A Capa do Poder

LEMBRANÇAS

A história que vou narra aqui se passou em meados da década de setenta. Uma história entre meus irmãos e alguns amigos.

Como em qualquer época e em qualquer lugar, formávamos turmas entre amigos de praticamente a mesma idade. Certo dia, vindo da casa de um dos amigos, Milanga (esse era o apelido dele – o que quer dizer “minhoca”) recolhe, em frente a uma loja de produtos eletrodomésticos, um pedaço de plástico, destes de embalar geladeira (no local e naquela época, artigo raro). Amarrou duas pontas em torno do pescoço, o que caiu como uma luva. Aquela capa parecia feita sob encomenda. Milanga que era magro igual a um palito aparentava mais corpo com o novo adereço. Os demais amigos, com uma inveja insuportável, procuraram desesperadamente outra capa que estivesse caído por ali. Não havia mais. Aquela era a única.

- Ô Minhoca, diz o Pebinha. Deixa eu usar a capa só um pouquinho. Depois eu te devolvo.

- Não. A capa é minha, fui eu que achei...

Todos queriam usar a capa, mas Milanga, cheio de si e sentindo-se superior por estar usando um adereço diferente, negava ceder seu uso. Todos o adulavam e sua moral perante a turma ia crescendo. Afinal, ele possuía A CAPA. Naquele dia ele passou a liderar o grupo. O ciúme e a vontade de possuir objeto igual de Milanga começava a aumentar em seus colegas. Chegaram a cogitar a possibilidade de tomar à força aquela preciosa capa.

- Não podem fazer isso. Eu tenho a capa. Portanto sou mais que vocês. Sou eu quem mando aqui e decido o que vamos fazer.

- Mas você podia deixar a gente usar um pouquinho. Você está muito sovina.

- Tá bom. Mais tarde eu deixo vocês usarem. Mas só se fizerem o que eu mando. Hoje os vamos roubar goiaba na casa de Doma Maria Gorda.

Dona Maria era uma vizinha, que morava quase em frente de nossa casa. Ela vivia só, naquela casa e não permitia que apanhassem frutas em seu quintal. Preferia ver as frutas apodrecerem. E por desaforo o seu pomar era o alvo principal das investidas do grupo.

Milanga, senhor de si e na condição de líder, seguia à frente do grupo. Sondam a casa de D Maria à procura de movimento. Nada. Ela havia saído. Estava feito a festa.

Entraram no quintal cercado de arame farpado. Não havia muita goiaba madura, então decidiram atacar o pé de caju. Subiram todos na pequena árvore, fazendo a maior algazarra. Milanga agia, pulando pelos galhos, confiante em seu peso e no poder da capa. Em determinado momento ele se ergue sobre um frágil galho e num gesto imponente dá o grito de Tarzan e arremata com a frase:

- Ôôôôôôôôô... Super-homem...

É nesse exato momento que o galho sobe seus pés se quebra e ele despenca de uma altura de três metros. Naquela fração de segundo, o vento batendo em sua capa, a impulsionando para cima, não foi capaz de segurá-lo. Milanga passa rente a uma estaca pontuda fincada no chão indo se estatelar de barriga e braços abertos no solo. Abraçou o mundo.

Todos preocupados, mais que depressa, descem em socorro ao amigo; alguns rindo pela cena do tombo.

- Milanga... você está bem?

Milanga, de olhos arregalados, não consegue responder.

- Fala, Minhoca... Você está bem? Você se machucou?

Milanga, ainda sem fala, retira a capa do pescoço e a joga longe. Pouco depois ele consegue falar. Podem ficar com ela.

Todos se entreolham.

- Eu não quero.

- Nem eu.

- Muito menos eu.

- Essa capa traz azar.

E a capa que por um momento deu força e poder de liderança a Milanga e que não fora capaz de segurá-lo na queda, passou a ser desprezada por todos.

Walter Peixoto
Enviado por Walter Peixoto em 19/11/2011
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