olha pra você – disse ele, mesmo sabendo que ela não estava escutando – Aí, nessa cama de hospital. Das mil maneiras que eu imaginei te reencontrar nenhuma chegava perto disso. Gente boa essa sua amiga, Joana, de ter me ligado. Não sei se você gostaria disso, mas, cara, como eu fiquei preocupado quando ela me disse que você tinha sofrido um acidente.
Nesse momento Gabriel já não olhava mais para ela, e sim para seus próprios pés, tentando evitar as lágrimas que inevitavelmente viriam.
- Sabe, eu sonhei com você agora a pouco, quando eu tava no McDonalds. Engraçado, né, eu dormi no McDonalds. Acho que eu devia realmente estar cansado. Nesse sonho eu reencontrava com você e, mesmo com todos os problemas que isso traria, nós pelo menos terminávamos bem.
Nesse momento Gabriel sentiu um aperto em sua mão direita. Ao olhar para ela percebeu que a mão de Ananda apertava a sua. Assustado ele soltou a mão dela e olhou para seu rosto. Seus olhos estavam ligeiramente abertos e, em seu rosto, uma tentativa de um sorriso se formava.
- E eu te perguntava...
Começou ela a dizer, a fala um pouco lenta, provavelmente resultado de algum sedativo.
- Se tivéssemos a chance de começar tudo de novo, o que você faria?
Gabriel parou aonde estava, olhando nos olhos de Ananda. Seria possível, de alguma forma, que algo do que acontecera no McDonalds fosse real?
Ele apertou novamente a mão dela, tentando passar, por este simples contado, todo o carinho que ele tinha por ela.
- Prazer – disse ele – Eu sou Gabriel, qual é seu nome?