Noite nas névoas
A sinfonia das cores das árvores no alto do Vale de Santa Clara, quando a ventania está assim tão solta, transforma a noite no “grande silêncio”.
Mas por enquanto, lá embaixo, na Vila da Maromba não tem mais espaço sequer para nosso ônibus. Até há este engarrafamento e carros impedindo nossa passagem, na altura de Maringá, agora vilarejo badalado, com casais comprando roupas, bijuterias, lembranças, fondues, trutas e outros produtos das montanhas.
Da janela do coletivo, observamos o que não viveremos, o desfile de consumidores no caminho arenoso de Maringá, lado fluminense. As margens do Rio Preto separam o Rio de Janeiro de Minas Gerais. O que seria um lendário black river, de aventuras sem tiroteios, agora segue seu ritmo constante, caudaloso mas ruidoso, que podemos entrever nas curvas do caminho.
Desci antes da Vila, na esquina da ponte, que inicia a subida, o caminho íngreme, sinuoso e repleto de pedras imensas, perfeitas. Foi uma tirada de quase duas horas.
Ao fim da tarde chuvosa, o caminho está escorregadio, procuro evitar a lama e a queda que trinta quilos de peso no mochilão acabaram produzindo. Uma hora depois, chego enlameado, exausto, a noite já se fez. Abro o alçapão da cabana “Asa delta”, instalada no ponto mais alto de Santa Clara, uma localidade onde alguns filhos de suíços se instalaram para plantar e produzir queijos, pães e geleias de framboesa.
O vento não deu trégua durante a noite, mas ao menos não choveu. Estirado no chão de madeira da cabana dormi todo vestido, o que ajudou diante do frio intenso de quase zero grau. Os animais da mata saíram e começaram a sua sinfonia, talvez mais um ensaio, com insetos na plateia, ao meu lado. No interior da pequena cabana não há como ficar de pé.
Sobre um colchão fino e velho, soltando pedaços de espuma, durante a manhã seguinte, estendo o saco de dormir que um amigo me emprestou. Realmente só, pode-se dizer, definitivamente, passo o dia inteiro percorrendo as redondezas, onde se esconde uma cachoeira sem igual, onde tomo banho e me estendo em uma enorme pedra.
A noite chega rápido, mal tive tempo de voltar pelas trilhas, até as cabanas. E nesta noite de névoas, não se vê nada um palmo adiante, a cabana mais alta flutua no nada mais absoluto.
Na parte de baixo havia uma aranha, das grandes, deixei-a lá, cada qual com seu pedaço deste céu. E afinal, eu é que acabei de chegar. Ela não se moveu enquanto estive fumando um cigarro lá fora, ao seu lado, só nós dois, numa conversa sem vozes. Então, resignado, fui finalmente ligar as luzes das alamedas floridas que levam às outras cabanas, questão de ver se alguém da família local saberia que estou por ali, que não precisam desconfiar, que sou aquele amigo.
Mas não há ninguém, não é feriado, mas onde estão os da família daqui? As névoas escondem algum segredo, alguém morreu na família e eu não sabia? Foram todos para o velório, eu não sabia. Então sei que estou realmente, irremediavelmente só, num raio de muitos quilômetros e arraiás e quebradas solitárias, de frente para a massa escura das Agulhas Negras.