UM MOMENTO NA ETERNIDADE

Como sempre, hoje acordei bem humorado. Tomo o café com prazer. Olho o relógio. Ajeito as meias. Coço a ponta do nariz, e, para além da janela lanço o olhar para o céu. O dia está ensolarado. Corre uma brisa agradável. Giro a maçaneta dourada, abro a porta azul metálico e saio em passos moderados. Desço a escadaria colorida. Sigo na avenida, no meio do vai-e-vem organizado de pessoas...

Respondo aos sorrisos daqui e dali que acenam de acolá... Poxa, quanta gente feliz!

Bom dia! Cumprimenta-me fulano.

Bons ventos! Cumprimenta-me sicrano.

"...os jardins estão cada vez mais belos..." - Comentam dois passantes amigos.

As manchetes dos jornais e revistas noticiam a bonança, e, as estações de rádio e televisão também propagam que este ano o nível de prosperidade aumentará.

As crianças e os anciãos serão ainda mais felizes. A fauna e a flora mantêm-se equilibradas. Na paz, o universo oscila entre a divergência e a concordância sensata para manter a existência mais confortável. Mas a grande notícia mesmo é a seguinte pergunta: EM QUE PASSADO SEPULTARAM A MISÉRIA?

Há uma aglomeração maior ali adiante em torno de alguma coisa. Nem imagino o que possa ser. Nem tampouco pergunto o motivo para quem vindo de lá, para aonde estou indo, junto com tantos outros pedestres. Aproximo-me. Estou entre a multidão crescente. Observo em cada face um olhar firme, reluzente e contemplativo. Com dificuldade estou conseguindo chegar mais próximo da causa de tanta preocupação pública. E, ouço com melhor nitidez, alguém falando dali: “... na nossa sociedade a Pessoa Humana é Livre e Digna, cuja Vida eterna Lhe é peculiar...” Adentro-me com um pouco mais entre as pessoas. Estou conseguindo ver que a voz vem de alguém agachado olhando para algo estendido ali sobre o asfalto quente. Daqui tenho dificuldade de distinguir o que é. Há muita gente em torno, serena, contemplando... Esforço-me mais um pouco. Consigo chegar bem próximo. Agora posso ver: alguém está orando. Fico de cócoras também, e, quase ajoelhado, consigo vê bem de pertinho o seu rosto de olhar afetuoso e brilhante, cujos lábios complementam a fala: “...então, por favor, tragam-me urgente um jarro com terra nutrida, precisamos ressuscitar esta flor!”.