Acima das nuvens

Muito no alto, bem acima das nuvens, onde nem o mais poderoso par de olhos alcança, paira a toa uma dupla de anjos. Com as asas de cor que cintila do braço do dente de leite, até a miríade que compõe o arco-íris quando se movem, ficam os dois a flutuar.

Um encara o outro, olhos azul celeste, obviamente, e pergunta-lhe:

-O quê tanto procura, olhando tão lá para baixo.

-Um sentido.

-No quê?

-Nas criaturinhas que pululam sobre a Terra.

-Ah, as coisinhas perenes; não há muito que entender nelas.

-Tem certeza?

-Claro, são bichinhos frágeis, que crescem, labutam, fornicam criando outros como eles para prosseguirem com suas mundanas e inúteis tarefinhas, e depois morrem. Simples assim.

-Não acredita que possa haver algo mais?

-Por mais que queira não pode fazer de um, dois, apenas olhando e desejando. São o que são, incapazes de compreender qualquer coisa, morrem com um espirro. Seu maior atributo é o ego, tão inflado que os faz acreditarem-se importantes, que valem algo.

-Sim, mas vez ou outra me parece que existe mais fora isso.

Aquele que responde só o faz depois duma boa gargalhada:

-Claro, eles possuem aqueles pífios sentimentos que são-nos incompreensíveis, como amor, ódio e tudo entre os dois. Não diga que tenta entender estas coisas ridículas.

-Até queria.

-Tão impossível quanto aquelas coisas entender-nos. Mas qual o motivo de querer tornar-se par com tal conhecimento, quando ele é tão significativo quanto a vida daqueles lá embaixo?

-Eles acreditam em nós.

-Sim, e não são os primeiros que acreditam em quem não acredita neles, são?

-Não, mas eles rezam para nós.

-E vai dizer que lhe faz algum sentido o que pedem?

-Não na verdade, mas queria conseguir que fizesse.

-Ora, deixa de ser tolo.

-Mas não as escuta?

-As preces?

-Sim.

-As infinitas e maçantes súplicas?

-Sim.

-Óbvio, mas como todo bom anjo aprendi a ignorá-las.

Um suspiro que tira uma estrela de seu rumo, e o diálogo prossegue:

-Não parece-lhe errado fazê-lo?

-Disse-me que não entende aquilo pelo que eles oram, não disse?

-Infelizmente.

-Então como poderia ajudá-los?

A única resposta que se tece, é o silêncio.

Pietro Tyszka
Enviado por Pietro Tyszka em 03/10/2011
Código do texto: T3255024
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