AS PIPAS DE KENEDY - Maria Luiza Bonini
AS PIPAS DE KENEDY
Maria Luiza Bonini
Desde cedo, o pequeno Kenedy revelava a todos, que nascera com o dom de comercializar.
Praticava o escambo, trocando as pipas que confeccionava com papel de jornal e cola de farinha, por algum alimento que pudesse atenuar a fome, que insistia habitar em sua vida e dos seus cinco irmãos.
Tinha consciência de que, para sobreviver, sua vida seria uma luta sem tréguas.
Era um menino pobre, de pai desconhecido e de uma mãe
que caíra na desgraça de uma dependência alcoólica, talvez para fugir da realidade e da responsabilidade que deveria enfrentar.
Com seus oito anos, mal vividos, trazia consigo a maturidade precoce de um adulto, cônscio de uma responsabilidade que não lhe era devida. A sua clientela era formada por crianças da mesma idade dele, que podiam adquirir o seu produto e dele usufruírem.
Não dava conta das encomendas.
Suas pipas de papel jornal, tornaram-se sonho de consumo de toda a criançada da comunidade onde vivia.
Do escambo por alimento, Kenedy consegue passar a receber em moeda.
Cada pipa custava um real.
No decorrer de algum tempo, tinha juntado o suficiente para comprar um radinho de pilha.
Levou para sua casa alguma coisa a mais do que alimento do corpo.
Agora, haveria música e poderiam ouvir as notícias transmitidas pela rádio local.
O locutor transmitia e repercutia os fatos de interesse da comunidade.
É quando, observado pelos olhos da maldade, recebe um convite.
Seu trabalho árduo, poderia ser convertido em uma leve participação em um negócio extremamente lucrativo,
que levaria ele e sua família a terem tudo o que aspirassem.
Crédulo e isento de qualquer dúvida, passa a integrar um poderoso grupo armado.
Kenedy passa a receber o que jamais sonhara.
Sua missão era bem simples.
Deveria observar, armado, o vai-e-vem e comunicar, por rádio, o que surgisse fora da rotina.
Assim, nosso menino aprendeu a usar um poderoso armamento que o tornara respeitado, como se um soldado fosse.
Mas, um soldado, era !
Um soldado a defender algo que não sabia bem do que se tratava.
Dos riscos que era alvo, ignorava,
até morrer, feliz, com a pesada metralhadora nas mãos, sentindo-se herói.
Kenedy é um herói!
Um herói desconsiderado pela sociedade, por sua luta pela sobrevivência. Naquele dia, o radinho só transmitiu música.
Não havia notícia alguma, digna de nota, a divulgar.
Julgue, se for capaz !
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São Paulo/Brasil
Nov. 2011