Flerte Fatal
Você está sozinho. O apartamento, sempre pequeno, parece triplicar de tamanho. O corredor que logo dá da cozinha para o quarto parece ser infinito e você não sente forças para continuar. Para. Pega o maço. As mãos tremem e você pragueja. O cheiro de álcool da sua boca te sufoca, o gosto amargo te engasga. Você tenta gritar, mas o que sai é algo entre um arroto do que não existe mais e um gemido sem motivo. Cambaleia para o quarto, aos tropeços alcança a cama. Culpa a solidão. Culpa os amigos que não estão presentes. Culpa o organismo que já não aguenta como antes. Xinga alto e o nada te ouve. E, parafraseando aquela frase que não sai da tua cabeça, quanto mais você grita para o nada, mais o nada te ouve. De quem é a frase, afinal? Não sabe. Faz diferença? Tudo um grande foda-se.
Respira fundo tentando controlar os rodopios que só existem para você. O relógio ainda marca 1 da manhã e parecem que ainda existem mais 24h até você precisar levantar de novo. Tudo dói, nada acalma. O silêncio mais enerva do que tranquiliza, mas você não tem mais força, nem para incomodar aquele vizinho filho da puta que merece. Fecha os olhos. Os rodopios aumentam e ganham formas em meio ao escuro.
Olha o celular, pode estar sem bateria. Bateria cheia. Sinal idem. Os dedos formigam ao pensar em telefonar. Para quem? Para quem não te quer mais. A voz vem na sua cabeça entorpecida. A risada zombe baixo em seu ouvido. Você joga o celular longe e ele bate na parede. Desesperado, você corre pra pegar. Se arrasta, pesado, cansado. Tudo bem com ele, nenhum dano aparente. Talvez ela ainda ligue para você. Esperança imbecil que surge no desespero.Você quer cortá-la. Quer se cortar. Quer destruir algo bonito. Mas você é fraco demais para isso. E nisso, nem você se engana.
Fecha os olhos e esfrega com a ponta dos dedos com força até aparecerem pontos na sua escuridão. Se encolhe, posição fetal, meio patético, meio abandonado. Completamente carente. Sem ar. Ar pra que? Ficar sem respirar as vezes te parece a melhor solução.
Mas isso passa. A respiração vai voltando aos poucos. O corpo vai relaxando no chão gelado. Você já sente um suor frio passando pelo contorno da sua pele. Você quer dormir, mas sabe que não vai e isso já não importa. O apartamento voltou ao tamanho original e te prende. Você sabe que a qualquer momento, tudo vai voltar. Mas já não importa. Não se passaram nem 30 minutos, mas não importa. Uma hora, ou um dia, o dia amanhece.