O Truque Maia - William S. Burroughs

Joe Brundige oferece-nos a surpreendente história do Truque Maia, em exclusiva para The Evening News –

Um cientista russo afirmou: “Viajaremos não só pelo espaço como também pelo tempo” – Acabo de regressar de uma viagem de mil anos e cá estou para contar o que vi – E contar como são feitas estas viagens – É uma operação precisa – É difícil – É perigoso – É uma nova fronteira e só devem se candidatar os audazes – Mas qualquer um que tenha a coragem e os conhecimentos necessários poderá ultrapassá-la – Inclusive você –

Iniciei minha viagem no necrotério com jornais velhos, dobrando o de hoje sobre o de ontem e mecanografando suas composições – Quando alguém folheia um jornal como a maioria costuma fazer vê muito mais do que pensa – Portanto quando dobro um jornal de hoje sobre um de ontem e reuno as fotos para compor uma montagem de seção temporal, literalmente retrocedo ao momento em que li o jornal de ontem, ou seja, viajo no tempo para ontem – Durante três meses fiz isto oito horas por dia – Retrocedi tanto quanto os jornais permitiram – Desenterrei revistas antigas e romances e cartas esquecidas – Fiz dobragens e composições e fiz o mesmo com fotografias –

O próximo passo foi num estúdio cinematográfico – Aprendi a falar e a pensar para trás em todos os níveis – Isto foi conseguido retrocedendo a película e a trilha sonora – Por exemplo uma imagem minha comendo alguma coisa era completamente invertida, da saciedade à fome – Primeiramente o filme era passado em velocidade normal, depois em câmera lenta – O mesmo procedimento foi aplicado a outros processos fisiológicos, incluindo o orgasmo – (Explicaram-me que devia deixar de lado o pudor e a reticência sexual, pois o sexo era a âncora mais pesada que nos retinha no presente.) Trabalhei no estúdio por uns três meses – Concluí meu treinamento básico na viagem pelo tempo, ficando em condições de me dedicar especificamente ao esquema maia –

Fui até a Cidade do México e estudei os maias com um grupo de arqueólogos – os maias viveram no que hoje é a península do Yucatán, Belize e Guatemala – Não recapitularei o que se sabe de sua história, mas para entender este relatório são essenciais certas informações sobre o calendário maia – Seu calendário se inicia numa data mítica, 5 Ahua 8 Cumhu, e continua até o fim do mundo, data já também determinada que é representada nos códices com a imagem de Deus derramando água sobre a Terra – Os maias possuíam um calendário solar, um calendário lunar e outro cerimonial que giravam feito rodas entrelaçadas desde o 5 Ahua 8 Cumhu até o final – O poder absoluto dos sacerdotes, que constituíam cerca de dois por cento da população, dependia do controle deste calendário – O alcance deste monopólio numérico pode ser inferido pelo fato de que na linguagem verbal maia não há números superiores a dez – Os índios de língua maia da atualidade utilizam números espanhóis – A agricultura maia era feita com queimadas – Não havia arado. Na área maia não pode-se usar arado pois a quinze centímetros da superfície há um extrato de rochas calcárias e até hoje prosseguem usando o método das queimadas – Portanto a agricultura de colheita e queima é questão de tempos precisos – Deve-se limpar o terreno das ervas daninhas em tempos determinados para que possa secar e a operação de queima seja concluída antes que comece o período pluvial – Um erro de cálculo de poucos dias e toda a colheita do ano estará perdida –

Ainda não foi decifrada toda escrita maia, mas sabemos que a maioria dos hieróglifos se referem a datas do calendário, e estes números foram traduzidos – É provável que os símbolos ainda não decifrados se refiram ao calendário cerimonial – Existem apenas três códices maias, um em Dresden, outro em Paris e outro em Madri, tendo os demais sido queimados pelo bispo de Landa – O maia é um idioma bem vivo e nos povoados distantes não se fala outro – Mais trabalho de rotina – Estudei o maia e escutei-o no magnetofone e misturei o maia com o inglês – Fiz inumeráveis fotomontagens de códices e artefatos maias – o passo seguinte foi encontrar um “recipiente” – Testamos muitos candidatos até encontrar um jovem lavrador recém-chegado do Yucatán – Era um rapaz de uns vinte anos, quase negro, com a testa inclinada e o nariz recurvo dos antigos maias – (O tipo físico sofreu poucas mudanças) – Era analfabeto – Possuía histórico de epilepsia – Era o que os espíritas chamam de “sensitivo” – Durante mais três meses trabalhei com o rapaz no magnetofone misturando sua fala com a minha – (A essa altura eu já falava o maia com bastante fluidez – Ao contrário do asteca, é um idioma fácil.) Havia chegado o momento da “operação de transferência” – “Eu” passaria para o corpo desse jovem maia – A operação é ilegal e hoje em dia poucos são capazes de praticá-la – Haviam-me recomendado um médico norte-americano que se viciara em metal pesado e perdera a licença – “É o melhor artífice da transferência que há na indústria”, disseram. “Se for pago.”

Encontramos o médico num consultório nojento da avenida Cinco de Mayo – Era um homem esquálido e franzino que tremia entrando e saindo de foco feito uma película velha – Disse-lhe o que queria e fitou-me de uma remota distância sem calor nem hostilidade ou qualquer outra emoção que já tenha experimentado ou visto em alguém – Assentiu silenciosamente e ordenou ao garoto maia que se desnudasse, percorrendo seu c,,orpo nu com dedos experientes – O médico pegou um instrumento que parecia uma caixa com acessórios elétricos e lentamente o fez subir e descer pelas costas do rapaz da base da coluna até o pescoço – O instrumento zumbia como um contador Geiger – O médico sentou-se e me explicou que em geral a operação era concluída com a “técnica da forca” – Quebra-se o pescoço do paciente e durante o conseguinte orgasmo passasse-se para o outro corpo – Era, no entanto, um método obsoleto e perigoso – Para que a operação tivesse êxito devia-se trabalhar com um recipiente puro, que não estivesse infestado de parasitas – E atualmente era quase impossível encontrar indivíduos assim, afirmou taxativo – Seus frios olhos cinzentos percorreram o corpo nu do garoto maia:

“Este indivíduo está repleto de parasitas – Se empregasse o bárbaro procedimento que alguns doutos colegas meus utilizam – (imbecis sem nome) – os caranguejos parasitas comeriam você todo, de corpo e alma – Trabalho com moldes – Seu corpo permanecerá aqui congelado e intacto – Poderá recuperá-lo quando voltar... se voltar.” Olhou fixamente para minha barriga flácida devido à vida urbana sedentária – “Poderia fazer uma prega no ventre, filho – Mas cada coisa a seu tempo – A operação de transferência levará algumas semanas – E advirto que será custosa.”

Disse-lhe que o preço não importava – Era financiado pelo News desde o início – Assentiu brevemente: “Voltem amanhã a esta hora.” Quando voltamos ao consultório o médico me apresentou a um rapaz magro que possuía os mesmos olhos impassíveis e cinzentos dele – “Este é meu fotógrafo – Farei os moldes utilizando os negativos das fotos.” O fotógrafo me disse que se chamava Jiménez – (Chamam-me simplesmente de Jimmy the Clic”) – Seguimos Clic até um estúdio no mesmo edifício equipado com uma filmadora de 35 milímetros e cenários maias – Filmou-nos nus entre ereções e orgasmos, cortando as imagens e unindo-as pelo meio do corpo – Íamos ao consultório do médico três vezes por semana – Ele nos examinava com seus olhos intensos, frios, impessoais – E nos passava pela coluna a máquina dos zumbidos – Depois nos injetava uma droga que descrevia como uma variante da fórmula da apomorfina – A injeção causava vômitos e orgasmos simultâneos e várias vezes me vi vomitando e ejaculando em cima do recipiente maia – O médico me disse que esses exercícios eram apenas as preliminares e que a verdadeira operação, apesar de todas as precauções tomadas, continuava sendo extremamente perigosa.

Ao fim de três semanas disse que havia chegado o momento de agir – Colocou-nos nus sobre macas um ao lado do outro sob refletores – Com uma caneta fosforescente traçou linhas dividindo nossos corpos, das narinas ao reto – Depois injetou um fluído azul de espesso silêncio frio enquanto que das linhas desmagnetizadas caía um fino pó de palavras – De uma remota distância polar vi que o médico separava nossas duas metades e forjava um ser composto – Voltei a mim em outra carne em diferente perspectiva, pensamentos e recordações do jovem maia derivavam por meu cérebro –

O médico me entregou um frasco da droga emética explicando-me ser ela eficaz para bloquear qualquer onda de controle – Deu-me também outra droga que injetada num determinado sujeito me permitiria ocupar seu corpo por algumas horas, e unicamente à noite. “Não deixe que o sol te surpreenda ou acabou-se – será devorado pelos caranguejos – E agora tratemos de meus honorários.”

Dei-lhe uma maleta de dinheiro e ele se desvaneceu nas sombras furtivo e definitivo feito um velho drogado.

Os editores e a embaixada me advertiram que estava por minha conta, distante anos-luz de qualquer auxílio – Tinha uma filmopistola oculta junto à virilha, um pequeno magnetofone e um transistor escondidos dentro de um pote de argila – Peguei um avião para Mérida onde procurei contato com algum “intermediário” que me levasse até um “guia temporal” – A maioria dos chamados “intermediários” não passam de bêbados embusteiros e meu contato não era exceção – Avisaram-me para que não pagasse antes de conseguir o que queria – Encontrei esse “intermediário” numa choça imunda dos arrabaldes cercada por montes de sucata, ossos velhos, cerâmica partida e cascalho – Saquei uma garrafa de aguardente e o intermediário imediatamente se descartou do álcool que tomava de um copo plástico sentando-se num banquinho enquanto se balançava para frente e para trás ouvindo o que eu dizia – Replicou que o que eu desejava era muito difícil – Era também perigoso e ilegal – Nos envolveríamos em confusão – Além do mais eu podia ser informante da Polícia do Tempo – Tinha que pensar no assunto – Bebeu mais dois copos e caiu desmaiado – No dia seguinte retornei – Havia pensado bem – Contudo precisaria de uma semana pra preparar as soluções e isso só poderia ser feito se tivesse uma provisão adequada de aguardente – E serviu-se de um copo enchendo-o até a borda – Extremamente insatisfeito com o rumo que as coisas tomavam parti – Voltava para a cidade quando um garoto me abordou.

“Hola mister, procura intermediário, sim? – Conheço muito uno bueno – Esse” – indicou a choça da qual eu acabara de sair – “no bueno, bêbado filho da puta – Pede muito dinheiro – Não faz nada – Venha comigo, mister.”

Pensando que as coisas não poderiam piorar, acompanhei o garoto até outra choça construída ao modo de palafitas sobre um tanque – Recebeu-nos um homem bem jovem que escutou em silêncio enquanto eu explicava o que queria – O garoto havia se acocorado enrolando um cigarro de maconha – Foi passando e todos nós fumamos – O intermediário disse que sim podia fazer os preparativos e mencionou um preço consideravelmente mais baixo que o esperado – Quando? – Olhou para uma estante onde estavam dispostas uma porção de elaboradas ampulhetas com areia de diferentes cores: vermelha, verde, preta, azul e branca – As ampulhetas eram marcadas com símbolos – Explicou-me que a areia representava tempo colorido e palavras coloridas – Apontou para um símbolo da ampulheta verde: “Então – Uma hora” – Pegou um punhado de fungos e ervas secas e pôs-se a cozinhá-los num pote de argila – Quando a areia verde alcançou o símbolo, encheu uns copos de argila dando um a mim e outro ao garoto – Bebi o amargo preparado e quase no mesmo momento as fotos dos artefatos e códices maias que vira começaram a se movimentar em meu cérebro feito desenhos animados – Um odor de esperma e esterco saturou o interior da habitação – O garoto começou a se contorcer e balbuciar e caiu no chão num ataque – Notei que sob o calção fino havia uma ereção – O intermediário tirou-lhe a camisa e o calção – O pênis se projetou ejaculando num orgasmo após outro – Uma luz verde encheu a sala e atravessou a carne do garoto queimando-a – Em seguida sentou-se falando em maia – As palavras saíam em risadas de sua boca e permaneciam suspensas no ar visíveis como brincos – Senti uma vertigem estranha que defini como o enjôo da viagem no tempo – O intermediário sorriu estendendo a mão aberta – Passei-lhe seus honorários – O garoto vestia-se – Fez-me um sinal para que o seguisse e me levantei saindo da choça – Caminhávamos por uma selva o garoto na frente todo o corpo alerta contorcendo-se feito um cão – Andamos muitas horas e amanhecia quando chegamos a uma clareira onde vi uma porção de lavradores com paus afiados e cabaças com sementes plantando milho – O garoto tocou-me no ombro e desapareceu por uma trilha na selvática névoa da madrugada –

Ao adentrar a clareira e dirigir-me a um dos lavradores, senti o peso esmagador do controle maligno através de insetos que me incutiam pensamentos e sentimentos em moldes predispostos, espremendo-me o ânimo numa prensa macia e invisível – O lavrador fitou-me com olhos mortos vazios de curiosidade ou boas-vindas e silenciosamente me entregou um dos paus afiados – Não parecia insólito que da selva saíssem estranhos pois toda a comarca se encontrava devastada pelo esgotamento do solo – De modos que ninguém comentou minha presença – Trabalhei até o anoitecer – Destinaram-me uma choça junto com um capataz que trazia um bastão gravado e um elaborado cocar na cabeça – Deitei no catre e de imediato senti sondas de interrogatório telepático feito punhaladas – Sintonizei os pensamentos de um jovem índio primitivo – Depois de algumas horas a presença invisível se retirou – Havia passado pela primeira prova –

Pelos meses seguintes trabalhei nos campos – A monotonia dessa existência ajudou-me a manter o disfarce de atrasado mental – Aprendi que uma pessoa podia ser transferida do trabalho nos campos para a gravação de estelas de pedra após uma longa aprendizagem e só depois dos sacerdotes se convencerem de que qualquer idéia de resistência fora extinta – Decidi manter-me no estado de lavrador e assim passar o mais despercebido possível –

Uma contínua seqüência de festivais nos ocupava as noites e os dias de descanso – Nessas ocasiões os sacerdotes se apresentavam em trajes complexos, às vezes fantasiados de centopéias ou lacraias – Os sacrifícios eram raros, mas presenciei uma cerimônia repulsiva na qual prenderam um jovem cativo a uma estaca e os sacerdotes arrancaram-lhe o sexo com pinças a sangue frio – Também aprendi algo sobre os horríveis castigos infligidos a quem ousasse ou mesmo pensasse em desafiar os controladores – Morte nos Fornos: o violador era colocado num aparato de barras de cobre entrelaçadas – Depois aqueciam as barras até ficarem em brasa e as apertavam lentamente ao redor de seu corpo – Morte na Centopéia: o “criminoso” era preso a uma liteira e lacraias gigantes comiam-no vivo – Tais execuções eram praticadas secretamente nas câmaras que havia sob o templo.

Consegui gravar os festivais e a música contínua como uma ruidosa estática de inseto que todos os dias perseguia os lavradores nas lavouras – No entanto, sabia que ouvir as fitas propiciaria minha imediata detenção – Antes de decidir-me a agir precisava não só da trilha sonora mas também das imagens – Já expliquei que o sistema de controle maia depende do calendário e dos códices cujos símbolos representam todos os estados mentais e emotivos possíveis em animais humanos que vivam sob as circunstâncias assim limitadas – São estes os instrumentos com os quais fazem rodar e controlam as unidades de pensamento – Também descobri que nem sequer os sacerdotes entendem exatamente como funciona o sistema e que em conseqüência de meu treinamento e meus intensivos estudos eu indubitavelmente sabia mais do que eles – Os técnicos que haviam esquematizado o sistema de controle haviam morrido há tempos e a atual geração de sacerdotes estavam na posição de alguém que sabe apenas apertar um botão para pôr uma máquina em funcionamento mas não tem idéia de como repará-la em caso de avaria ou de como construir outra se for quebrada – Se eu pudesse ter acesso aos códices e misturar a trilha sonora com a visual os sacerdotes continuariam apertando botões, mas com resultados imprevistos – Para alcançar este propósito seduzi um dos sacerdotes – (Foi a coisa mais desagradável que já fiz) – Durante o ato sexual se metamorfoseava da cintura para cima num caranguejo verde, conservando pernas e genitais humanos que segregavam um cáustico lodo erógeno, enquanto que a choça se enchia de um fedor horrível – Pude suportar os terríveis encontros mantendo fixa a idéia de matar o repulsivo monstro quando o momento propício se apresentasse – O prazer que com isso teria – Já então minha reputação de idiota estava consolidada, tanto que escapava da maioria das medidas rotineiras de controle –

O sacerdote fez com que eu fosse transferido para um trabalho de servente no templo onde presenciei algumas execuções e vi os corpos e as almas estilhaçadas dos prisioneiros nos fornos, em contorções fragmentárias de insetos, e descobri que as lacraias gigantes nasciam nos fornos daqueles pedaços mutilados e uivantes – Estava na hora de agir – Usando a droga que o médico me dera, apossei-me do corpo de um sacerdote, obtive acesso à câmara onde os códices eram guardados e fotografei os livros – Provido agora com as informações audiovisuais da máquina de controle estava finalmente em condições de desmantelá-la – Restava apenas misturar a ordem das gravações e das imagens e eles então introduziriam na máquina a ordem alterada – Tinha gravações de todas as operações agrícolas, queimadas, etc. – Relacionei as gravações de queima das ervas daninhas com a imagem da operação, e variei o tempo para que a ordem de queimar chegasse tarde demais e perdessem a colheita do ano – Uma vez que a fome debilitou as linhas de controle, introduzi ruídos de estática de rádio na música de controle e gravações de festivais e misturei tudo com sons e imagens de rebelião.

“Cortem as linhas de palavras – Cortem as linhas de música – Esmaguem as imagens de controle – Esmaguem a máquina de controle – Queimem os livros – Matem os sacerdotes – Matem! Matem! Matem! –”

Assim como havia controlado mentes emoções e impressões sensoriais dos trabalhadores inexoravelmente a máquina agora deu a ordem de desmantelar-se e matar os sacerdotes – Tive a satisfação de ver o capataz empalado no campo, os intestinos perfurados pelas estacas expondo seu recheio de milho – Saquei a filmopistola e me precipitei para o templo – Esta arma capta imagens e mediante vibrações as dispara sob a forma de estática de rádio – Os sacerdotes não eram nada além de palavra e imagem, um velho filme que rodava e rodava com atores mortos – Sacerdotes e guardas do templo se dissolveram em fumaça prateada quando avancei disparando para a câmara de controle e queimei os códices – Com tremores de sismo sob meus pés saí dali rapidamente, ao meu redor choviam blocos de rocha calcária – Um grande peso caiu do céu, ventos terrestres encurvavam palmeiras – Maremotos arrasaram o calendário maia de controle.

EU SEKUIN

O TRUQUE MAIA – A TROCA DA CENTOPÉIA – O ARTIFÍCIO DE METAL PESADO

Eu Sekuin Aperfeiçoei Estas Artes Nas Ruas De Minraud. Sob As Bençãos Da Centopéia. Uma Cabeça Escravizada. Na Hora De Minraud. Nos Gabinetes De Tatuagem. Nas Salas De Enxertos Carnais. Museus De Cera Viva De Minraud. Vi Os Bonecos Moldados. Enquanto Esperava. Pela Hora Breve. Nos Terminais De Minraud. Vi A Branca Baba De Inseto Que Vazava Das Espinhas Destroçadas. Nas Salas De Sexo De Minraud. Enquanto Esperava. Na Hora De Minraud. Os Dispositivos Sexuais Da Carne. O Pênis Da Centopéia. Pêlos De Inseto Através Da Carne Cinzento Purpúrea. Do Povo Escorpião. Das Cabeças Decepadas. Nos Tanques De Dejetos. Comendo Merda Verde. Nos Aquários De Minraud. Nas Celas De Minraud. Sob As Bençãos Da Centopéia. Nas Salas De Sexo E Filmes Carnais De Minraud. Eu Sekuin Uma Cabeça Escravizada. Aprendi As Drogas De Minraud. Em Braille Metralhado. Cérebro E Espinha Podres. Deixei Um Corpo Esmagado De Caranguejo Nas Ruas De Cobre E Latão. Eu Sekuin Cabeça Escravizada. Levado Às Celas De Minraud. Pelos Braços. Pelas Pernas.

Extensões. Das Galerias De Arte Carnais De Minraud. Minha Cabeça Numa Esfera De Cristal De Fluído Pesado. Sob A Benção Cantante Da Deusa Escorpião. Escravizado Em Minraud. Nas Celas Do Tempo De Minraud. Nos Gabinetes De Tatuagem De Minraud. Nas Galerias De Arte Carnais De Minraud. Nas Salas De Sexo De Minraud. Nos Filmes Sexuais De Minraud. Vá Minha Cabeça Escravizada Percorra As Ruas Do Tempo De Minraud.

Numa planície em meio ao seco ruído de asas dos insetos Bradly pousou de emergência jornalista da imprensa amarela – área de quiosques pintados e terrenos baldios – numa vitrine empoeirada expondo cuecas e pés de gesso uma cabeça decepada na areia, formigas vermelhas entrando pelas narinas e lábios – Possuem métodos bastante particulares de atrair a freguesia –

“Está loco qué le pasa, salir por ahí solo?”

O guia apontou para a cabeça: “Tenga cuidado – Se cruza com esos ojos y no sirve más para nada”. O guia fez com a mão um gesto de corte na região das genitálias. “Este lugar malo, meeester – Usted ven conmigo” –

Levou-o por ruas empoeiradas – Excrementos metálicos brilhavam nas esquinas – A escuridão caiu em maciços pesados bloqueando parte da cidade –

“Aquí”, disse o guia – Um restaurante esculpido em pedra calcária, luz verde partindo das garrafas e tanques onde crustáceos moviam-se em lentas rotações – O garçom anotou os pedidos exalando um vapor frio e úmido pela boca circular –

“Buen lugar – buenos cangrejos – Muy bueno para joder, Johnny” –

O garçom trouxe uma lousa de calcário com moluscos e pinças de crustáceo –

“Krishnus” – disse o guia –

Vivos, moviam-se fracamente no caldo fosforescente – O guia atravessou um deles com um espeto de bambu e mergulhou-o num molho amarelado – Um sabor adocicado e metálico queimou-lhe os intestinos e as partes baixas – Bradly engoliu o krishnus em bocados gulosos –

O guia ergueu a mão: “Muy bueno, Johnny – Ya ves” – O garçom cantarolava através da boca circular uma canção gorgorejante e cavernosa – “Vamonos, Johnny – Te mostraré un lugar bueno – Fumamos jodemos dormimos OK. Consigo uno muy bueno, Johnny” –

A palavra ‘Hotel’ explodiu-lhe nos genitais – Um velho drogado pegou a grana de Bradly guiando-o para um cubículo azul – Bradly estendeu a cabeça através da janela e percebeu que estavam suspensos sobre palafitas de metal enferrujado – O chão trepidava crepitando levemente sob seus pés –

“A veces esta trampa llega a abrirse – Última joda de Johnny” –

Havia um estrado sobre o chão de ferro, uma bandeja de latão com cachimbos de haxixe e um pote de pedra –

“Johnny sin camisa”, disse o guia desabotoando a camisa de Bradly com dedos lascivos e deslizantes – “Johnny sin pantalones” – As calças desceram – Tirou uma pomada fosforescente do pote e espalhou-a pelo corpo de Bradly –

“Unta bien – Unta dentro – Johnny yo – yo Johnny” –

Passou o pote para Bradly – “Ahora hace como yo” –

“Unta bien – Unta dentro – Chico yo – Yo chico” –

Uma longa queimação invadiu-lhe estômago e intestinos – corpos rolaram sobre o estrado largando trilhas de carne – sono de geléia fosforescente –

Despertou sentado em carne trocada sendo sacudido pelo velho drogado tossindo e escarrando na manhã doente –

E é assim que o velho mundo saltitante que criei resmunga pelos anos tristonhos em todas as vozes congeladas no pó cristalizado através das ruas vazias e prédios oscilantes ganchos espectrais outono cinzento gripe em cinzas frias e salões empoeirados... um apelo do meu velho eu... o departamento de narcóticos... Coronel Smoke... garçons chineses... Rose Pantopon... Hauser e O’Brien... detetives perseguindo drogados. Lembra desta antiga gravação? (cospe sangue) “Bill, está ventando muito aqui.” Um velho drogado vendendo cartões de Natal em North Clark Street... o Padre, como o chamavam –

“Combatam a tuberculose pessoal” –

Sombra cinzenta projetando-se num muro longínquo –

(traduzido de "Soft Machine")

Damnus Vobiscum
Enviado por Damnus Vobiscum em 04/10/2011
Reeditado em 24/06/2012
Código do texto: T3257847
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.