Jardim Cativo
Entre as montanhas a beleza do sol que se punha era multiforme, a entonação do céu era quase que singular ao misturar, entre as cores sublimes, desenhos em forma de nuvem. Ao som do cantar de pássaros e ao soprar sutil do vento, o mundo era apenas o que via, sem nada mais acrescentar.
No pasto verde que de longe se mostrava brumoso, as andorinhas pousavam roçando suas penas sobre as poças de água que, de forma dispersa, se distribuíam. O cantar de minha alma silenciou ao passar dos olhos sobre uma figura que, caminhando, modificou a paisagem pintando um novo elemento no quadro presente, alterando assim o seu valor, o seu conceito e sua forma com a energia bela de seu verdejar .
Das imagens que se formaram em minha mente, e que também se refletiram em meu corpo, a mais cativante foi o olhar da doce figura que atravessava o caminho da paisagem fazendo-a ser muito mais completa: Uma obra-prima. O encantamento de seu rosto resplandecendo e sendo tocado pelos últimos raios de sol, conduziu-me ligeiramente a um forte desejo do qual eu não saberia explicar, nem mesmo identificar, entre todas as outras figuras, algo que fosse simplesmente parecido.
Numa cor morena, quase em tom marrom e de olhos azul-celeste, a cor do céu que naquele instante nos cobria, ela se virava e como quem busca em câmera lenta observar os detalhes de uma cena, eu atentamente a via. Ao encontrar dos nossos olhos ela sorriu e como quem diz adeus ela partiu. Meu corpo estremeceu e eu não tive atitude, minha vista escureceu e ao ouvir o som ligado eu despertei daquele momento.
Uma lágrima dispersou-se insistente pelo meu rosto e eu não contive o desespero e o abandono que sentia. Já muito velho, e também desanimado, eu não resistia. Toda forma de sonho era fantasia. Na minha velha casa o que restava era apenas um retrato da felicidade que tive um dia. A juventude, a alegria, tudo agora estava velho e igual também a minha poesia.
A alegria quando envelhece vira tristeza, a juventude, melancolia e os nossos sonhos viram retratos de um álbum que fica jogado na mesmice dos nossos desejos, assim era o que eu sentia. Quando mais recomposto, olhei-me no espelho e na face vi as marcas do destino e da história de minha vida. Olhei-me nos olhos procurando perceber neles algo que eu não sentia. Algo que eu não sei se existira em mim mesmo. Meus olhos não sorriam, estavam secos e opacos e simplesmente me viam.
Vagarosamente dispersei-me daquela cena e caminhei refletindo sobre o que fazia. Vazia a imagem na lembrança, vazio de qualquer sentimento que ocasionalmente pudesse sentir além de tristeza, sentei-me diante da tv, apertei o botão de ligar e fiquei apenas observando um canal após o outro passar, fora do ar...
A campainha tocava e de dentro ninguém escutava, arrombaram a porta de entrada e recolheram meu velho corpo do sofá. No cemitério havia uma linda jazida repleta de flores, onde muitos dos meus descansavam e onde a minha companheira de sempre me esperava. Em cima do caixão, além de terra, foram flores e lágrimas. A paz eterna eu respirava.
Apresentei-me ao altíssimo que me conduziu a uma ante-sala onde me deu ciência de minhas faltas e onde me disse que todas elas estavam perdoadas. Encontrei com parentes antigos que ocupavam suas funções no que eles chamavam de Jardim Cativo e onde eu jamais imaginara que pudesse ficar.
Sofrendo, vendo aquela imagem em que o filme terminara, eu, ainda coberto e com o rosto repleto de lágrimas, senti-me tomado pelo desejo de ser aquela personagem que pude viver por algumas horas diante da tv ligada.
Não obstante o desejo de vê-lo novamente, procurei por entre os discos se tinha a música em que a cena acabava. Enquanto os créditos do filme subiam, e eu ainda chorava, liguei o som; desliguei a tv; abaixei a velha agulha da vitrola, e fiquei escutando enquanto sonhava e cantando chorava enquanto o disco tocava...