O andarilho.

Cap 1.

Um andarilho que estava sentado em um dos bancos da pequena e inóspita Praça do Rio de Janeiro dando comida aos pássaros veio até mim e com um olhar enigmático perguntou-me:

- O que queres ganhar de presente de aniversário, menina?

Eu, que andava distraída e indiferente pelas ruas de minha cidade, parei quando percebi que ele falava comigo.

- Hm, me desculpe. Mas o senhor falou comigo? - Perguntei, somente para me certificar.

- É claro. Afinal, hoje não é dia 12? Dia do seu aniversário? - Perguntou-me enquanto limpava os restos de milho de sua roupa encardida.

- Sim, mas.. Como sabes que hoje é..?

- Então.. Eu lhe perguntei. O que desejas de presente de aniversário? - Interrompeu-me ele.

- Nada. - Disse eu engolindo em seco minhas ansiedades e pensamentos.

A única coisa que eu desejaria ganhar, esse humilde homem não poderia me dar. Nem ele, nem ninguém.

- Veras hoje à noite, que seu pedido se realizará. - Disse dando uma piscadela sutil para mim.

Então eu acenei um adeus, com meus lábios cerrados e uma expressão curiosa. Bom, pelo menos esse homem era a primeira pessoa que havia me feito sorrir hoje..

Cap 2.

Cheguei em casa e fui direto para o meu quarto. Tinha planejado passar o resto do meu aniversário trancafiada entre quatro paredes ouvindo minhas músicas preferidas. O som alto e barulhento das músicas me impediam de pensar. E era exatamente isso que eu queria. Esquecer dos meus problemas só por um dia.

toc toc

Ouviram-se barulhos em minha porta. Tentei ignorar e aumentar o volume do rádio. Não era possível que até no dia do meu aniversário ela continuaria a estragar minha paz.

- Abra a porta, Melinda. Agora.

- Não. - gritei - Hoje não. Vá embora, por favor.

- Precisamos conversar! Você sabe disso. Não seja infantil.

- Você manda meu pai embora de casa e a infantil sou eu? Sério, mãe? - provoquei.

- Você sabe que as coisas não são assim. Seu pai foi embora por pura e espontânea..

- Pressão!! - Interrompi.

Já estava no meu limite. Não queria ouvir a voz dela. Precisava sair dali. Imediatamente. Sem hesitar, peguei meu livro e pulei a janela do primeiro andar.

Cap.3

O parque a noite era frio. Mais frio do que de dia. E eu havia esquecido meu casaco. Mas não importava.. Eu era capaz de agüentá-lo só para não precisar voltar para a casa. Meus pensamentos estavam conturbados. Aquela semana com certeza havia sido a pior de minha vida. Primeiro foi a morte do meu avô que me abalou completamente. Logo em seguida foi a separação dos meus pais, por causa de uma traição estúpida de minha mãe. Que raiva! E agora, dia 12 de Novembro, dia do meu aniversário.. Eu descubro que meu melhor amigo tentou se matar com remédios. E agora está em uma maca de hospital, cercado de médicos que lutam pela sua vida. Já que ele não lutou. É tudo muito injusto não é? A vida é assim mesmo. Adora brincar com os sentimentos das pessoas, como se fossem apenas parte de um jogo idiota de xadrez cujo objetivo é te derrotar. E como eu nunca fui boa em jogos de tabuleiro, eu sempre perco no final.. Mas eu tenho que parar de pensar assim, certo? Afinal, ele ainda tem chances de se recuperar. Ele tem que recuperar. O meu mundo é ele. Se ele se for, eu vou também.. Fechei os olhos por alguns instantes relembrando o que o andarilho havia me dito. Seria tão bom se ele pudesse realizar meu desejo. Eu nunca mais iria reclamar de nada na minha vida. Iria aprender a engolir as reclamações da minha mãe, a falsa preocupação dos meus “amigos”, tentaria ser uma pessoa mais paciente e complacente com os outros ao meu redor. Pela vida dele, eu faria qualquer coisa.

Cap 4.

Desliguei o celular. Ainda estava em choque. Não conseguia ouvir o barulho dos carros que passavam buzinando apressadamente na rua à minha frente, não ouvia o barulho dos pássaros que choravam a saudade de uma terra mais verde e não podia sentir o frio que a minutos atrás percorria meu corpo. Uma voz mórbida havia me ligado, para me contar o fato fúnebre que acabara de ocorrer. Ele se foi. E eu ainda estava ali, compenetrada em meus pensamentos, com o celular em minhas mãos, me negando a acreditar que aquilo era verdade. Meu melhor amigo, meu amor, meu confidente, meu mundo.. Havia ido, e me abandonado nesse meio de insanos na terra. Minhas lágrimas agora escorriam em meus olhos sem vergonha, e meus gritos de dor saiam da minha boca euforicamente. Eu estava morrendo. Enquanto me contorcia de dor na grama do parque, pude ver o andarilho que havia me feito sorrir. Ele estava agora arrumado, com um terno preto bem costurado e seus olhos estavam mais pretos do que eu havia notado mais cedo. Aproximou-se de mim e esticando a mão com uma rosa, disse-me:

- Seu desejo será realizado. Como prometido. Você aspirou encontrá-lo. E eu realizarei seu pedido. A morte o pegou mais cedo, e ela está vindo lhe buscar agora, para juntos vocês poderem ficar.

Eu lembrei. Eu havia desejado secretamente em meus pensamentos nunca me separar dele. E agora que ele havia morrido, eu..

- Eu irei morrer? - Disse, enquanto observava atônita a rosa vermelha que ele pôs em cima de meu corpo que estava deitado sobre a grama, inerce.

- Sim, minha querida. Mas não se acanhe. A morte é mais bela do que a vida. - Disse, mostrando um sorriso gentil.

- Então.. Quer dizer que eu irei me encontrar com ele? – Disse, derramando uma lágrima de euforia.

- Sim. Ele já está aqui. Junto da morte. Esperando-te.

Foram as últimas palavras que eu ouvi antes que uma luz cegasse os meus olhos e um vento descomunal me envolvesse. Eu podia sentir uma onda de calor me aquecer de repente. Abri os olhos. E ele estava lá, me abraçando..

J Monsôres
Enviado por J Monsôres em 12/11/2011
Código do texto: T3331497
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