O VASO E A FLOR
J.B.Xavier

Era uma vez um lindo vaso que repousava sobre a soleira de uma janela. Ele estava orgulhoso por abrigar uma linda flor colorida, mas uma dúvida existencial o atormentava: O que era mais importante, ele ou a flor que ele nutria?
Todos os dias o sol se levantava por sobre os telhados das casas próximas, e vagarosamente subia pela parede até banha-lo, e à flor, com seus raios tépidos e revigorantes, e todos os dias, neste exato momento, outra dúvida vinha somar-se à já existente: O que era mais importante: Ele, a flor ou a luz do sol, que o ajudava a nutrí-la ?
Quando o calor do sol era demasiado, mãos dedicadas o retiravam da janela e o colocavam num recanto sombrio da casa, onde ele e a flor podiam deleitar-se com o frescor que os acalmava. Então, ele acrescentara outra dúvida às que já possuía: O que era mais importante: Ele, a luz que o ajudava a nutrir a flor, a própria flor, ou a mão amiga, que os protegia a ambos?
No dia seguinte, quando estava à janela, pode ver a linda menina que todos os dias parava, atravessava a rua, acariciava-o ternamente, limpava-o do pó, aspirava longamente o perfume da flor e sorria para o sol um riso de criança feliz. E o vaso terminou o dia com uma dúvida a mais: o que era mais importante: Ele, a flor, o sol que o ajudava a nutri-la, a mão amiga, que os protegia, ou a menina que parava para admirar a ambos?
Então, como acontecia todas as tardes, depois que o sol se escondia, ele bebia uma generosa quantidade de água fresca, que gentilmente lhe era depositada. Suas paredes ficavam encharcadas, o calor do sol da tarde dissipava-se todo em alegria e a flor renascia na umidade por ele fornecida. Ou será que seria a terra que fornecia essa umidade? Oh! dúvida atroz! O que seria mais importante? Ele ou a flor, a luz ou a mão, a criança ou a terra que abrigava a flor? Ou seria a água que a tudo restaurava?
Mas, um dia, em que todos foram viajar, uma grande quantidade de água lhe foi confiada para que regasse a planta durante os dias de ausência. E o que ele faria com toda essa água? "Água demais também faz mal", pensou.
Mas os dias foram passando, e por mais que ele entregasse à terra a água carinhosa, a flor começou a perder o brilho e a murchar.
"Que sentido faço eu sem essa flor? Ela faz parte de minha vida! Sem ela nem vaso eu sou!" pensou ele. "Deus! sou capaz de virar cinzeiro! Está abafado aqui. Precisamos de ar! Ar! Sim! Isso é o mais importante! Todos precisam de ar".
Enquanto ele pensava, podia ver pelo vidro da janela uma grande ventania levantando a poeira da rua. "Ah! quanto eu não daria por um pouco de ar fresco", suplicou. O vento ouviu o silencioso chamado do vaso, e fustigou de tal forma a janela que ela acabou por se abrir violentamente. Os vidros quebraram-se e ele entrou atabalhoadamente, aflito por socorrer a moribunda flor. Mas tão desajeitado foi, que derrubou o vaso da soleira da janela, que caiu na rua, espatifando-se.
"É o fim!" pensou. Ar demais também faz mal!" Chateado pelo desastre, o vento foi embora cabisbaixo, e a tranqüilidade voltou à rua.
Então a linda menina aproximou-se e começou a juntar seus cacos. Carinhosamente levou a ele e à flor para sua casa. Lá, começou a colar o vaso, unindo seus cacos com uma cola especial.
Em sua nova casa, as coisas haviam retomado ao ritmo normal. O vaso agora tinha certeza de não haver coisas mais importantes. Tudo está ligado, filosofou ele. Mas uma dúvida persistia, e ele perguntou à flor: "Para que existimos? Afinal, faço falta para alguém?"
A flor apontou para suas rachaduras e disse: "Ninguém que não lhe dê importância junta seus cacos e o põe em pé de novo!" O vaso ficou a pensar no que ouviu. E outro crepúsculo veio. Mas este era diferente!
Mãos gentis o carregaram com cuidado extremo e o colocaram no centro da mesa, no lugar mais importante da casa.
"Enfim, a importância que nos é devida," disse ele à flor. E a flor respondeu: "Quando você era mais bonito por fora, não lhe davam tanta atenção. Já estou com ciúmes!".
O vaso sorriu da ironia e respondeu. "Pena que para sermos queridos quase tivemos que morrer!"
Então, eles sentiram o olhar brilhante da menina sobre si e por muito tempo ela ficou assim, com o olhar perdido, olhando-os e acariciando-os delicadamente. Não foi difícil para eles, perceber que a menina estava apaixonada.
Ela os acariciava enquanto escrevia algo em uma folha de papel. Quando terminou, o vaso esticou o olhar e leu:

"Somos iguais...
e se dúvidas havia, já não há mais...
Somos o sol e a luz,
a pétala e o rouxinol,
a tela e o próprio pincel
desse quadro surrealista;
somos a arte e o artista,
o fogo e a mão friorenta,
o trovão e a tormenta,
as lágrimas e o olhar tristonho,
a ilusão e o sonho...
Somos o horizonte distante
e a gaivota perdida,
o oceano sem fim
e a onda colorida...
Somos a árvore e o fruto,
a raiz e o chão amigo,
a tempestade e o abrigo...
somos o quarto e a penumbra
a fragrância e o frasco aberto,
a segurança e o incerto...
Somos assim,
Em quase tudo iguais,
conscientes e reais,
e dependentes do amor...
somos a vida um do outro,
Somos o vaso e a flor..."

O vaso olhou para a flor, que também havia lido, e sem que percebessem, beijaram-se também eles, apaixonadamente. Compreenderam que eram amantes, eram a vida um do outro. "Acabaram-se as tuas dúvidas? Consegues compreender agora?" perguntou a flor.
"Sim!" respondeu o vaso. "O mais importante é o amor!"

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THE VESSEL AND THE FLOWER
JB Xavier

There once was a beautiful vessel that rested on the sill of a window. He was proud to host a beautiful flower, but an existential question tormented him: What was most important, itself or the  flower that it nurtured?

Every day the sun rose over the roofs of nearby houses, and slowly climbed up the wall to bathe him  and the flower, with its invigorating and tepid rays, and every day, another question was add- to the existing one: What was more important: He? The flower, or the sun?

When the sun's heat was too much, some dedicated hands withdrew them from the window and put them in a dark corner of the house where the vessel and the flower could revel in the freshness that calmed them. Then he had added another question to those already possessed: What was more important: He, the light that helped nurture the flower, the flower itself, or a helping hand, which protected them both?

The next day, when the vessel was at the window, he can see the beautiful girl who stopped all day, crossing the street, stroking it tenderly, he cleaned it of dust, inhaled and hold the scent of the flower  and smiled to the sun a smile of a happy child. And the vessel ended the day with a question more: what was most important: he, the flower, the sun that helped nurture it, a helping hand, that protected them, or the girl who stopped to admire both ?

Then, as it used to happen every sunset, he drank a generous amount of fresh water, which was deposited him gently. Its walls was soaked, and the heat of the sun was dissipated into joy and the flower was reborn again. Or would it be the earth that provided this humidity? Oh! atrocious doubt! What is more important? He or flower, or a light hand, the child or the land that housed the flower? Or would  be the water that restored everything?

But one day, when all were traveling, a lot of water has been entrusted to sprinkle the flower during the days of absence. And what would he do with all that water? "Excess of water also is not good, he thought.

But the days were going on, and the more he gave the tender water to the flower, the more she began to wither and lose their luster.

"What does am I without this flower? It's part of my life! Without it neither vessel I am!" he thought. "God perhaps I can turn ashtray’s stuffy in here. We need air! Air! Yes! This is the most important! Everyone needs air."

While he thought he could see through the glass of the window a strong wind up the dust of the street. "Oh, how I would not give for a little fresh air," he pleaded. The wind heard the silent call of the vessel, and castigated the window so that it eventually opened violently. The glass broke and he came up awkwardly, anxious to help the dying flower. But it was so awkward that toppled the vessel of the window sill, which fell in the street, smashing up.

"It's the end!" he thought. Too much air is also bad!  Upset by the disaster, the wind went away crestfallen, and calm returned to the street.

Then the beautiful girl came up again and began to assemble its parts together. Lovingly, she brought him and the flower to her house, where she started pasting the vessel, joining his pieces with a special glue.

In his new house, things had returned to normal. The vessel was now sure that there are no more important things. Everything is connected, he mused. But a doubt remained, and he asked the flower: "What do we exist for? After all, does someone missing us?"

The flower pointed to its cracks and said: "Nobody who don’t think you are important joins yours shards and puts it on together again!" The vessel was left to reflect on what he heard. And dusk came. But this was different!

Gentle hands carried them with extreme care and placed on a table, in the most important place in the house.

"Finally, the importance that is due us," the vessel told to the flower. And the flower replied: "When you were prettier on the outside, they did not get much attention to you. I'm jealous already."

The vessel smiled at the irony and replied. "Too bad we almost had to die to get attention!"
So they felt the sleek look of the girl  and she stayed for long time with staring watching, while caressed them gently. It was not difficult for them to realize that the girl was in love.
She caressed while writing something on a sheet of paper. When she finished, the vessel stretched look and read:

"We are the same ...
and if there was doubt, there is no more ...
We are the sun and light,
the petal and the nightingale
the canvas and the brush itself
from this surrealist picture;
we are the art and the artist,
the fire and the chilly hand,
the thunder and the storm
the tears and the look gloomy,
the illusion and the dream...
We are the distant horizon
and the lost gull
the endless ocean
and its colored wave...
We are the tree and the fruit
the root and the ground friend
the storm and the shelter ...
we are the room and the penumbra
the fragrance and the bottle opened,
The security and the uncertain...
We are almost all equal,
conscious and real,
and dependents of love,
We are ourselves the answer,
we are each other's lives,
We are the vase and the flower... "

The vessel looked at the flower, which had also read, and without noise, they also kissed each other passionately. They understood that they were lovers.
 
"Do you have any doubts yet? Can you understand now?" asked the flower.

"Yes!" said the vessel. "The most important is love!"

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JB Xavier
Enviado por JB Xavier em 02/02/2005
Reeditado em 19/01/2013
Código do texto: T3291
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