CAMISETA PRETA

Leandro, um rapaz no começo da sua jornada pela busca de uma melhor condição de vida, imaginava ter sido contemplado pela sorte. No fundo do seu coração, acreditava até naquele milagre preconizado pelo pastor da congregação evangélica que freqüentava no seu bairro, lá no fundão da Praia Grande onde morava com sua Família constituída por sua mãe e uma irmã com diagnóstico de deficiência mental.

Sua mãe era o pilar de sustentação daquela casa humilde, que já fora um barraco, mas ainda com sérios problemas estruturais. Seu parco salário de faxineira num prédio de luxo no bairro militar era o suporte financeiro que nunca conseguia bater com as reais despesas da casa.

Por isso ela se desdobrava em serviços extras em qualquer canto da cidade.

Leandro, cercado pela miséria, pelo abandono social, sentia na pele essas necessidades da Família. As suas começavam a configurar-se no desejo de ter coisas materiais como: Uma vestimenta da moda, um som da hora.

Internet na rotina de Leandro só quando sua mãe lhe dava uma moeda de real que lhe permitia ir à Lan mais próxima da sua casa e lá acessar os sites nos quais esquecia a vala fétida que se estendia ao longo da sua rua, passando bem a frente do seu portão.

-Deus está preparando uma coisa boa para a sua vida.

O olhar do Pastor era todo para si e ele instintivamente apertou a mão da sua mãe que estava sentada ao seu lado, Como era de costume nos dias de culto.

Foi lembrando das palavras do pastor que Leandro cruzou a porta de entrada daquela empresa de departamentos, que lhe chamara para ocupar uma vaga existente na loja de calçados.

Quantas vezes já não tinham passado por ali, parado diante das vitrines e sonhado com cada peça que dentro daquele aquário atiçava o seu inexistente poder de consumo.

Quantas vezes não ficara olhando aqueles jovens assim como ele, todos ocupados nas suas funções.

Leandro foi direcionado ao setor de recrutamento e lá depois de preencher e assinar alguns papéis recebeu uma camiseta preta e neste momento lhe disseram solenemente.

- Depois da capacitação você irá para a loja e lá irá trabalhar com esta camiseta. Quando efetivado, recebera a nossa camiseta pólo.

Ele pegou aquela camiseta como quem ergue um troféu na final de um disputado campeonato em qualquer modalidade esportiva.

Naquele momento, Leandro se considerava um vencedor na sua disputa dentro da modalidade “sobrevivência”.

No segundo dia após o recebimento da camiseta preta, ele desceu a loja onde foi saudado por aqueles que viam nele mais um companheiro e ignorado por aqueles que viam na sua pessoa, mais um para repartir o “bolo”.

Leandro só entendeu o significado da expressão “Bolo” que sempre ouvia desse ou daquele companheiro, quando foi ao final da sua primeira semana de trabalho, receber o valor de comissão que lhe cabia pelas vendas efetuadas.

Rapaz esperto, simpático e, sobretudo educado, Leandro não teve dificuldade nenhuma em vender naquele período Cinco pares de tênis e hum sapato social.

Vendas correspondentes a R$ 625,00.

O gerente da loja entregou a Leandro R$ 12,50.

Ele não entendeu aquela situação. Ficou ali parado com aquelas 12 notas de R$ 1,00 e uma moeda de cinqüenta centavos na sua mão direita...

-Algum problema Leandro? Perguntou-lhe Roberto, o gerente!

-Só isto? Conseguiu balbuciar Leandro.

A resposta de Roberto foi imediata.

- Sim, você recebe 1 Real a cada R$50,00 e 0,50 CTS a cada R$ 25,00 de venda confirmada.

-Mas! Exclamou Leandro com uma acentuada palidez no seu imberbe rosto.

Não teve nem tempo de concluir o que pretendia. Roberto o atropelou...

-Não lhe explicaram Leandro na capacitação que era assim a nossa forma de pagamento?

Se lhe haviam explicado, Leandro nem se lembrava mais. Naquele momento tudo o que sentia era cansaço pela semana intensa e desilusão pelo pouco valor recebido.

Estava na porta para ir embora quando Roberto lhe chamou para perguntar.

- Você vem amanhã?

Na manhã seguinte Leandro lá estava.

No seu interior, no entanto, um aperto o consumia desde aquele dia quando descobrira que todo o seu empenho no serviço valia no máximo R$1,00.

Deu-se então conta que estava ali sem registro de experiência e que os documentos que assinara não passavam de aceite as normas de condutas internas da empresa.

Não lhe cabia exigir vale transporte, alimentação... Nada!

Pensava na sua mãe que aguardava dele um valor que os aliviaria nas despesas penduradas e naquelas do mês que estavam já vencidas.

Leandro constrangido revelou a sua mãe o que estava acontecendo e lhe informou que seria muito difícil ele ajudá-la como ela merecia e precisava.

Ela, sem nada poder fazer disse ao seu angustiado filho:

- Confia em Deus Leandro!

Dona Carmem, mãe de Leandro era uma pessoa de pouco conhecimento e não sabia nada da escravidão moderna disfarçada de oferta de emprego a engordar as estatísticas que buscam refletir um paraíso econômico aqui e no resto do País.

Ela mesma nem se lembrava mais quando deixara de ter registro na sua carteira profissional. Agora era diarista e vivia de bicos. Como era pessoa de confiança, nunca lhe faltava serviço.

Assim como nunca lhe faltou fé para ver em Deus a fonte de solução para a sua vida que já se encontrava na ponta do funil existencial e a vida dos seus filhos, que estavam entrando na boca desse mesmo funil.

Ao final de 1 mês de muito trabalho, Leandro recebeu R$ 93,75.

Para receber esse valor ele vendeu um montante de R$ 4.687,50.

Tentou questionar a empresa sobre esses valores, mas nenhum argumento seu foi aceito. Contrariados com o comportamento de Leandro, a ele deram uma sutil advertência.

- Se você não tem interesse em vestir no futuro a nossa Polo, avise-nos! Lá fora tem muitos querendo uma oportunidade assim.

Leandro esforçava-se para segurar a onda, decidiu seguir em frente daquele jeito mesmo. Quem sabe no futuro passaria a usar uma camisa pólo e mudar a sua condição temporal.

Numa tarde dessas manhãs de chuva continua, Leandro foi advertido pelo estado do seu sapato, não compatível com o status da loja. No sapato de Leandro o barro da periferia incomodava o zeloso gerente Roberto.

-Assim você não vai durar muito aqui.

Leandro inconformado com a repreensão em público, tirou o seu crachá e o jogou na direção do seu agressor verbal.

Na seqüência, tomou a direção da porta da loja.

- Volta aqui seu moleque!

Vociferou o gerente. Leandro nem lhe deu ouvidos e continuou o seu caminho.

Roberto correu em direção a Leandro, tomou-lhe a frente, segurou-o pelo braço e disse para toda loja ouvir.

- Você está demitido.

Leandro não pensou para responder:

-Vai se fuder. Você e essa empresa de merda exploradora do trabalho alheio.

Leandro desvencilhou-se do pegajoso Roberto e foi embora daquela casa de escravos modernos.

Nos dias seguintes, ele estava de novo na parte central de Praia Grande, procurando emprego. Batendo em várias portas, disposto a aceitar o que lhe oferecessem, mas sem humilhação e de preferência com o devido registro em carteira. Mas não conseguia!

Na sua busca a predição do seu pastor sempre lhe vinha à mente.

Foi então que naquela tarde, já voltando para casa na sua bicicleta ele avistou saindo de uma agência bancária, uma senhora que dedicava enorme cuidado a sua bolsa, que trazia pendurada ao ombro.

Foi tudo muito rápido. Leandro passou da via para a calçada sem nenhuma dificuldade, pois não havia o rebaixamento da guia. O leito da rua e a calçada estavam no mesmo patamar.

Ele então pedalou forte em direção a senhora e com um bote preciso, arrebatou-lhe a bolsa.

Enquanto a senhora assustada, ia ao chão e lá ficou inerte. Leandro atravessou a Avenida Costa e silva nos seus dois sentidos e entrou na rua seguinte pela contra mão.

Os gritos de “pega ladrão” foram ficando cada vez mais distantes na medida em que ele ia pegando os sentidos contrários das ruas até chegar ao marco divisório do luxo e do lixo. Cruzou a passagem sob a rodovia e já nos seus domínios pode chegar a sua casa sem maiores problemas.

Como não tinha ninguém em casa, pode abrir a bolsa da senhora e lá encontrar R$ 1.500,00. Valor que determinou uma enorme mudança na vida de Leandro.

O Rapaz esperto, Simpático e, sobretudo educado, transformou-se num outro “ser”.

Com o codinome de BLACK T-SHIRT, não demorou a ganhar fama e tornar-se conhecido. Apavorou a cidade da orla até os becos infectos dos fundões pobres dos bairros periféricos.

Sua especialidade era assaltar lojas. Onde quer que elas estivessem e sempre de camiseta preta.

Assim seguiu a vida de Black t-Shirt até que um dia no curso de um assalto, no momento no qual o cão da sua arma bateu na espoleta vencida e pipocou, não detonando a bala que tinha o seu alvo já definido a sua frente. Esse vacilo permitiu ao policial uma reação imediata. Da sua arma recém adquirida pelo sistema e que lhe fora entregue em confiança, partiu o projétil que acertou o peito de Black t-shirt e o coração do ainda jovem Leandro.

Não demorou para que alguém providenciasse um lençol, quatro velas e uma oração que ecoou muda pelo silêncio da avenida onde o corpo sem vida do rapaz da camisa preta aguardava o rabecão.

- VÁ PARA O DIABO!

Disse alguém, que depois continuou o seu caminho pela avenida, segurando firme a sua bolsa pendurada no seu ombro.

Nem sempre vamos para o inferno por méritos próprios.

Nem sempre chegamos ao céu por determinação de alguém.

Só uma coisa é certa! Independente de como:

Deus ou o Diabo irão nos receber de braços abertos nos seus domínios.

Eu, não acredito que Leandro esteja no inferno

O inferno Dele era aqui.

FIM