O Casamento
A pequena cidade de Assis acordou em polvorosa, não se falava em outra coisa que não fosse o casamento de Leninha. A notícia havia sido divulgada pelo Jornal da cidade – o Boca. Enquanto as donas de casas varriam as calçadas comentavam umas com as outras a mais recente fofoca da cidade.
Alheia a tudo, na casa de Leninha, a rotina permanecia a mesma, apenas seu Rafael, avô de Leninha parecia ter sentado em cima de um formigueiro tais foram às inúmeras vezes que se movimentava na cadeira. Enquanto isso Leninha olhava para a fatia de bolo em seu prato, procurando descobrir se era realmente um bolo ou algo de outra dimensão.
Seu Alfredo, pai de Leninha, sorvia calmamente seu café enquanto lia o jornal. Dona Duda, mãe de Leninha, andava com seus pensamentos muito distante de tudo aquilo enquanto os gêmeos, Pedro e Tiago, aos nove anos continuavam com suas travessuras normais, beliscando a empregada, dando comida ao cachorro por debaixo da mesa e planejando as próximas maldades. E a cidade fervilhava e fervilhava. Na padaria do seu Manoel alguns moradores estavam tentando montar um placar de apostas. Seria dessa vez que Leninha casava.
Não era a toa que todos estavam tão perplexos com as novidades. Leninha mais precisamente Maria Eulália, tinha 22 anos, era professora, moça de boa família, prendada, bem comportada, mas tinha uma estranha sina. Ela já havia ficado oito, nove vezes noiva, quatro vezes chegou a ir até o altar, mas parece que na última hora alguma coisa acontece. O primeiro noivo foi atropelado por um cavalo, o segundo noivo foi nadar e morreu afogado, o terceiro era um trapaceiro e teve que fugir da cidade, o quarto quando ia dizer sim teve uma crise nervosa, o quinto se descobriu que tinha mulher e filhos em outra cidade, o sexto era uma detento que havia fugido da prisão, o sétimo resolveu ir como voluntário na guerra entre Estados Unidos e Iraque, foi como militante de esquerda a favor do Iraque. O oitavo era um caça-dotes, foi descoberto tentando passar um cheque sem fundo que pertencia ao pai de Leninha. E agora todos pasmos, mais uma notícia de noivado.
As comadres, mães, vizinhas e avós da cidade olhavam Leninha com ares de piedade – coitadinha, que destino triste, diziam. A mãe de Leninha não tinha mais o que dizer – evitava qualquer menção aos noivados anteriores de Leninha. Dona Zuca, avó de Leninha tentava agredir quem viesse lhe falar das desventuras dos quase casamentos da neta. Já os gêmeos, bem, estes adoravam quando lhe perguntavam se dessa vez Leninha casaria, isto porque para eles era um belo motivo para preparar uma traquinagem contra o bisbilhoteiro.
O casamento estava marcado, o noivo era o diretor da escola onde Leninha trabalhava, jovem com diploma universitário. Apaixonou-se assim que viu Leninha – tão frágil, tão meiga, prendada. Foi com enorme satisfação que ao pedir a mão da moça em casamento havia sido aceito. Carlos Eduardo, o jovem noivo de Leninha não entendia muito bem porque cada vez que passeava com sua amada notava que as pessoas passavam por eles cumprimentavam e depois partiam fazendo pequenos cochichos. Certa vez comentou com Leninha, mas a moça respondera que o povo daquela cidade era assim mesmo – sempre achavam estranho um forasteiro, no caso ele. No entanto Carlos Eduardo tinha um problema de saúde que não conseguira ainda contar para Leninha – ele era fraco do coração. Sentia tonturas, palpitações, taquicardia, mas havia decidido – não contaria nada para a noiva até depois do casamento. Tinha medo que ela desistisse.
A cidade estava linda, toda enfeitada de margaridas, as flores preferidas de Leninha, a cidade acordava cedo, cada morador estava afoito para saber se dessa vez Leninha casava. O noivo estava impecável, no seu terno escuro, cabelos reluzentes de brilhantina, flor na lapela. Ao seu lado na igreja estavam seus pais, orgulhosos, afinal era uma boa moça, de família tradicional e tudo. No outro lado estava a mãe e os avós de Leninha tentando não aparentar um nervosismo além do normal. Os gêmeos mais pareciam dois anjinhos, se bem que toda a cidade conhecia a fama e muitos já haviam sofrido na carne as peraltices dos irmãos.
Começa a marcha nupcial, Leninha entra conduzida pelo pai, ela está linda, vestido branco, esvoaçando, um véu enorme, simplesmente maravilhosa. O padre passa um lenço no rosto que já está coberto de suor. O pai entrega a filha ao noivo, enquanto passa no rosto dos convidados um ar de suspense, não se escuta outra coisa na igreja a não ser a voz arrastada do padre. Os parentes de Leninha estão ansiosos, querem que acabe logo a cerimônia, para que desta vez o casamento aconteça. De repente Carlos Eduardo sente uma leve tontura, olha para Leninha e vê seu rosto petrificado – não, desta vez não, pensa Leninha. O padre olha o noivo alarmado, a mãe do rapaz se encaminha para o filho e pede ao padre que pare o casamento. Neste momento todos estão sem fala – será que este morre aqui também comentam as comadres. O rapaz parece que está desfalecendo, Leninha começa a entrar em pânico, neste momento o pai toma uma decisão – pega o seu inseparável revolver e aponta para o rapaz – tu casa primeiro e morre depois. O padre alarmado pergunta a Leninha se ela aceita Carlos Eduardo como marido (esqueceu o resto dos dizeres em função do nervosismo e da arma do pai da moça), olha para o rapaz e faz a pergunta – o rapaz suspira, enquanto ninguém respirava na igreja, olha para a noiva e num suspiro responde que sim, tombando logo em seguida totalmente morto. Os pais do rapaz tentam socorrer o filho, neste momento o povo começa a dar vivas. Os convidados correm para Leninha e a carregam porta afora da igreja, o pai da noiva dá tiros de tanta felicidade, uma alegria que ficará por muito tempo na história da cidade. Leninha havia finalmente casado.