CORAÇÃO ADOLESCENTE
Já escurecia e apesar da chegada da noite, João Vitor sentia um intenso calor. Caminhava pela praia e ouvia o barulho das ondas nas pedras, quebrando violentamente, com um barulho quase ensurdecedor, mas inaudível para ele. Ele não prestava atenção naquele belo cenário no finalzinho da tarde. Poucas pessoas ainda estavam por perto. No domingo, muitos se vão mais cedo pra casa, para suas vidas particulares e trancadas nos seus lares. Ele estava em êxtase profundo, não sentia o frio da água que estava molhando seus pés descalços. A calça jeans estava dobrada e ele carregava o tênis nas mãos. A camiseta verde estava molhada de suor, num completo contraste com o clima ameno daquele dia. Seus cabelos pretos e curtos estavam sujos de areia da praia, evidenciando que ele estivera deitado por um período longo, a pensar em algo. Não era em algo, mas em alguém. Ele andava pela praia cantando desafinadamente e de forma desajeitada uma dessas canções que a gente se permite quando o coração está no comando.
Durante aquela tarde havia sido realizado um grande sonho. Fernanda, a menina mais linda do colégio aceitara aquele velho convite pra sair e tomar sorvete com ele. JV, como os colegas o chamam tem quinze anos e está descobrindo o mundo. É alto e já está cheio dos sonhos adolescentes. Quer uma família, quer um mundo melhor, quer defender o meio ambiente... quer tudo. Quer mesmo o amor e o carinho dela. Ela é de estatura mediana, tem cabelos pretos ondulados e um rosto moldado pelo melhor dos escultores. Tem um sorriso encantador, capaz de dissipar nuvens sobrecarregadas e um olhar enigmático, que parece penetrar na alma da pessoa visualizada. Meiga, não liga muito pra moda e essas coisas de menina. Anda do seu jeito, da forma que a faz sentir-se bem.
A praça tinha sido o local escolhido. Também não poderia haver outro. No Arraial das Flores não há muitos lugares para se visitar: poucas ruas, casas raras, uma praça onde as pessoas vão passar os fins de tarde, bem à beira do mar. Para qualquer canto se vê um pedaço de paraíso. A igrejinha de uma só torre lateral é dedicada a Nossa Senhora da Anunciação, e apesar de ser logo do início da colonização, tem formas geométricas simples, sendo uma maravilha de se contemplar. Ao alto, um sino trazido de Portugal dá os recados à população ainda hoje. Ao fundo, atrás da rua principal, uma moldura divina, a Serra do Mar, com a mata Atlântica como decoração. Bem de frente à praça, o mar... Ah o mar! Pedras e praia transformam o lugar no paraíso de JV. Foi ali, na sorveteriazinha de uma porta só que eles passaram a tarde toda. Riram, conversaram, se olharam, confidenciaram segredos durante horas.
Ele revelou que vai seguir a carreira de seu pai, ambientalista, e ela, entusiasmada, disse querer ser veterinária. O sorriso bobo de ambos demonstrava a eterna vontade de ali ficarem por toda a extensão do dia e adentrarem a noite. Em boa parte do tempo eles nem conversavam, apenas se olhavam e se viam na pupila dos olhos do outro. Sorriam inocentes sentimentos e sonhavam um mundo em que seus braços se entrelaçavam num abraço eterno e suas almas ficassem unificadas na infindável vida. O amor nascia em forma de paixão avassaladora, embora apenas tivessem trocados alguns beijos pouco ousados. Ela é muito tímida, acostumada a gente pouca. No arraial, apenas nas férias escolares o movimento aumenta por causa da Praia dos Amores, onde está a praça da cidade. É uma praia simples, apenas um barzinho com uma música ao fundo e alguns poucos turistas de fim de semana, que ficam na capital e ali passam o dia. Talvez por quase não sair de casa, fica constantemente vermelha com qualquer elogio. JV é mais atirado, mais ousado, mas não quis precipitar. Só quis contemplar os belos olhos negros de Nanda.
Ambos estiveram sentados bem ao lado do outro, dividindo o mesmo lado da mesinha e a mesma visão do mar azul de ondas comportadas. O ar úmido e fresco, entrava em seus pulmões e enchiam a alma de um sentimento estonteante e de uma milagrosa felicidade que se encaminhava em cada parte do seu corpo.
João Vítor estava dando passos desarticulados pela praia e em sua mente visualizava sua casa à beira mar, Nanda trabalhando com ele e dois meninos lindos como filhos num futuro tão desejado. Sonhar é sua especialidade. Andava pela praia observando o mar e ouvindo as ondas sem se dar conta que já escurecia e que os turistas se foram. Senta numa pedra e admira já no céu a lua cheia, grande, radiante, como o amor que estava sentindo dentro de seu coração. JV vive um êxtase místico tal qual os grandes santos. Seus pés não tocam o chão e seu corpo flutua com as nuvens, parecendo pairar sobre as ondas que rebentam nas pedras e lhe molham todo o corpo ainda suado. Ele se levanta ao observar que a lua já está no meio do céu, denunciando hora já avançada. É quando JV percebe que não há mais ninguém ali por perto, parecendo acordar do seu sonho. Ainda assim volta os olhos para as ondas que incessantemente chegam e saem da praia, numa demonstração de vida contínua, futura,constante... E se vai dali para casa, respirando aquele ar úmido e frio da noite, rindo feito bobo, coração apaixonado, saltitante no peito.
Nanda olha pela janela de sua casa a observar a lua naquele mágico momento, sentindo o gosto do beijo da tarde. Seu sono se foi, sua TV ligada em um canal qualquer, ela suspirando paixão à espera do novo dia. JV chega em casa, sua mãe louca de preocupação dá o maior espalho. Ele apenas sorri de maneira inconsequente e vai entrando com olhos brilhantes e pele vívida, olhando para a mãe que fica pasma, sem nada entender. Deita-se na cama após um longo banho restaurador, mas não dorme. Leva constantemente os dedos aos lábios, sentindo o coração pular peito afora ao sentir o cheiro impregnado de Nanda e o gosto dos lábios dela tocando os seus. O corpo jogado na cama, o som preferido no ar, estômago sem fome, olha apenas o céu pela sua janela e as estrelas dançando no firmamento ao som de sua paixão e sob o frescor do mar que é seu quintal.
Ao pé da montanha, do outro lado da praça, numa casa que tem a floresta como quintal, Nanda respira o ar virgem da mata, e dorme, e sonha... JV também sonha, mas acordado, anunciando a sua primeira longa noite de paixão. E a vida lhe reservará tantas outras num futuro indecifrável, talvez incontido, possivelmente arrebatadoras, tragicamente devastadoras ou inundadas de uma água que sustenta toda uma vida, tal qual o furacão interno no peito do garoto que acabou de descobrir que o mundo é muito maior que o Arraial das Flores, e da Praia dos Amores, e da Igrejinha da Anunciação, e da sorveteria de uma porta só...