Mazelas de uma Cidade

Na esquina do posto de gasolina transitavam as criaturas da noite. Umas vendendo o próprio corpo, outras vendendo drogas. Prostitutas e travestis se ofereciam naquela vitrine asfaltada, cabelos coloridos e roupas sensuais embelezavam aqueles corpos, desnudos corpos moldados pelo silicone.

O barulho dos pneus de um automóvel, desses de luxo, importado, despertou a atenção para uma criança quase atropelada ao atravessar a avenida sob o torpor de um frasco de cola que cheirava buscando fugir da dor da fome e do abandono. Pés descalços, roupa suja, mal cheirosa, sem casa, sem teto sem afeto, perambulava pelas avenidas da cidade a mendigar e vasculhar nos lixeiros os restos de comidas dos restaurantes e prédios residenciais dos abastados.

Nas praças e avenidas suntuosas igrejas católicas e protestantes que em sua liturgia como sempre falavam de amor, de paz e prosperidade. Lá fora o ódio, intranquilidade, fome e violência tomavam conta da cidade. Chaves de automóveis caríssimos indicavam o poderio de compra dos fieis, vestidos finíssimos e jóias adornavam o corpo daquelas senhoras que ao adentrarem o templo faziam o sinal da cruz, e lá fora adolescentes se drogavam, prostituíam-se, sozinhas, sofridas, marcadas e perdidas, estorvo, vítimas da exclusão social.

Numa esquina no outdoor a foto de uma liderança política com um sorriso largo de felicidade era homenageado pela “transparência” dos trabalhos prestados à sociedade como homem honesto que cuida do povo e dos necessitados.

. Bem em frente a câmara dos deputados, expostos ao frio, ao relento, sob a marquise de um prédio comercial um grupo de velhinhos dormiam juntinhos colados uns aos outros na vã tentativa de aquecesse do frio tendo como guardião um pobre cão vira lata, sarnento e magérrimo que imóvel acompanhava com o olhar as pessoas que por ali passavam.

No estacionamento ao lado de uma praça com o nome de um herói nacional , dentro de um automóvel com os vidros transparentes , gemidos e movimentos bruscos despertavam a atenção para um casal que encontrava-se dentro do carro, na verdade tratava-se de um policial transando com um travesti depois de tê-lo estorquido.

Enquanto isso na avenida principal do outro lado da praça um pobre senhor trabalhador de um hospital dirigia-se à parada de ônibus para retornar para casa foi abordado por um assaltante e como não tinha dinheiro o bandido desferiu-lhe vários golpes com um gargalo de garrafa o que o fez cair ao chão e sangrar até a morte.

Um kardecista na tentativa de acalmar uma pobre senhora que chorava e tremia ao ver o corpo do trabalhador numa poça de sangue explicava que há pessoas que infelizmente desencarnam assim, dizia ele que no CENTRO ESPÍRITA O AMOR EM EVOLUÇÃO, onde faz parte – e desde quando espírito tem gênero? Ou seja, masculino e feminino, espírito e espírita, assim como, a palavra amor já pressupõe a perfeição, a completude, e dessa forma em nada precisa evoluir, paradoxo e redundância apenas – já presenciou por diversas vezes muitos espíritos baixarem e dizerem que muitos desencarnariam assim, de forma trágica. No céu a lua cheia com sua luz prateada iluminava aquele cenário fúnebre, nefasto.

. Um vento frio e forte soprava varrendo papeis, sacos e copos plásticos espalhados naquela avenida. Um bebum a passos trôpegos caminhava solitário pela calçada. Um automóvel de luxo pára no sinal e de dentro dele ouvia-se uma canção que dizia: “ A cidade enlouquece sonhos tortos, na verdade nada é o que parece ser, as pessoas enlouquecem calmamente, viciosamente, sem prazer...”