O Eclipse
O telejornal da oito repetiu o que já havia saído em todos os jornais locais. Aliás não se fala em outra coisa na cidade, nos últimos dias. Qualquer roda de amigos, no comércio, noticiários, esse era o principal assunto: Em breve, por ocasião do eclipse solar, previsto para alguns dias, o mundo iria acabar. A maioria da população, principalmente os mais sujeitos à influência de outros, está tensa. Há os mais céticos que debocham dos demais, os que se aproveitam da situação e ainda os que procuram uma nova definição para o fim do mundo.
Durante esse eclipse, segundo alguns astrólogos e astrônomos, os astros estariam posicionados de determinada forma que afetaria os seres vivos aqui na terra, por influência magnética e outras tantas suposições que se formulou em torno deste episódio. Não apenas os profissionais desta área, mas também os leigos, cada um tinha na ponta da língua a sua previsão para o que estava para acontecer; e cada um que ouvia, associava essa nova versão à sua própria, originando uma nova que era repassada pra frente. A essa altura, tamanha era a confusão formada em torno deste fato que a vida das pessoas havia virado um caos. A relação entre as pessoas, mesmo entre as de uma mesma família, era agora de forma diferenciada. Algumas, mais unidas aguardando o grande momento da redenção, com freqüentes reuniões em igrejas, orando, e ainda outras, que desesperadas por perderem a vida de um modo tão trágico, aproveitavam esse momento para fazer e dizer tudo o que não tinham coragem de fazer ou dizer antes; o mundo iria acabar mesmo!
Na cidade o que se via, era gente correndo, arrumando malas e viajando não se sabe pra onde, de forma desordenada e incoerentes com sua imaginação, pois o mundo se acabado, tanto faz aqui ou do outro lado do mundo.
Para muitos o céu irá desabar sobre nossas cabeças, partindo a Terra em pedaços, não sobrando nenhum ser vivo pra contar a história.
Segundo os mais religiosos, a Terra pegará fogo, devastando tudo pela frente, momento este em que Deus descerá sobre a Terra e separará as almas santas das pecadoras, levando consigo aquelas e deixando essas arderem até a morte. Em seguida, com o forte calor derretendo as calotas polares tudo se inundaria apagando o fogo. Com o tempo e formação de novas geleiras, um novo ciclo de vida se formará.
E há os que acreditam que tudo isso é bobagem, que na verdade tudo isso são suposições infundadas. E que o que estaria para acontecer seria outro tipo de transformação, o início de uma ova era, uma renovação de conceitos e forma de se viver. Haverá uma nova ordem política e social na Terra. Quem viver para essa nova fase, terá a paz e a felicidade pelo resto da vida; quem não concordar com ela, sucumbirá. Tudo isso de forma rápida, com os opressores sendo dominados e subjugados ao novo poder.
E, dentro de cada grupo desses há facções, com suas idéias diferenciadas, ou mesmo associadas às idéias de outros grupos. Diante deste quadro, misturando todas essas pessoas, cada um querendo impor seu ponto de vista, o caos esta formado.
Muitos já não compareciam aos seus empregos, atrasando o andamento de suas funções e prejudicando outras pessoas que dependem daqueles serviços.
Nos jornais daquela pequena cidade já se tornara comum relatos sobre pessoas que procuravam tirar satisfação e resolver suas diferenças como último ato de suas vidas, ocasionando brigas e mortes. Nesse dia o relato principal era o de um jovem que atirou em outro para receber uma dívida antes do final do mundo, pra gastar não sei onde, pois o devedor não achava necessário pagar, já que tudo iria acabar mesmo.
No comércio local, o movimento que até a poucos dias estava em queda, repentinamente houve um aquecimento nas vendas, onde as pessoas compravam de tudo, e na maioria dos casos, com pagamento a prazo pra depois da data em questão. Muitos dos comerciantes, por precaução, resolveram fechar suas portas temporariamente, até passar essa data sinistra e as pessoas caírem em si, ocasionando desabastecimento de mercadorias. Nos Bancos, o que se vê são pessoas sacando suas aplicações e levando esses valores para casa, facilitando a ação de marginais, que nunca tiveram dias melhores para seus negócios.
Na véspera do dia anunciado, nas ruas daquela cidade, apenas se via um ou outro mais despreocupado com o fim anunciado. Estava aquele marasmo, como em dia de feriado prolongado, ou final de copa do mundo. Nas delegacias e nos hospitais aumentou o tráfego de notícias como assassinatos e suicídios.
A expectativa era enorme.
Amanhece o dia. O início do eclipse está previsto para as dez horas e doze minutos da manhã.
Nove horas. Vê-se apenas um ou outro mais ousado nas janelas das casas.
Alguns, menos supersticiosos, se preparam na praça, com lupas e telescópios para melhor observarem o fenômeno.
Nas igrejas, cantos e orações.
No quartel do corpo de bombeiros, a sirene não parou de tocar desde a véspera, com seus bravos integrantes, socorrendo vítimas de acidentes de trânsito, ou mesmo resgatando pessoas ameaçando se jogarem do alto dos prédios.
O comércio todo fechado.
Na central telefônica instalou-se o caos. Todos se ligando para as despedidas, causando sobrecarga nas linhas.
Dez horas.
A tensão aumenta. Muitos choram desesperados.
Dez horas e doze minutos. A lua começa a se interpor entre o sol e a terra, impedindo lenta e gradativamente a passagem dos raios solares. As aves se recolhem, numa algazarra total. Alguns minutos depois, a escuridão. O desespero toma conta de muitos. Ouve-se gritos, choros, cantos e orações. Na praça central, os mais curiosos e mais céticos observam, emocionados por presenciarem aquele momento único em suas vidas. Nas casas e nas igrejas, a maioria aguarda o memento final. Tensos, se olham com olhos arregalados. Neste momento, não se ouve outro som a não ser os vindos das diversas igrejas. Ninguém se mexe. O tempo passa vagarosamente. São os dois minutos e quinze segundos mais longos de suas vidas. Aos poucos a luz do sol começa a voltar, e a cada segundo com mais intensidade, até atingir a luminosidade normal. As pessoas se olham embasbacadas, sem entenderem. Olham para fora e vêem os pretensos astrônomos sorrindo e se explicando o eclipse. Nas igrejas, os cantos e orações continuam por mais de uma hora, em agradecimento por Deus ter atendido suas preces. As pessoas voltam às ruas. O trânsito se normaliza. O comércio abre suas portas, voltando aos poucos o movimento habitual. Muitos dos patrões aceitam as desculpas esfarrapadas de seus funcionários, que chegam com um sorriso sem graça e forçado. Em algumas casas, o choro das recém-viúvas daqueles que não aguentaram a pressão; em outras, a indignação daqueles que foram roubados, por haverem sacado todas as suas economias do banco. Num canteiro da praça, aquele farmacêutico, comumente todo respeitoso, caído totalmente bêbado e vestido de Carmem Miranda tenta se levantar, olhando para o céu. Aos poucos tudo vai se normalizando. No corpo de bombeiros, na delegacia e nos hospitais volta a reinar a paz costumeira. Ao final do dia tudo parece normal, como um dia qualquer do ano. Fala-se no eclipse como um fato inusitado mas de forma natural. E assim seguem-se os dias, normais, a cada dia falando-se menos daquele eclipse e no vexame de muitos, até cair no esquecimento, ficando assim até surgir um novo eclipse no céu, evidenciado pela mídia.