Vovó Quelé
Vovó Quelé
Minha vó na cadeira de rodas lendo o jornal correio do dia. “Cadê a página de putaria. “Vovó, não tem putaria nesse jornal”. Ela ficou doente e desde então só pensava em sacanagem. Hora de tomar banho, Vovó. Só depois que eu achar uma anuncio de um garoto de programa. Estou louca pra pegar um desses de revista. “Deve ser bem caro”. Eu ajudava a procurar. Mesmo sabendo que não ia achar nada. Prometia olhando nos seus olhos, assim ela me obrigava, a comprar um jornal que prestasse no dia seguinte.
Vovó , para com isso. vai tomar chazinho e descansar. Chazinho é cosia de velho. A gente não ligava não. Era doença. Lembro dela tão recatada. Não dizia nada que desse vergonha e cada vez que ouvia alguma coisa ficava vermelha e reclamava de nossa boca suja. “Gentinha do vale que andava com essas palavras na boca. Vale era um lugarejo perto daqui, onde morava a as prostitutas da cidade. No tempo em que ser puta era um bom negocio.
Estava sempre criticando quem não tinha muito pudor nessa vida. Você gosta de meus peito? Gosto vovó, agora toma seu chazinho. Tô com uma coceira no xoxota. Você podia arrumar um vagabundo pra mim. Estou louca pra foder. Se eu pudesse sair dessa cadeira de rodas eu ia aprontar todas. Seu avô era muito ruim de cama. Me deixava com fome. Não aguentava apagar meu fogo. Nunca gostei dele. Gente mole, não serve pra nada. “Por que a senhora ficou com ele? “Porque me tolerava, e tinha aquela fazendinha. Me dava segurança...o dinheiro conta muito Julinho. Espero que já saiba disso. Seu avô nunca foi rico, mas sempre me deu conforto.
Apesar de estar doida, nunca vi uma pessoa falar com tanta sabedoria. Parece que a loucura serviu pra sarar ela da vida que escondia. E que agora sente livre pra mostrar, quando já está velha e não precisa esconder mais nada.
Eu nem sabia o que dizer pra ela. passou a dar vergonha ficar perto. E quando chegava gente em casa. Minha mãe mandava esconder a velhinha, porque passou de uma hora pra outra esfregar o dedo na xoxota e cheirar. Hummm. Fazendo sozinho de sacanagem. Aquilo deixava a gente constrangido perto das visitas. Me tira desse quarto. Gritava. Seus mal agradecidos. Quero sair daqui. Quando levantar dessa cadeira!
Não tinha jeito. Era obrigado a prender pra gente também não ficar como ela. De uma hora pra outra todo mundo em casa não via mais motivo pra ser tão sério. Era comum escapar palavras como cu e boceta por qualquer motivo, sem sentir que estava falando palavrão. Sem a certeza dela, a gente estava perdendo o prumo.
Era até então e uma santa, uma pessoa que sabia todas as coisas certas. Agora não dava pra saber se era a doença ou se ela fingiu a vida toda. Por causa do seu jeito recatado todo mundo aqui em casa queria imitar minha vó na honestidade. Agora fico pensando se toda essa preparação pra ser certo foi uma coisa de mentira.
“Vai levar sua vó pra passear”. Minha mãe jogava nas nossas costas essa responsabilidade, Pois nem ela queria ficar perto da coitada. “Eu não quero”, respondia Eduardinho. “De jeito maneira”, gritava Vilma. Eu to fora, falava João. Sobrava pra mim, que não tinha coragem de dizer não pra minha mãe.
No caminho até a praça, eu andava como se uma multidão estivesse me olhando. Quando passava alguém, um homem qualquer. Ela gritava. “Você tem cara de ter pau pequeno. Mesmo assim eu papo. Julio, dá pra ele meu endereço”. E algumas pessoas levavam a sério. Não dizia que minha vó ficou doida, dizia que ficou sem vergonha. “Esse povo dos Ambrosino, é tudo sem vergonha. Aquela veia nunca me enganou. Já aumentavam a historia pro veneno matar com crueldade...
Até um pouco antes da doença ela tinha um altar com retrato do marido. Ele de uma lado e nossa senhora do outro. Colocava um vela pela manhã outra tarde. Mesmo depois que morreu, não deixou o marido, que mostrava ser a coisa mais importante da sua vida. logo depois, quando pirou, rasgou o retrato e fez uma carta de amor enorme pra um compadre, um tal de Abdias. Dizendo que nunca esqueceu e que aquela tarde ainda perturbava sua cabeça. Que era pena que não aceitou fugir com ele. Li e perguntei pra ela o que aconteceu e ela me disse tudo, que não foi uma tarde foram anos de encontros. O marido saia e ele pulava dentro de casa. “Me fodia o dia todo. Quando Zacarias chegava estava com a boceta ardendo”. Fiquei vermelho. Achava que fosse invenção a pesar da verdade que contava aos casos. Logo depois apareceu outro e outro contado. Não dava contava das aventuras de Vovó Quelé. “Gostava de ir no rio. Tomava Banho e depois me enfiava pra cima perto da fazenda de seu Fernandes. Ali sempre tinha um moleque novo que gostava de uma mulher casada. Nunca gostei de velho, quando seu avõ morreu, dei graça as Deus, ir pra cama com ele era nojento. Dava vontande de vomitar naquela barriga mole dele. Já os meninos mais novos tem lenha e safadeza.
Perguntei quando Começou. Ela disse que na primeira semana de casada já pegou um vizinho de chácara . Ele não saia mais de casa. Também, comidinha e a tarde toda no lago dos fundos. Lugarzinho que viu coisa!” eu abaixava a cabeça...”Meu avô nunca descobriu?” Seu avô era um besta. Só pensava em colheita e pescaria. Não sabia de nada. E mesmo que soubesse não acreditaria.
Deixava ela no coreto um minuto pra comprar alguma coisa, quando voltava estava rodeada de gente, revelando coisas da nossa vida. não escondendo mais nada, e pimentando tudo com suas histórias da época do casamento. Cada caso era terminado por um gargalhada invencível, empurrando pra fora algum demônio.
Eu afastava todo mundo dizendo que o banho de sol tinha encerrado. Todos riam da minha cara porque sabia que eu estava inventando coisas pra tirar ela de lá. Com os banhos de sol dela, o nome de nossa familia estava cada vez mais na lama.
“Você tem vergonha de mim não é Julio?”. Tenho não vovó. Tem sim. Quer me esconder a todo custo. Ela sabia de tudo. De doida ela não tem nada. Só ficou pilantra, pensava isso dela. A noite deitada na cama gemia de tristeza e dor. Aquilo anulava toda a raiva que passamos durante o dia. Ia até la e via aquela velhinha deitava com a respiração curta. Tremendo os lábios pedindo pra ir logo embora. Quer água vovó?, interrompia seu pedido com medo de que fosse atendida. Ah!, espantava. Me olhava e virava para o outro lado e adormecia. Sentava na mesa da sala com uma revista qualquer preocupado de como uma pessoa pode ser tão cheia de coisas e a gente nunca percebe.
Depois de uns meses nesse estado. Ela aos poucos foi parando de falar putaria. A única coisa que tinha agora era tristeza. Sentia falta dela dizer as coisas dela, isso lhe dava algum vigor. agora no banho de sol, a cabeça caia para o lado e esmorecia até que trazia ela de volta. Deitava ela na cama. E os olhinhos fixos na parede não via motivos pra se mexer.
“A senhora não quer contar uma daquelas historias?”. Não preciso mais não, Julio, já desabafei tudo. “Conta assim mesmo. eu gosto de ouvir”.
Não tenho mais vontade. Já contei quase todas e as que sobraram não me dá mais vergonha. Vou pegar um café então pra senhora. Ta bom.
Numa manha de sol, “vou comprar um refrigerante, já volto vovó. Quando retornei segurava o vestido com as duas mãos, aparecia um pedaço de suas coxas, ainda branca e sem varizes. As mãozinhos prendia o vestido como se fosse o amor de sua vida. a boca aberta, não trocava mais ar com o mundo.