lentes corretivas

No sobressalto da rua que o chamava a sair de casa e o levava ao recanto das bebidas, viu ao longe um vulto feminino. Era escuro e a pouca luz que descia dos postes postos lado a lado, mas em grande distância um dos outros, a fazia parecer uma princesa, uma flor bela, uma estória encantada. Será que ela também caminhava rumo ao recanto proibido? Não poderia ser; tão bela figura de contornos suaves e de passos leves quase dançantes.

Apertou o passo e foi aproximando-se daquela mulher que lhe chamara atenção de tão longe. Aos poucos foi percebendo que a silhueta na era tão perfeita e que os passos eram quase tropeços, de certo que se aquilo fosse uma dança seria alguma daquelas bem modernas e sem ritmo. Concluiu que a mesma fosse feia e, pior ainda, de que aquilo talvez não fosse sequer uma mulher. Exprimiu os olhos e deu-se conta de que estava sem suas lentes de aumento. As havia esquecido e foi enganado por sua deficiência visual para enxergar longe. Viu o que não existia e que havia feito seu coração acelerar e pulsar bem mais forte. Diminuiu então a velocidade e foi se afastando daquela figura que, a cada metro de distância retomava os contornos perfeitos e o passo ritmado. Aquele caminhar voltava a lhe deixar eufórico.

Antes de virar a rua para o lar das bebidas deu um último olhar, admirando a imagem que lhe fez entender o dito de que a beleza está nos olhos de quem vê. Neste caso especial, nos olhos que pouco enxergam de longe.

Chegou ao fino entendimento: Não mais usar as lentes corretivas e, assim sendo, viver em um mundo menos cheio de detalhes visuais, repleto de imaginação e pensamento.