Oito Reinos (Parte I)
Estava bastante atrasado para o encontro na Oficina Literária. Tudo porque acabei jogando demais Dynasty Warriors 7 e perdi a hora. Isso sem falar que fiquei a semana inteira sem idéias para o conto da sexta-feira e acabei não fazendo o texto que o Márcio tinha me pedido.
Cheguei ao Sebo Monte Cristo e cumprimentei Oscar e Júlio. Ainda preocupado com a desculpa esfarrapada que ia apresentar, fui ao banheiro para aliviar-se de meus problemas. De tão estressado que estava, acabei dormindo em pleno trono.
Apareceu de repente uma figura vestida com um manto vermelho e estava com a cabeça coberta por um capuz. Seria o Guardião do Banheiro contando mais um daqueles seus contos de merda? E se fosse ele mesmo, como poderia estar ali se era um de meus personagens? Será que estava sonhando? Ou será que bebi vinho demais na aula da semana passada e agora estou vendo coisas?
Mas precisava saber quem era ele e removi o capuz e o manto. Quase cai pra trás quando descobri que era o Oscar. Será uma brincadeira de mau gosto dele? Não, não era de seu feitio. Sempre era compenetrado e dedicado ao trabalho de selecionar e colocar os livros em cada seção no sebo. Estava vestido com um terno preto de risca-de-giz lembrando os mafiosos dos tempos de Al Capone.
- Oscar, tu é o Guardião do Banheiro? Mas como se te vi organizando os livros de história e romance e depois foi tomar café na cantina lendo um exemplar do Tex!!! Como pode estar aqui? E porque está vestido com esse terno?
- Primeiro lugar, tu acha que tenho cara de Guardião do Banheiro? Não faço esse tipo de coisa. Segundo lugar, está muito tempo fora de seu reino e fui encarregado de levá-lo de volta. E trate de andar logo porque estou faminto e o lanche é daqui a algumas horas!!! E por fim, quero te fazer uma pergunta, Mário? Comprasse os cartões de Natal da APAE?
- Que besteira é essa de reino e de cartão, Oscar!!! Estou atrasado pro encontro da Oficina e tu vens me falar de Natal!!! Claro que não comprei e a data está longe ainda. Agora me deixe passar que estou com pressa!!!
Foi então que ele começou a rir muito alto e apertou os botões de um controle todo sofisticado lembrando um pouco o da SKY HD. O chão se abriu sobre meus pés e comecei a cair.
Primeiro Reino: Reino de Maria Isabel
Continuava caindo rumo á fronteira final e audaciosamente indo onde nenhum idiota jamais esteve. É como se estivesse dentro do Sekishiki para nunca mais voltar á vida. Mas por que Oscar faria isso comigo?
Acordei em um lugar tranqüilo até demais. Era um cemitério com lápides muito antigas e outras mais recentes. Estava apinhado de gente que assistia a um funeral de uma pessoa importante devido á suntuosidade do caixão. Curioso como sou, fiz menção de olhar quem era a pessoa morta quando alguém me agarrou pelo braço. Era Oscar.
- Não pode intervir na história desse reino. E não se preocupe com o morto, ele está com uma expressão serena e feliz.
- Posso saber onde diabos eu estou, Oscar?
- Não fale esse nome aqui dentro do cemitério, é feio!!! Estás no reino da Maria Izabel e ela te aguarda na rua do lado da igreja.
Ainda estupefato com a revelação, saímos do cemitério e fomos a tal da rua do lado da igreja encontrar com Maria Izabel.
Lá encontrei um padre convencendo uma criança a acreditar que Deus fez o mundo e que ele é bom e justo. Achei aquilo absurdo e quis bater boca com o sacerdote, porém Oscar tapou minha boca e arrastou-me pra fora dali.
- Quantas vezes tenho que te dizer!!! NÃO PODE INTERVIR NA HISTÓRIA DO REINO!!!
- Esse padre ta fazendo lavagem cerebral nessa criança!!! Isso é um absurdo!!!
- Concordo contigo. É um pecado fazer isso com as crianças.
Foi então que Maria Izabel surgiu. Ela estava usando uma jaqueta azul e calças de brim e segurava uns papéis na mão. Ficou feliz em me ver e abraçou bem forte.
- Mário!!! Faz tempo que tu não vens me visitar!!! Como vai seu reino?
- Reino? Não tenho reino nenhum, Maria Izabel!!! Explique-me o que está acontecendo?
- Cada um de nós, inclusive tu, tem um reino para governar e cada personagem que criamos se torna um habitante do mesmo. O Oscar sempre nos ajuda quando estamos perdidos nas tarefas internas.
- É mesmo? E onde fica o meu?
- Ao norte daqui. Tu vais ter que andar muito. Não se preocupe, o Oscar vai te ajudar a encontrá-lo.
- Puxa vida!!! Pareço que estou sonhando!!!
- Mais uma coisa. Ao cruzar essa rua, tu vais chegar a uma plantação de milho. Passando-o, encontrarás o reino da Clésis. Ela está na sua casa aguardando-os com muitos doces, queijos e vinhos. Devem estar famintos.
- Claro!!! Esse aí só me empaca, Izabel!!! Anda logo, Mário, não temos o dia todo e estou morrendo de fome!!! – disse Oscar.
Estava boquiaberto demais com todas essas revelações da Maria Izabel. O tempo era curto e tinha que acabar com esse sonho louco. E lá fomos nós rumo ao segundo reino. O reino de Clésis.
Segundo Reino: Reino de Clésis
Oscar e eu andamos pelo milharal até chegar a esse reino que parecia um sonho. Passamos pela praça principal e logo encontramos um professor sentado no banco e escrevendo um poema para sua amada. Quis saber qual era a poesia e fui xeretar. Até o Oscar mais uma vez agarrar-me pelo braço impedindo minha curiosidade.
- Se esqueceu das regras, hein? Nada de intromissões em reinos alheios. Veja, a Clésis nos espera no casarão e anda logo de uma vez porque estou morrendo de fome.
Chegamos ao casarão. Era um espetáculo lá dentro. Salas grandes, cozinha idem e os quartos cheios de roupas e brinquedos. A biblioteca então era uma loucura. Havia 8 prateleiras cheias de livros de fora a fora. Livros de todos os tipos desde Balzac até Lobato passando por Érico Veríssimo.
- Uau!! Que beleza essa casa, Oscar!!!
- Ainda não viste nada. Os doces, queijos e vinhos deste lugar são saborosos.
- Mas onde a Clesis está?
- Estou aqui, Mário. Quanto tempo tu não vinha me visitar. Como vai seu reino?
Então Clésis surgiu elegante como sempre. Usava um paletó preto por cima do vestido igualmente preto. Os sapatos idem.
E num estalar de dedos, vieram os quitutes e o vinho. Nossa Senhora!!! Nunca tinha comido e bebido tanto como agora. Até fiquei mais sorridente.
Depois do desjejum ela nos entregou dois guarda-chuvas alertando sobre as fortes chuvas que costumam cair no reino mais ao noroeste, onde Heloisa é a dona.
Sem mais delongas, despedimos da Clésis e seguimos para o próximo reino. O reino de Heloísa.
Terceiro Reino: Reino de Helena
A caminhada não foi tão longa como a anterior. Eu estava embasbacado com o reino de Helena. Havia muitos casarões antigos localizados próximos uns dos outros e uma praça bem arborizada e ajardinada com bancos dourados e o chafariz idem. Além disso, havia uma estátua do imperador Dom Pedro II no extremo sul da praça. A noite estava calma, porém mais ao leste as nuvens negras se aproximavam e os trovões chamavam chuva.
- Vem temporal aí, Mário!!! Use o guarda-chuva e não fique embaixo de árvores.
- Onde a Helena está agora, Oscar?
- Deve estar em uma daquelas festas onde só os figurões aparecem.
- Vamos procurar de casarão em casarão. Quem sabe a encontramos pra que nos deixe entrar. Não queremos ficar encharcados!!!
Mas querer não é poder. Logo a chuva começou a cair torrencialmente acompanhada de raios e rajadas de vento de 80 km/h. Parecia temporal de filme de pirata antigo.
Por sorte, encontramos um casarão com os lampiões acesos e batemos a porta. Fomos atendidos por um escravo alto e forte chamado Otelo que nos deixou entrar.
Veio nos recepcionar também uma senhora bem apessoada e que usava um vestido longo e negro de tafetá. Tinha um leque na mão para abanar-se do calor sufocante do casarão apesar da chuva fortíssima que caía lá fora. Era Helena.
- Mario!!! O que faz aqui nesta noite chuvosa? Tudo bem que não me visitas há um tempo, mas não precisava se arriscar assim. Está todo encharcado. Otelo irá providenciar roupas novas a vocês. Encontre-me lá no salão azul para o baile. O imperador estará honrado em conhecer o dono do reino do norte.
Eu estava assustado e ao mesmo tempo ansioso. Iria conversar com o imperador do Brasil em pessoa. Aquilo só podia ser um sonho. Mas entrei na dança, certo? Portanto, teria que dançar. Deram-me roupas novas e fui ao salão conhecer o rei Dom Pedro II. Estava apreciando a Quinta Sinfonia de Beethoven que era executada com maestria no piano por uma bela mulher.
Cumprimentou-me com respeito e falou que era uma honra conhecer um rei tão garboso como eu.
- É com reis como você que a monarquia jamais cairá. Quem sabe com a festa esquecemos os problemas com a Guerra do Paraguai.
- Relaxa, magnânimo!!! O Brasil vencerá essa guerra contra os tiranos paraguaios.
Dei um tapa no ombro do imperador que o surpreendeu e deixou os convidados perplexos. Saí do baile para conversar com Helena para saber onde era o tal do meu reino. Ela me falou que fica no extremo norte e me recomendou ficar no quarto de hospedes de sua personagem esta noite até a chuva passar.
No dia seguinte, fomos nos despedir dela e partimos em busca do meu reino usando belos cavalos.
- Qual é o próximo reino louco agora, Oscar?
- Por favor, seja mais razoável desta vez, Mário. O próximo reino é o da Gisa que está localizado a 100 km a sudoeste daqui.
- Bem, o que estamos esperando. Vamos ver o papel dela no meu sonho.
- Isto é realidade. Nunca se esqueça disso. E não se intrometa nos assuntos dos reinos alheios, especialmente com o dela.
- Alright, Alright...
E sem demora, chegaríamos ao quarto reino. O reino de Gisa.
Quarto Reino: Reino de Gisa
- Esse lugar é bem diferente dos outros, Mário. Promete que vai se comportar?
- Sem problemas. Só quero sair dessa loucura toda.
Diferente era pouco. Havia nesse reino contrastes gritantes entre a parte antiga e a parte nova. Na parte antiga havia castelos e templos, bem como um chafariz parecido com o da Heloisa só diferindo-se da prata e das estátuas de sereias existentes nela. Ali os casais namoravam nos bancos da praça antiga com um romantismo sem igual e nos templos ocorriam cerimônias com os deuses da natureza. Já na parte nova havia muitos salões de dança, bibliotecas, prédios modernos, pubs, auditórios e um enorme teatro. Na praça nova havia uma estátua de Stoneman, o herói local que protagonizou diversos feitos guerreiros como expulsar os gregos que fustigavam o reino de sua criadora.
Fiquei impressionado com a vitalidade desse reino. E alarmado com os perigos imprevisíveis que poderia surgir. Fui na parte nova da cidade em busca de informações sobre o paradeiro de Gisa e encontrei um casal dançando freneticamente a música dos Beatles “ A Hard Day Night”. Oscar me disse que eram João e Maria.
- Eu gostaria de saber onde a Gisa está? A criadora de vocês.
- Ela está no teatro dirigindo uma peça chamada Pais e Filhos. – disse Maria
- Obrigado. Essa música é boa pra dançar?
- É sim. Preciso ensaiar minha dança para o show dos Beatles que ocorrerá no salão do pub Eleanor Rigby. Agora vá embora antes que o João perceba. Ele é muito ciumento.
- Os Beatles? Aqui!!! Mas eles nem...
Nem deu tempo pra completar a frase. João apareceu e me empurrou ao chão, ameaçando me matar ou coisa pior. Tentei explicar que não era o que estava pensando, porém, nada adiantou. Agarrou-me pelo colarinho e jogou-me como saco de batatas.
Oscar me viu naquela situação humilhante e balançou a cabeça negativamente.
- Bem feito. Não tinha nada que cantar a menina.
- Mas eu só pedi a informação pra ela. Nem ia ficar muito tempo ali. Aquele gorila incompetente me jogou longe.
- Tu me chamaste de quê? Repete se for homem!!!! – disse João
- Escuta, gorila incompetente, podemos conversar?
Não podia ter feito burrice pior. Levei um direto no olho e voei por mais de 30 metros até se espatifar em uma lata de lixo. Foi bem feito pra mim por deixar de ser besta.
- Eu te avisei, Mário. Esse reino é muito perigoso. Agora vamos dormir que está ficando tarde e a lua está bem alta. – disse Oscar
Arrumamos o acampamento e dormimos curtindo a bela noite estrelada. Não conseguia dormir com o olho direito inchado do soco que levei de João. Apareceu uma bela mulher na minha frente. Alta, loura e com um corpo sarado estilo Gisele Bündchen. Convidou-me para entrar num dos castelos e que a seguisse até a um aposento vazio. Fechou a porta e me agarrou com vontade. Os beijos rolavam e as carícias também. Por Deus!!! Era como se estivesse no Céu!!!
As roupas não eram mais necessárias e as arrancamos com vontade. Mal sabia eu que tinha arrancado também a pele da mulher que revelava uma horrível escama verde de lagarto. Não um lagarto, mas uma salamandra. Era o Teiniaguá, aquela das lendas do Simões Lopes Neto.
Soltei um grito de pavor e fugi porta afora pelado mesmo. Corri desesperado até o acampamento e acordei Oscar com esperança de que me ajudasse.
- Oscar, me ajuda, pelo amor de Deus!!! Havia um lagarto horrível e eu achei que fosse um mulherão. Ainda bem que ninguém me viu desse jeito.
- Mário, todo mundo está nos vendo.
- Porquê? O que foi que eu fiz?
- Tu estás nu, Mario!!!!
Não tinha percebido a mancada que provoquei. Todo mundo viu minha corrida desabalada sem roupa e acharam enorme minha coragem de mostrar meus “atributos”.
No dia seguinte, Oscar e eu, ainda envergonhado com o triste espetáculo da noite anterior, fomos ao teatro e encontramos Gisa dando as últimas instruções aos três pais e seus filhos de como proceder na cena teatral que se desenrolaria. Usava um abrigo preto da Adidas e tênis de caminhada. Me viu e deu uma bela gargalhada, balançando a cabeça em sinal de reprovação pelo meu ato.
- Já fazia tempo que não me visitava!!! Mas me chegas aqui e apronta uma vergonha dessas correndo nu pelas ruas e com o olho roxo!!! Te lembra que avisei do Teiniaguá há muito tempo atrás? Mas parece que tu faz de surdo!!!
- Desculpa, Gisa. É que me excitei com aquela mulher e fui atrás dela sem pensar em nada a não ser despi-la e amá-la.
- Homens!!! Sabe qual o problema de vocês? Pensam demais com a cabeça de baixo ao invés do cérebro altamente desenvolvido e do polegar opositor. Tu teve sorte de sobreviver por mais de três minutos no meu reino.
- É!! Tens razão. Como fui tonto em fazer isso. Como faço pra encontrar meu reino?
- Já está perdido de novo? Mas não se preocupe. Estás perto dele. Talvez o Max possa te ajudar. O reino dele está 30 quilômetros ao sul. Será fácil encontrá-lo. Da próxima vez que nos encontrarmos, sugiro que se apresente bem vestido, certo?
- Ta bem, Gisa. Escutarei seu conselho.
Nós nos despedimos dela e Oscar e eu partimos rumo ao quinto reino. O reino de Max.