APAIXONOU-SE E COMEU O CORAÇÃO DA MULHER AMADA - LIA LÚCIA DE SÁ LEITÃO 12 DE OUTUBRO DE 2011

Há quem fale sobre a violência como um mal social sem cura. Meu Deus! A realidade é mesmo assustadora. Vez por outra escrevo um artigo para o jornal repudiando as drogas, desafiando instituições, apontando as falhas escolares, educação deficitária, programas de reeducação falhos, e às vezes entro até em campos que sou curiosa e meu conhecimento está mais para empírico do que para científico, quando me arvoro a escrever sobre psicopatologias que podem levar aos atos de violência, vez por outra também sou dada a me meter em observações antropológicas, sociológicas, chego a pensar como uma criança na rua que o policial deu-lhe uma bronca e o molequinho de uns 6 aninhos cantou “ to nem ai...tô nem aiiiii!”

Ainda não sei como avaliar o meu sentimento como também não posso responder qual o meu discernimento ao meter o bedelho e botar a caneta em riste e fazer denúncias com essas análises populescas!

Mas, o assunto hoje não são as teorias, nem as observações populescas, nem os apontamentos estatíticos elaborados pelos entendidos sobre a violência, o que interessa agora é o fato, o fato como aconteceu, apenas vou evitar o nome real dos personagens, a dor é grande, o episódio constrangedor, a realidade é tão nua quanto crua.

Verdadeiramente é arrepiante, ainda não sei se tomo como ato demoníaco ou pura maldade, se o coração metaforicamente é o símbolo do amor porque extirpá-lo?

A nossa história começa com uma paixão avassaladora que termina num forró junino em terras de Pernambuco. Ele um jovem rapaz com ar de doido disfarçado em bom moço. Calças jeans, camisa xadrez como é a moda, uma motocicleta nova, digam-se de passagem roubada em Olinda, município próximo a Recife.

Ela uma moça simples, mas cheirosa a alfazema suíça, vestido rodado comprado na feira de Caruaru, a capital do forró. Era a festa mais importante da região. Além de festejar o São João, continuava de pé o pedido a Santo Antônio casamenteiro, o rapaz teria que ser praciano, bonito, cara de boy da Capital, moto sem ser de motoboy. Queria o rapaz cheiroso, boa conversa, malhado que nem jogador de futebol.

O forró esquenta, as moças olham por sobre os ombros algum candidato e eita! Ali, O homem dos sonhos. Ele em pé, encostado na moto, braços cruzados, palito de dente rebolando de um lado a outro da boca, e um sorriso de quem aprovava um bate papo com ela.

Os dois se encontraram frente a frente na barraquinha de cerveja, ele paga uma latinha geladíssima para a moça e pergunta-lhe o nome; ela disse e ele se apresenta. Os dois se apaixonam, e passam juntos as lambanças juninas, depois mais um mês e outro, ele se ausenta sem dizer o motivo, passa dias, semanas, meses, enfim anos fora sem uma telefonema para dizer que estava vivo.

Ela entristece. Beira a depressão por saudade, chora dias a ausência daquele que era o enviado por Santo Antônio, o casamenteiro.

A família faz de tudo para a moça se livrar daqueles pensamentos de abandono, e que seria mais uma solteirona atirando na macaca, termo nordestino implacável. Atirar na macaca fica para moça velha no caritó, para quem não sabe: atirar na macaca é atingir a idade dos trinta anos e moça velha no caritó, nada mais é que passar da idade de casar e permanecer virgem, afinal mulher honrada não é mulher dada é a moça de família que tem o nome do pai pra zelar e ela, só ela sabe como se resguardar. Há quem dê risada dessa tradição. Ainda é Lei no agreste nordestino preservar a virgindade e casar com flor de laranjeira nos cabelos, o símbolo da pureza feminina.

A tristeza tranforma-se em melancolia e a moça é levada para casa de parentes em outro município para esquecer a desilusão da paixão.

O rapaz não envia uma linha e o silêncio continua.

Ela no último fôlego de esperança, buscou novas amizades, e conheceu um outro rapaz que preencheu ainda mais os anseios de moça casadoira.

Naquele dia, o rapaz saiu de Caruaru para a sua casa num sítio próximo. Era noite alta e tinha Lua cheia, todos os bichos andavam soltos, um apito, mais parecido com um assovio de Comadre Fulozionha, despertou sua atenção, mas era tarde! Foi obrigado a parar numa blitz da Polícia Militar, com Polícia Rodoviária Federal e pra sua surpreza Polícia Civil. Ele não fugiu! Entregou os documentos falsos, apenas cometeu o deslise fatal! Junto foi uma foto de quando tinha barba há dois anos passados, nessa época ainda morava em Alagoas. O guarda muito esperto desconfiou da falsa tranquilidade e buscou a ficha pelo computador da viatura modernamente equipada com aparelhos de ultima geração integrada a rede satélite de malandragem nacional, e ai se deu a surpreza: o homem era foragido e de alta periculosidade e procurado pela justiça de dois estados nordestinos. Ali mesmo foi dada a voz de prisão e o homem foi detido naquela blitz de estrada. Assim se propagou o silêncio das telefonemas tiraram-lhe de imediao o celular e ele não tinha como ligar para a amada, aquele exemplo de rapaz, suave, meigo, fala mansa, conselheiro, inimigo de arruaças era um foragido da justiça Sergipana e Alagoana com mandado de busca e prisão, a ficha criminal era tão longa que podia dar um rolo de papel higiênico de trinta metros e ainda sobrava meio palmo.

Curiosos para saber se ele era traficante? Tacitamente não! Odiava as drogas, odiava até a bebida em exagero, em seu relato na primeira delegacia afirma veementemente que podiam prender ele por assassinato mas nunca acusariam de tráfico. Nesse vai e vem de Estado, depoimentos e delegacias, um jornal sensacionalista divulga para o nordeste inteiro o homem saindo algemado de uma viatura policial para mais um depoimento assombroso das crueldades praticadas. Ao descer da viatura tomou um safanão nas idéias, ou seja alguém deu-lhe um tabefe pelas orelhas, era uma mão forte de homem, via-se pela cena a revolta de alguém e de uma multidão gritando assassino, assassino! Calmamente ele olha para o policial e diz, “a justiça não demora comigo e eu saio, quero ver até a boneca da filha do delegado degolada”. O susto foi tamanho e o silêncio foi tão forte que não precisou mais anda para se entender a ameaça. Por mais que a polícia protegesse o assassino, sempre uma mão acertava o roso do indivíduo. O jornalista bem posicionado não perdia detalhes, enfiou o microfone pelo sovaco do policial que arfava e transpirava com reconhecimento do dever cumprido diante da sociedade e pergunta: o Senhor tem algo a declarar sobre essas acusações? O homem levanta a vista e logo em seguida abaixa e diz, “ tão bateno na cabeça de um assassino sim! Mas eu saio e corto as mão desses safados e faço jornalista engolir microfone! E num tem nada a declarar não sinhô”. O jornalista sai de fininho e deixou os curiosos instigando um linchamento impedido pelos policiais que formaram um corredor polonês para o homem finalmente atravessasse sem sofrer nenhuma agressão até a sala de exame de corpo de delito, no IML.

A moça na casa da tia, assistia a toda aquela cena pela LCD. (Antigamente toda casa nordestina no mais longínquo lugarejo tinha uma antena parabólica era chique e significava STATUS! Agora todos possuem televisão LCD, crivo nosso.)

Sem dar um soluço, parecia que o tempo havia parado, nada funcionava, o mundo estacionou ali, na viatura, no corredor, na entrada do IML a imagem congelou.

Finalmente o homem foi levado a júri, condenado pela justiça sergipana, ficaria detido durante 30 anos mas encontrou facilidade e em 2 anos e fugiu. Roubou outra motocicleta e abriu fuga para Alagoa. trabalhou como vendedor ambulante de produtos chineses, chegou até ser cozinheiro em um bar na orla de Maceió, mas a sua intenção era se organizar e procurar aquela moça bonita do São João em Caruaru.

Em Maceió juntou todas as economias, pegou a moto, nem se despediu do restaurante. Deu a partida eletrônica na moto e sumiu em disparada.

Chegou em Caruaru, andou pra lá e pra cá tentando se lembrar aonde a moça morava e finalmente descobriu. Parou a moto, bateu palmas, um rapaz atendeu e disse ela não está, hoje mora com o marido no outro lado da cidade.

O rapaz inconformado, julgou traição! Saiu em busca de pistas para encontrá-la.l

Localizou a casa, esperou que o esposo da moça fosse trabalhar e encostou-se no portão, bateu palmas e ela apareceu.

O susto foi tanto que a moça passou mal, ele diz bastante sério, vim pra ficar com você, ela retruca; hoje sou casada, nosso namoro passou.

Ele pula o muro da casa, retira da cinta uma faca afiada. Dá um golpe na barriga da moça e abre até perto do pescoço numa só direção. Ela cai morta e lavada em sangue, ele enfia a mão pela abertura, procura o coração que ainda bate suas últimas pulsações, arranca com a força de um animal, e calmamente mastiga o órgão bebendo uma garrafa de pinga.

Os vizinhos correm para ajudar, a polícia chega o fato já se consumou ele comeu toda a vícera da mulher, deixou-se ser algemado, o repórter era o mesmo de outrora e fez a mesma pergunta que todos os dali reunidos: “porque o senhor comeu o coração da moça?” O homem responde, se não posso ter a mulher inteira pelo menos fico com a jura de paixão, ela disse no dia em que fui preso, dou meu coração a você por isso voltei para buscá-lo.

Podem me prender eu comi o amor dela por mim E GOZEI!

Lia Lúcia de Sá Leitão
Enviado por Lia Lúcia de Sá Leitão em 14/10/2011
Reeditado em 11/02/2012
Código do texto: T3277284
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