7:30 ou Não Tomou Café ou Mofo
Ela se levantou, lentamente, como todas as manhãs.
Olhou as horas no celular. 7:30. Atrasada!
Colocou os chinelos, caminhou até o banheiro, lavou o rosto e fixou o olhar no espelho... ficou se encarando por um momento... Não se reconhecia mais.
Todos os seus gestos e ações eram automáticos, não havia nada dela neles, não havia personalidade, não havia mais alma, tinha se dissipado na entediante rotina.
Saiu do banheiro, voltou para o quarto, escolheu uma roupa qualquer, já não importava.
Se vestia com desesperança.
Não tomou café. Nunca tomava. Não sentia fome pela manhã. Não sentia fome em tempo algum.
Seu rosto era pálido, frio, não esboçava nenhum sorriso, nem ao menos mexia os lábios.
Saiu do apartamento, igualmente frio. Desceu as escadas. Há um mês o elevador estava quebrado.
Não cumprimentou nenhum vizinho. Não falava com ninguém.
Andou até o ponto de ônibus e ficou por lá mais ou menos 40 minutos. O tempo de sempre. O ônibus estava lotado, pessoas se amarrotando, se amontoando, se esbarrando. Ela, em pé, não demonstrou nenhuma reação. 50 minutos depois, desceu. Andou um tanto até chegar ao trabalho. Seu ofício? Escrever obituários num jornal. Um jornal sem muita relevância. Para ela, nada mais importava.
Passou o dia escrevendo sobre as mortes. Às vezes, se perguntava pq escrevia sobre pessoas que nem ao menos conhecia. Não encontrava resposta. Não conhecia ninguém mesmo.
À noite, já em seu apartamento, comia algo, não por fome. Comer era apenas mais uma ação, como todas as outras. E, como todas, não sabia porque as fazia. Não percebia nada. O apartamento cheirava a mofo, as janelas sempre fechadas. O cheiro já não incomodava.
Foi se deitar. E, na escuridão, dormiu. Não sonhou.
7:30 levantou atrasada, lentamente.
Raquel Zichelle (28/09/2007 - revisto em 19/10/2011)