Textos reeditados _8_ A cidade onde fazer sexo era obrigatório


Luxúria, um cidadezinha qualquer deste nosso berço esplêndido, era famosa por dois motivos: suas fontes de águas medicinais - cuja principal qualidade terapêutica parecia ser afrodisíaca - e a atividade sexual dos homens da cidade, exagerada em todos os seus aspectos. Isso era realmente um problema de saúde, social e de planejamento familiar. Meninas engravidavam cedo demais, estupros aconteciam quase todos os dias e as mulheres casadas viviam parindo e engravidando todo ano, enfim, um verdadeiro estado de calamidade pública.

Sociólogos, psicólogos e outros "ólogos" já tinham sido contratados para resolver o crucial problema, mas sem nenhum sucesso. Alguns admitiam que o furor sexual dos machos da cidade era devido às propriedades afrodisíacas das águas da cidade, e isso aumentava o problema, tendo em vista que essas águas eram a principal atração turística da cidade. Como condenar ou fechar as fontes de águas medicinais se daí vinha justamente a maior fonte de renda do município?

Quando a situação se tornou realmente grave e insuportável, com maternidades congestionadas de bebês, e estupros ocorrendo à luz do dia, o prefeito divulgou uma nota pública oferecendo um alto prêmio em dinheiro para quem apresentasse uma solução eficaz para o problema. Então, apareceu por lá um cabra da peste nordestino, amansador de onça e de mulher brava, que procurou o prefeito para oferecer os seus serviços. Mal humorado, o prefeito recebeu-o em seu gabinete:

- Qual é a idéia, cara?

- Publique um decreto tornando o sexo obrigatório para homens desta cidade, a partir dos 18 anos de idade.

- O quê? Tá maluco, cara? Neste momento em que as relações sexuais são facultativas, a situação já está um caos: aqui só não transa três vezes por dia quem é impotente! Imagine se eu tornar o sexo obrigatório...

- Vai por mim, seu prefeito. Publique esse decreto.

- Tá bom, vou publicar, mas se isso piorar a situação - como acho que vai acontecer - em vez de prêmio, mando te dar uma surra de criar bicho!

Então, saiu o decreto: a partir daquela data, todos os homens de Luxúria, maiores de 18 anos, casados, noivos ou namorando seriam obrigados a fazer sexo com as suas respectivas esposas, noivas ou namoradas (estas duas últimas, maiores de 18 anos), pelo menos 3 vezes por semana, sob pena de prisão. Fiscais de saúde visitariam as casas, entrevistando semanalmente as esposas, noivas e namoradas, a fim de se certificarem do fiel cumprimento da Lei.

A novidade foi recebida com surpresa e com deboche pelo populacho. Aquele prefeito era um doido de pedra! Queria obrigar os machos da cidade a fazerem, por Lei, o que eles faziam espontaneamente e com "muitíssima boa vontade"!

Contudo, a partir da segunda semana da vigência do decreto, começaram os problemas: esposas, noivas e namoradas começaram a denunciar os respectivos parceiros pelo não cumprimento da obrigação legal. E os infratores foram recolhidos às prisões, só saindo de lá após pagarem pesadas multas.

Então, uma comissão de representantes dos homens sexualmente ativos da cidade foi falar com o prefeito argumentando que a obrigação legal de manter relações sexuais três vezes por semana era antinatural, excessiva e arbitrária: sexo obrigatório, uma vez por semana, disseram eles, já estava de bom tamanho. O prefeito concordou.

Um ano depois, continua vigorando em Luxúria a Lei do Sexo Obrigatório - uma vez por semana, o marido, o noivo ou o namorado tem que bombar com a sua fêmea; se fizer corpo mole e ela reclamar, o fulano é trancafiado sumariamente. Nunca mais houve qualquer estupro e os índices de natalidade caíram absurdamente. Mas os homens, aqui e ali, denunciados pelas mulheres descontentes, continuam sendo presos pelo descumprimento da Lei.

Ao pagar o prêmio prometido ao cabra da peste nordestino, autor do brilhante programa de controle de sexualidade e natalidade de Luxúria, o prefeito perguntou:

- Cara, em que princípios você se baseou para arquitetar tão formidável plano?

O cabra da peste nordestino abriu um largo sorriso e informou:

- Princípios? Vixe, sei lá o que é isso, sô!... O que eu sei, desde menino, seu prefeito, é que a safadeza só é gostosa quando é livre: safadeza que vira obrigação é coisa chata. Tem mais: estamos no Brasil, onde as Leis são feitas para não serem cumpridas; se o Governo distribuísse comida de graça pra todo mundo e, por Lei, todo mundo fosse obrigado a comer, muita gente morreria de fome só para não cumprir a Lei!

Deu uma sonora gargalhada, embolsou a bolada, botou sua mochila nas costas e deu no pé.

Obviamente não informou que a bonitona primeira-dama só nunca reclamara do próprio prefeito, porque ele, o cabra da peste nordestino, estava hospedado no quarto ao lado da suíte do casal. E cabra da peste nordestino, com Lei ou sem Lei, é sempre cabra macho, seus meninos!
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Santiago Cabral
Enviado por Santiago Cabral em 01/10/2011
Reeditado em 01/10/2011
Código do texto: T3251443
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