De:RAFAEL VELLOSO
 
     Os vivos sentem uma verdadeira fixação pela morte. É interessante o modo como algumas pessoas lidam com o considerado fim de tudo. Há pessoas que nem a encaram como o fim, mas sim como o começo de uma nova fase. Um novo mundo, um novo estilo de vida, uma nova vida.

     A curiosidade e o medo andam juntos dentro deles. O medo do que podem encontrar, de como irão ser recebidos. O medo do destino após a morte mexe com os mais profundos sentimentos. Insegurança é um deles. Se sentem fracos diante da Morte. Se sentem impotentes diante daquilo que é mais forte. Diante daquilo que é incurável. Vivem a vida tentando acertar, mas o que mais fazem é errar. São tolos em achar que pequenas boas ações podem mudar seu destino.

     Há aqueles que rezam para se salvar, mas ao chegarem em casa batem nos filhos, nas mulheres, até mesmo nos maridos. Aqueles que fazem promessas a Deus e descumprem na primeira tentação. Tolos. São fracos. Verdadeiras formiguinhas inocentes que apenas vivem conforme a própria música.
 
     Pedem intercessão Divina, mas não se fazem merecedores. Precisam apenas aceitar e viver a vida. Sim, devem ser bons. Devem seguir algumas regras básicas. Mas não conseguem. Por isso temem morrer. Sabem que se há um inferno, e há, é para lá que vão. Os poucos que conseguem seguir as regras razoavelmente, esses sim merecem cuidados. Esses fazem por onde. Não que tenham que ser puritanos. São humanos, estão sujeitos a pecar.

     Mas a curiosidade deles é que faz rir. Basta um acidente, um cadáver recém desencarnado, e lá estão os curiosos. Olhos atentos, preces, fotos. Agora tiram fotos dos mortos. Antigamente faziam isso para mantê-los vivos nas fotografias, hoje fazem isso apenas por exibicionismo. Os tempos mudaram. Pessoas morrem o tempo todo pelos mais variados motivos. Fúria da natureza, doenças, causas naturais e assassinatos. Nunca se matou tanto quanto nos dias de hoje. Parentes matando parentes, crianças matando crianças. Crimes bárbaros. Os tempos parecem estar regredindo a selvageria do início dos tempos. E assim, a Morte reina. É fácil, seu trabalho é apenas levar a alma. É apenas fechar as portas do corpo e apagar a luz. Mas eles não entendem.

     Ah! Se soubesse como a vida é maravilhosa! O que muitos que foram não queriam aproveitar mais os poucos momentos aqui na Terra. O depois é ainda melhor, mas é aqui que se aprendem certas coisas. É onde experiências são colocadas em práticas. Do que adianta ficarem inventando diversas maneiras de encarar os momentos finais. De tentar adivinhar o que se sucede o deixar da alma. Essa ansiedade com o depois.

     Deviam conhecer tudo melhor. Sentir cheiros, viajar, ter filhos, estudar e obter mais conhecimento. Tornaram-se pessoas relaxadas. Os jovens aprenderam a ter as coisas muitos facilmente. Se continuassem com a mesma curiosidade de quando crianças. De quando perguntavam sobre tudo e queriam saber de tudo. Saber por que o céu era azul. O motivo de a voz ficar engraçada quando falam próximos do ventilador. Ou por que os pelos do braço ficam arrepiados quando se aproximam da televisão... Aliás, isso mudou. Os novos modelos não fazem isso como os de antigamente.

     É uma pena que sejam assim. E eu tenha que assistir a tudo como uma mera espectadora. É muito ruim quando recebo a ordem. É cortante levar certas pessoas. Sinto que mereciam alguma outra chance. Às vezes até tento interceder, e elas conseguem voltar para aproveitar mais um pouco. Mas jogam tudo para o alto. É uma pena.

     Eu gosto deles. Queria sentir o que sentem. Queria viver o que vivem por apenas um dia. Ver filmes e me emocionar. Eles são ótimos em fazer isso. Até os piores são bons. Os livros que escrevem. Os desenhos que fazem... Mas não sinto. E nisso, eu os invejo. Nisso eu queria ser mortal.

     Dói-me ser obrigado a assistir certas coisas. Como crianças sendo deixadas em lixões. Como pessoas matando crianças ou maltratando idosos. Os idosos deveriam ser mais respeitados. Eles viveram mais que qualquer um. Sabem mais que qualquer um. Possuem marcas do tempo, da vida. E eles voltam a pensar como crianças ao final de tudo. Partem quase sempre calmos, dormindo. Um presente pela vida dedicada de alguns.

     Adoro os mortais e os invejo como já disse. E ver tudo de perto é gratificante e angustiante... Queria ter sentimentos como eles, mas não posso. Isso mudaria as coisas. Sou apenas uma mensageira. Sou apenas o condutor. Sou apenas a morte. Num momento vivo, e raso das minhas reflexões.



 
Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 29/09/2011
Reeditado em 29/09/2011
Código do texto: T3248884
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