Céu e Mar

Ele tinha sede, ah... e que sede, aquela sede que abre cada poro do corpo, que expõe a alma, e faz entrar uma ardência crônica. Podia dizer que a boca salivava, mas não era verdade, nem lembrava como era, a boca inundada, água, isso era sonho, distante, como o mar, ah... o mar, aquele monte do liquido que ele tanto precisava, tão parecido com o céu, mas tão diferente, na verdade o céu não era mar, o céu só fingia ser, mas ele não queria céu, queria mar, suportaria até o gosto salgado, um tanto amargo que o mar lhe propiciaria, ele agüentaria, sim agüentaria. Se imaginou nadando, naquele mundaréu de água, tão precioso, o saciaria, com toda certeza. Não tinha em casa o que procurava, havia água, é bem verdade, mas ele não queria aquela, tinha que ser outra, tinha que ser água nova, aquela não, aquela todo mundo tinha, bastava apertar o botão, girar a pequena manivela, e qualquer um teria, transbordando, tinha que ser outra, água de verdade, água pura sem maquiagem, água limpa, ele estava cansado de ter que ter aquela água todos os dias, pressionado a aceitar, senão morreria, com sede, mas chegou a conclusão que preferia morrer, não aceitaria de novo, não de novo. Pensou em fazer muita coisa, mas não, não fez, estava cansado demais, ah... que cansaço, pensava, não tenho mais como levantar, estou perdido, estou com sede; mas pensar em água não bastava, ainda tinha sede, queria poder navegar, perdido no mar, queria poder passear pelas ondas nas quais o mar lhe envolveria, e nunca mais ancorar, mas não era possível, não havia como, estava perdido naquela teia de aranha, sendo comido vivo a cada dia, perdendo uma respiração cada vez que utilizava, sendo tragado como cigarro, ele queria água, lhe ofereciam pão seco, ele queria água, lhe oferecia whisky, ele queria água, lhe ofereciam céu, sempre céu, só céu, estava trancado, fechado nas paredes de gesso que construíram em sua mente, estava trancado por propagandas que lhe mostravam o quão era feio, o quão era errado, o quão era pobre, o quão triste era não poder, não ter, não ser. Ele era feio, errado e mal, mas por vezes, para compensar tanta dor, fingir que está tudo certo, acalmar, ele era colocado com o herói, o bonzinho, afinal apenas ele casaria no final, apenas ele; cada vez que pensava assim imaginava Clarice se remexendo no túmulo, rindo-se, rindo-se dele, mas o que ele poderia fazer, era quase um pacto, aceite e viva, aceite ser preso apenas mentalmente e não te prenderemos fisicamente, aceite engessar a mente e vivera com os braços livres, sem camisa de força, e talvez o palitó de madeira só lhe caiba depois dos setenta, talvez só depois dos setenta; estava perdido mesmo, era melhor viver como eles queriam, manter as idiossincrasias guardadas, e não precisar mastigar balas forçadas, era melhor ser como todos esperavam, andar na linha, afinal pensariam que ele não estava bêbado, bêbado da água que ele queria, a água que regeria sua alma, e por hora aceitar o vinho que lhe ofereciam, comer o pão escasso, afinal o céu era o certo, só o céu era o certo.

Amanda França
Enviado por Amanda França em 03/11/2011
Código do texto: T3315039
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