RELEMBRANÇAS

A campainha tocou e Vívian saiu para atender. Era um menino com umas flores. Procurando por alguém, pensou ela. Naquela casa pequena ela morava com os dois filhos já crescidos e que freqüentavam o colégio. Havia uma grade diante de um pequeno jardim que se atravessava para adentrar à casa. Era pequena e pintada rusticamente num azul claro, com o piso impecavelmente limpo.

Ela chegou ao portão e perguntou ao menino o que era:

__ São flores para a senhora.

__ Pra quem? São pra mim?

__ Senhora Vívian, rua Dr. Ovídio, 35. É a senhora não é?

__ Sim, mas, quem mandaria flores?

__ Não sei senhora, compraram na floricultura e mandaram entregar. Não sei quem é. Tem um cartão junto, talvez tenha o nome.

__ Sim, obrigada.

Ela entrou num misto de curiosidade e espanto. Quem seria? Atravessou o gramado do jardim, no caminho feito de tábuas que dá um ar rústico ao local e sentou-se na varanda. Olhava as flores fixamente. Olhou também para o céu e contemplou o mais vívido azul daquela tarde de primavera. O dia não poderia estar mais bonito. Guardou as flores e abriu o cartão. Numa letra desconhecida, um coração com seu nome ao centro, simples, e uma única frase: Quero ver você.

Vivian estava admirada daquilo. Há tempos não se sentia notada por ninguém, e por maior esforço que fizesse não conseguia nem por alto imaginar quem seria o autor daquele feito. Ela entrou na sua casa e foi cuidar de sua vida. Deixou as flores num vaso que ficava na sua sala. Enquanto preparava o jantar para os meninos que sempre chegam famintos da escola, ela imaginava nomes e rostos, mas nenhum lhe parecia possível. Pensava até mesmo que se tratava de uma brincadeira das amigas da igreja, do grupo que ela frequentava, sempre brincalhonas com ela. Mas lá no fundo, ela pensava em ser de fato um admirador secreto, pois sonhava em ser amada e novamente sentir o calor da pele de um homem. Mas, de tanto sofrer, criara uma espécie de imunidade para com pessoas do sexo masculino.

Vívian estava divorciada já há oito anos. O casamento lhe ferira por demais. Os dois últimos anos em que vivera com Edmundo foram dolorosos. Era traída constantemente e convivia com a dor e o silêncio. Sua mãe sempre lhe dissera que casamento é pra vida toda. Ela tudo suportava em nome dos filhos e de sua fé. Em casa ouvia sempre que estava feia, gorda, desarrumada, cheirando sempre a alho, que não era mais atraente... Vívian foi despindo-se de si mesma aos poucos para dar lugar a uma mulher descuidada e interiormente infeliz. Autoestima é palavra de luxo. Foi deixando de existir e passou a simplesmente ir vivendo um dia de cada vez, na sua tarefa sempre de mãe zelosa e cuidadora dos filhos que Deus lhe confiou. Não eram raras as vezes que ele chegava em casa altas horas embriagado e lhe violentava. As crianças ouviam tudo.

Chegou enfim o dia que Marilda foi à sua porta lhe dizer desaforos. Vívian não suportou mais e expulsou dali aquela que era a outra de seu marido. Na verdade, a outra era ela mesma, conclusão a que chegou quando viu a mulher descer a rua, rindo-se de sua simplicidade. Edmundo não suportava mais ver a mulher. Neste dia, pegou suas poucas coisas e partiu, deixando para trás um coração amargurado pela derrota do casamento e aliviado pelo fim daquele sofrimento diário. Um paradoxo complexo de se entender, pois ao mesmo tempo lidava com sentimentos antagônicos que se conflitavam dentro daquela mulher. Mas enfim, sofreu por alguns meses e se acostumou a viver para os filhos, somente.

Dia seguinte. Novamente toca a campainha e ela sai pra ver quem é. Um garoto pergunta:

__ Senhora Vívian? É você?

__ Sim, sou eu.

Ele então entrega a ela uma caixa enorme. Curiosa e já com o coração palpitando, levou a caixa para dentro de sua casa e abriu, rasgando o lindo papel que a embrulhava. Dentro, uma belíssima cesta de chocolates. Outro cartão misterioso igual ao do dia anterior, porém com outra frase: quero tornar doces todos os seus dias. Ela se sentou no sofá enquanto ouvia música religiosa no seu rádio, uma música suave. Vivian começou a viajar na emoção. Não eram suas amigas. Mas quem seria? Quem a teria notado tão apagada nos últimos anos?

E assim foi, sucessivamente, acontecendo o mesmo durante toda a semana. Chegou uma cesta de café da manhã, mais flores, mais bombons, e no sábado um convite para um jantar.

Desde o segundo dia ela começou a se arrumar melhor, vestir-se bem e quando ia à padaria estava com um sorriso radiante, tão diferente daquela mulher sempre séria e calada. Amália, sua melhor amiga percebia a mudança e recebeu a confidência no terceiro dia. Estava vibrando, mas as duas ficaram horas a fio tentando adivinhar quem seria esse admirador secreto. Pensaram e discutiram mil nomes, mas conclusão, nenhuma.

Na noite de sexta Vívian não conseguiu dormir. A noite toda rolara na cama insone. Não conseguia imaginar de forma alguma quem seria. Ao fim da mais longa das noites de sua vida, levantou-se animada e fez uma limpeza geral na sua casa. E cometeu uma grande ousadia: foi ao salão. Saiu de lá uma nova mulher, transformada. Por fora e por dentro. Nada melhor que uma semana de presentes e elogios para fazer alguém se sentir a melhor pessoa do mundo. Ela relutara em aceitar o convite, mas deu resposta positiva ao garoto da floricultura que viera saber de sua resposta.

Era o grande dia. Vivian prepara-se para o grande encontro. Estava maravilhosamente bela. Seus pretos cabelos caíam em ondas por sobre seus ombros, emoldurando sua linda face, de olhos verdes e um rosto arredondado. Vestia um vestido prata, sensual sem ser vulgar, com um belo sapato de salto. Havia no ar uma ameaça de chuva que não se cumpriu. A amiga cuidou das crianças. Ela descia rumo ao restaurante no taxi enviado para buscá-la. Parecia um conto de fadas e durante o caminho começou a considerar tudo muito estranho. Observava o tempo fechado, mas ainda firme, um vento fresco, agradável. Iria enfim conhecer o romântico misterioso que lhe escrevia frases que a deixavam viajando nas nuvens.

O carro parou na porta do restaurante. Era um lugar que ela nunca havia frequentado. O taxi despediu-se dela e a deixou na porta. Esperava alguém ali para conduzí-la. Ninguém apareceu. Ela estava ali exposta ao frescor da noite e ao vento que lhe acariciava, quando o garçom chegou até ela dizendo:

__ Senhorita Vívian? O cavalheiro da mesa vinte aguarda a senhora.

Ela sorriu estranhamente e olhou com discrição para o local. Reconheceu de imediato Edmundo que estava sentado de costas para a porta, esfregando as mãos incessantemente. O coração de Vívian quase saiu pela boca. Um filme lhe passou pela cabeça. Apressada, desceu a rua até o ponto de taxi que havia logo abaixo, na esquina. Começou a chover. Desceu à porta de sua casa e molhou-se até chegar dentro dela. Lágrimas saíram de seus olhos e estava apreensiva, sem saber direito se havia tomado a decisão correta. O homem que a conquistou em uma semana, a humilhara anos seguidos. Teria ele mudado? Queria uma volta? Seria diferente dessa vez?

Vivian chorava apenas e olhava as flores ainda no seu vaso, quando ouviu seu telefone anunciar que alguém a chamava. Esperou minutos vários, eternos e infinitos. Não ousou atendê-lo. Desvestiu-se novamente de si mesma naquele instante e sentou-se na varanda para admirar a chuva que caía e molhava seu rosto em lágrimas. Resolvera esperar o dia seguinte.

LUCAS FERREIRA MG
Enviado por LUCAS FERREIRA MG em 13/10/2011
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