Luz desbotada

Roia as unhas, na esperança de que o dia passaria mais rápido. Não passava. O ódio não é recíproco, apenas eu odeio. Não quero gastar meu tempo, com quem eu não quero, mesmo sabendo que o dia se fora, e preferiria lançá-lo ao magma, mas continuava ali, entre estranhos.

Um barco preso ao cais, estável, suscetível à má vontade de resquícios de ondas, que dão enjôos, assistindo a oxidação de compartimentos, a deterioração da estrutura no decorrer das horas. Deseja lançar-se ao mar, encontrar a tênue liberdade de se perder no azul, sentir a brisa, entregar-se aos desejos, se os tinham.

Em meio aos cigarros acesos, no jogo de baralho acompanhado a berros, que comprovam as analogias naturalistas, me encontrava, apenas assistia a futilidade dos presentes, eu, impassível, numa estabilidade mais que egoísta, num querer detestável. A todo instante interrompem minha filosofia, minha disparidade com aqueles atos me fizera hermético. Estas doentes? Não me custa responder que sim.

As senhoras não disfarçavam ao lançar seus olhares aos machos, visitas! E ninguém as queria, ninguém queria usufruir daquelas ancas, atiradas, no qual a maldade as tornaram podres. Vomitavam quando se tornava impossível deglutir mais álcool, me chamam para assear. Mas não me odeiam, querem me tornar útil, dessa forma, não me odiariam.

E meu dia permanecia, em meio a sujeira, fazia questão de permanecer imóvel, não queria se despedir, uma má visita, espaçosa, daquela que esquece que se deve ir, aquela insistência que me mantinha fazendo sala, talvez me apreciasse, apreciava ouvir minhas lamentações, talvez eu fosse uma boa pessoa, mas isso não é o suficiente. Todavia, continuava ali, para ter companhia.

Era uma sala pintada, grotescamente de branca, cor que, com pouco tempo tornara-se tímida, dando espaço à poeira que provinha da rua. Dois simples sofás, um grande tapete azul que o tempo deixara desbotado, uma máquina de costura aposentada por muito tempo, ali permaneço, em frente a televisão, incumbido de assistir aos menores, enquanto a senhora e suas irmãs aproveitem seus dias. Quase sempre o dia é feito de dias.

Qualquer movimento me tira da zona de conforto, mesmo que pouco a tenho, assim, prefiro me manter estático, mesmo que tudo esteja contra minha inércia. Embebido ao meu dia, meus pensamentos voam para outro mundo, contudo, o comodismo se sobressai.

É insuportável ouvir a voz da senhora que insiste em reclamar. Suas próprias frustrações me fazem submisso, sei onde erra e o que faz, mas nada posso fazer além de escutar. O dia não dá espaço para noite. Eu preciso da noite, a desejo, é a esperança de que eu veja algo além do que me conforma. É a esperança de que um novo começo está a caminho. Entretanto, fica meu dia, um fardo que carrego e que nunca me dá descanso, que me pressiona ao chão. O dia que eu não sei quando acabará, e se pretende acabar, que me dá a sensação de que sempre haverá algo que eu nunca poderei mudar, me cega à ferro, nunca haverá outra coisa além do mesmo começo, um casulo que me impede de explodir, de liberar o que me mantém pesado, de esperar melhoras.

E assim permanecem eu, e meu dia, sufocante, que não pretende se dar ao luxo de ser dia.

Conformismo, quero naufragar em um ciclone, que me leve às profundezas do mar, que me rodopie até sentir o êxtase de estar exaurido, de ter o tudo, por não haver nada. Ser consumido pouco a pouco pelas águas, que me falte oxigênio, para subir a superfície com ânsia, que me entorpeça. Que me falte o ar! Que o caminho seja marcado de dor, de ódio, de felicidade, de loucura, de anseio. Sentir é necessário! Estabilidade é apenas mais um dia, desses que passam freqüentemente, e que de tanto serem vistos, não são mais notados, são igualados, e ficam. Que tudo se fragmente em extremos! Quero ser bom, quero ser mal, quero ser, apenas isso me importa. Nada mais faz sentido, não precisa ter! Basta ser, o verdadeiro intuito. Vou sentir!

O relógio me desperta, são 3 horas, todos dormem. Levanto sem que qualquer indivíduo perceba. Ponho minha preferida camisa, houvera ganhado de Lucélia, que há muito tempo se fora, se fora pela angústia de ter tido a prole que teve. Enfim minha noite.

A lua tem uma luz que nunca tivera antes, parece que fizemos um pacto, e ao seu redor, discretas estrelas, talvez estejam envergonhadas por serem tão imperceptíveis, ou talvez o brilho lunático tenha roubado todo o destaque.

A brisa bagunça meu cabelo, que já não estava muito arrumado, uma brisa fria dessas que passam e gelam a espinha dorsal, e sacodem toda a alma, todavia, a camisa basta, não haverá necessidade de uma nova peça. Fora dos portões, caminho, sob a abatida iluminação pública.

Caminho como quem não quer chegar, ainda não está na hora, penso, a rua vazia, um vazio confortante, que me atrai, pois dá espaço para o meu vazio, prossigo, valerá à pena! Algo que poucos tiveram. Sair da orbita, monótona por natureza! As sensações, que venham as sensações! O limite, o desvario, tudo que nunca fora usufruído antes, o barco enfim abandona o cais!

É chegada à hora, está próximo à alvorada, o barulho está ao longe, porém posso ouvi-lo, meus sonhos aparecem, tudo dará certo.

O som se aproxima gradualmente, devo me preparar, desabrocham arrepios, que me impedem de pensar, perco os movimentos. Apenas meu ser sendo. É chegada a hora, me recomponho, encosto minha cabeça. Vem-me uma luz tão intensa que penetra minha epiderme, queima, sinto meu corpo latejar... O barulho torna-se extremo... Está perto! Tento me levantar, mas a sensação me estimula a voltar para baixo, o êxtase nunca detido, me arrepio, novamente, um arrepio duradouro, que começa nos pés e perdura até tocar a cabeça, minhas mãos estão tremulas, meu corpo arde como fogo bem alimentado, a luz está muito próxima. Me falta o fôlego, meu pulmão se comprime, chego ao ápice do encantamento, minha boca seca, meus lábios cerram-se com veemência.

Sinto o pânico, o sentimento mais puro existente, defronto com a beleza de estar em desespero. Encontro-me de olhos arregalados, suando frio, e se eu correr? Abandonar tudo! Entretanto, meu corpo não me obedece, me diz que assim é melhor, não quer voltar para a conformidade. Não me conformo, pela primeira vez, contudo não tenho a autonomia de ficar em pé. A alvorada assiste demasiadamente ao espetáculo, o barulho está rente os meus tímpanos, os trilhos tremem, em meio à luz desbotada, pressinto muito perto... Um novo tempo, sem munir-se de ponto

Denner Sampaio
Enviado por Denner Sampaio em 06/11/2011
Reeditado em 17/11/2012
Código do texto: T3320510
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