Um apito solto no ar.

Numa manhã de Agosto, acordei mais cedo e preparava meu café, quando ouvi um barulho vindo do sótão. Pensando se tratar de algum gato, fiz um chamado tradicional bichim... bichim. , mas como resposta, apenas risos do meu pai, saindo do sótão com uma caixa de sapato escurecida pela fumaça do fogão à lenha da casa. Após lhe pedir a benção como tradição mineira, quis saber, por que ele tinha ido ao sótão naquela hora do dia. Mas ele apenas falou que estava à procura de uns papeis antigos. Tomamos café juntos e cada um foi para sua rotina.

Durante o dia no escritório, lembrava da manhã com meu pai saindo do sótão, e pensava como velho tem manias, que a gente nunca entende. Aquilo ficou martelando na minha mente, pois fazia tempo que ele não subia por lá. Quando voltei do trabalho, minha mãe relatou que o pai passou varias horas no quintal, remexendo na caixa velha de sapato e que ela vez ou outra, ouvia um apito vindo do quintal, mas que não identificava e ele sempre afirmava, não ter ouvido nada e que ela minha mãe, deveria estar ficando maluca.

No dia seguinte uma ligação urgente vinda de minha residência, o que me preocupou, vez que isto não era comum na família. Rapidamente segui para a sala e ao ouvir a voz de minha mãe, senti que algo não estava bem, em meio a um choro ela dizia, que o pai tinha saído de casa após minha saída, que tinha tirado algo da tal caixa e que não tinha voltado para o almoço como de costume. Sai pelas ruas com a cabeça pensando mil asneiras. Veio a lembrança do pai remexendo na caixa e pensei que ele poderia ter cometido um suicídio, de tanto esperar o tal aumento da Previdência, que ele aguardava por mais de 10 anos. Mas, não constava que o pai, tivesse arma em casa, muito menos naquele sótão. Lembrei de passar pela estação, onde ele sempre voltava para ver os trens de ferro e conversar com velhos amigos.

Ao aproximar da estação, ouvi um apito que não cessava como se estivesse na boca de criança em dia de festa. Quanto mais aproximava, mais era audível. Quando cheguei ao muro da estação, avistei pessoas olhando para a via férrea, levei um susto, mas de longe vi meu pai, com um apito brilhante na boca e soprando e acenando com as mãos para os trens que vinham em manobras. Um funcionário logo me disse que meu pai invadira a pista com o apito e não reconhecia ninguém. Corri até ele, o abracei retirando dos trilhos. Ele me olhou deixou cair uma lagrima e afirmou que apenas queria mostrar que estava vivo e podia comandar as manobras dos trens, mas que não estava louco.

No outro dia bem cedo, peguei o trem com ele e minha mãe e fomos para a capital onde ele fez vários exames comprovando sua sanidade mental. Que fora apenas uma crise emocional pela perda do irmão. Ele tirou do bolso o apito amarrado a um broche de Honra ao Mérito ao sair da clinica e falou que aquele apito atado ao broche, o acompanhava deste o dia da morte do irmão numa manobra naquela estação e que fora lhe dado como lembrança, mas o seu pai, meu avô, o havia escondido nesta caixa de sapato, para evitar lembranças emotivas, mas ao rever os objetos naquela manhã um filme passou na sua mente lhe empurrando para aquela estação.

De repente um sorriso abriu em seu rosto era o trem que chegava à estação para nossa viagem de volta.

E hoje para evitar alguma recaída, o apito atado ao broche fica com a mãe.

Toninho

21/09/2011

Tema do Exercicio em um blog:

Uma caixa de sapato contendo vários objetos, que permanecia guardada no sótão.

Aí com esta minha minerice e os trens que povoam meus olhos e ouvidos e apitam aqui dentro do peito...

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Toninhobira
Enviado por Toninhobira em 26/09/2011
Reeditado em 26/09/2011
Código do texto: T3242222
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