Em busca do tempo perdido
Durante muito tempo, costumava deitar-me cedo. Na casa do meu avô era comum que se dormisse com "as galinhas", como se diz hoje em dia. Naquele tempo não havia televisão ou qualquer outro entretenimento que levasse as crianças a deitarem-se mais tarde.
Acordávamos mal raiava o dia e corríamos para o curral. Tínhamos como tarefa ordenhar Miracema, a vaca leiteira premiada de vô Tonho. O que mais gostava era de tomar o leite acabado de sair de suas tetas. Quente, espumoso, uma delícia a escorrer goela baixo.
Bons tempos, boas lembranças, fatos que não voltam mais, nem que se queira, mas que estão guardados na algibeira das lembranças.
Durante muito tempo, costumávamos almoçar às dez horas. Vó Lourdes sempre estava com a comida pronta, qualquer fosse o dia da semana, às nove e trinta. Os peões da fazenda levantavam cedo, esta era a justificativa que ela dava sempre que alguém da cidade se queixava que a comida poderia sair mais tarde. Costume de roça, de gente que acorda antes do galo e a que o povo da cidade não se acostuma de jeito nenhum.
Não me recordo de quando comecei a levantar tarde, acho que foi na época da boemia, quando o raiar do novo dia sempre me encontrava na rua ou na casa de alguma rapariga. Parece estranho, mas não sinto saudades desta época, e sim do acordar na casa de vô Tonho e vó Lourdes. Foram estes os melhores dias de minha vida. Dias em que o sol sempre brilhava, em que se comia fruta no pé, saboreando a juventude em gomos, deliciosamente.
(*) Texto inspirado no livro de Proust, Em busca do tempo perdido.